Graça alcançada

Eu cria, sim. E que o bom Pai era por mim. Tinha meus sete anos, e uma vontade louca de jogar futebol. Meu pai me incentivava e seu próximo passo seria, numa ida a Belorzonte, trazer-me uma bola do couro, argentina, com câmara de ar, coisa fina.

Mas, por enquanto, era uma bola de meia, pritinha, nem ao menos redondinha, e até feinha, é que satisfazia meu animus jocandi. Contudo, sem muita segurança de ir pra rua, ou pra desfrutar mais a companhia de tia Vicentina, que ia lá em casa nos pagear, fiquei ao seu lado, enquanto ela, com a mão na manivela do sarilho, ia tirando água da cisterna, para botar no seu pote, e o levar para casa, quando um de meus pais logo regressasse da fábrica.

Como soía, não me mantive quieto por muito tempo. Comecei a treinar chutinhos na bola, que mesmo sem quicar, batia no teto da coberta da cisterna, e voltava para novo voleio.

Até que...num desses meus chutes, a bola resvalou naquelas telhas portuguesas e, puft, na volta, achou a cisterna de tampa aberta, e o espanto de tia Vicentina, que vinha puxando o balde...

Sua reação à minha desventura foi premonitória, e cruel:

- Deixa só seu pai saber, cê vai levar uma coça pra não mais se esquecer...

Tremi, e se o choro contive - ecomizando lágrimas para a vera necessidade - recorri ao Pai do Céu. Ou foi a Nossa Senhora, também de lá? A verdade é que orei, contrito, aflito.

E não é que foi ouvido meu silente grito: no balde que subia, vinha a bola a boiar, molhada e fria, mas que alegria....

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 10/12/2014
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