DIANTE DO ESPELHO
Feinha nasceu até bonitinha. Pele clara, rosadinha. Era a quarta filha de um casal de agricultores muito pobres. Nesse tempo, cada casal tinha em geral, dez filhos. Mal um filho nascia e outro já estava na biqueira para vir ao mundo. As crianças cresciam assim, meio como bezerro desmamado. Alguns como Feinha aprendiam a chupar dedo. Imagine você, num período em que escova e creme dental era luxo. Só os muitos ricos podiam usar, aparelho de correção dentária nem se imaginava que iria existir.
Feinha cresceu magrinha, baixinha e seus dentes, como era de se esperar ficou tudo errado dentro da boca. Um empurrando o outro pra frente. Se juntaram muito na frente da boca e ficaram estufados para fora. A fala dela saia mais ou menos igual a do Ex-Presidente Lula, sempre parecia que estava soprando. A arcada superior dentária, ainda era maior que a inferior, dando a impressão de mais estufamento. Os dois dentes da frente ainda eram largos e tinham manchas escuras iguais aos dentes dos fumantes. Feinha nunca fumou. As presas do lado direito eram maiores do que as da esquerda. A presa da arcada inferior ainda se posicionou bem na frente também, para acabar de maltratar nossa princesa. Sentiu a pressão ?
Dentes para frente, tortos na boca, mal posicionados, uns desproporcionais aos outros. Feinha era muito linda de boca bem fechada. Também pudera, chupou dedo até os quinze anos e cheirava cobertor. Parecia filhote de gnomo. Ela não tinha muitos sonhos. Eles se acabavam sempre que ela sorria em frente ao espelho. Outras pessoas pobres da época, eram a maioria banguelas, porque não havia tratamento dentário como hoje.
Aos doze anos a pobre menina se apaixonou por um menino bonito e simpático. Vendo ele que Feinha era feia somente de boca, não se importava mesmo. Ele pensava dá-se um jeito. Todos são banguelas mesmo, ela vai usar uma prótese e tudo bem. Ele não era banguela. Feinha morria de vergonha dos seus sentimentos. Ela não queria usar prótese. Pedia ao bom Deus para que seus dentinhos não se estragassem mais. Ela comia pouco doce para não perder os outros dentes. Sofreu muito a dor do amor. Ela achava que ele iria desprezá-la quando uma mais bonita caísse em cima dele. E deu no pé.
Com o tempo as coisas foram melhorando. Apareceu-lhe a fada dos dentes e fez com que as manchas dos dentes desaparecessem, porque Feinha era boa menina. Mais alguns anos, como a menina permanecia educada e benfazeja, a Fada dos Dentes lhe concedeu outro desejo. A correção dos dentes de Feinha. Ninguém entendia como acontecia. Ela amanheceu com seus dentinhos bem arrumadinhos na boca.
Feinha foi deixando de ser Feinha e se transformando em princesinha. Ganhou coragem e aceitou ser esposa de um rapaz bonito, inteligente, educado e trabalhador. Tiveram lindos filhos. Após alguns anos de vida matrimonial, Feinha descobriu que não era filha de gnomos, mas da Virgem Maria, a mãe de Jesus. Ela era sua fada.
Se você quiser saber como era Feinha, é fácil. Coloque-se de frente do espelho. Por dentro da boca era feinha, mas dentro do seu coração morava uma criancinha bela como você!