O Forasteiro

Na metade do caminho da minha vida

Me encontrei em uma selva escura

E a minha vida já não mais seguia o caminho certo

Não. Não estas enganado.

Eu sei o que pensou.

Pois o Inferno de Dante

Também assim começou

Que me desculpem os conservadores

A comédia não pretendo copiar

Mas é assim que toda história

Deveria começar

Não vos acostume mal

Com três versos comecei

Mas de quatro em quatro

Até o fim prosseguirei

Sobre meu misterioso paradeiro

De Dante não sou diferente

Numa estrada escura nos descobrimos

Quase que de repente.

Para que eu possa começar

Deixaremos Dante de lado

Para que no fim deste poema

Minha história eu tenha contado

Eu não sou Xerazade

Para sua atenção prender

Mas se ouvir atentamente

Não vai se arrepender

Não repare em minhas pobres rimas

Pois poeta eu não sou

Embora esse poema

Seja tudo o que restou

Mas antes, perdoe os meus modos.

Esqueci de se apresentar

Me chame de Forasteiro

Se não se importar

Nessa estrada escura e horripilante

A qual de tão súbito me encontrei

Sempre em frente e sem pensar

Com medo caminhei.

Em meio os galhos secos e terra molhada

Me encontro amargurado

Pensando no que procuro

Sem um dia ter encontrado

Eis que me encontro caminhando

Através de uma escuridão brutal

Meus pés afundando

Em um agonizante lamaçal

Enquanto caminho sem rumo

Eis que ouço um farfalhar

De dentro de um arbusto

Há algo a me olhar

Meus olhos se adaptam a escuridão

Enquanto começa a minha aventura

O que veja a minha frente?

Uma velha com ferradura?

Oh estranho forasteiro

O que fazes contra o vento?

Pois nesse marasmo nada me resta

Senão o eterno relento

Há muito aqui estou, diz a velha

E lhe pergunto o que um dia há de perguntar

Nessa longa e dura estrada

Onde seus pés planejam te levar?

Ainda assustado pela súbita aparição

Tento em vão me recompor

Com medo e desconfiado

Peço a velha um favor

Senhora minha Senhora

Não sei onde estou

Poderia me ajudar?

Sua ajuda é o que me restou

Óh Forasteiro

A que devo tal visita?

Não me chame de Senhora

E sim madame ou senhorita

Nessa estrada eu apareci

Tão repente quanto a vida

Me pergunto se não sabes

Onde fica a saída?

Ói, de saída eu nunca soube

Nunca ouvi nem falar

Se quiseres sair

Terá de encontrar

Calma lá. Antes que parta

Há algo que não lhe contei.

No final dessa estrada

Há algo que só eu sei

Então me conte Senhora

Digo, Senhorita

É a força do hábito

Que isso não se repita

É claro que direi

Para isso que aqui estou

Mas antes pedirei

Sua beleza meu Senhor

Minha beleza é o queres?

Para um segredo me contar?

Tudo bem, não fará falta.

Vamos lá pode falar.

E então num ato mágico

Transferi minha beleza

Como? Não importa

Como fiz essa proeza.

Obrigado Forasteiro

Bela agora sou,

No fim dessa estrada se encontra

Aquilo que tanto procurou

Aquilo que tanto procurei?

Como há de saber?

“Talvez seja uma bruxa”,

Tudo bem, não precisa dizer.

Já que feio agora estou

Preciso prosseguir

Então me diga o caminho

Antes deu partir

Siga adiante,

Sempre adiante e em diante.

E quando já estiver distante

Siga adiante.

E como a velha disse

Assim o fiz

Sempre em diante e adiante

Sem Virgílio nem Beatriz

Velha astuta

Roubou minha beleza

Em troca de um conselho

Que não tenho nem certeza

Não sei quanto caminhei

Por esse caminho derradeiro

Talvez um dia ou uma semana

Ou será um ano inteiro?

Por anos segui em frente

Sempre só e sozinho

Até que vejo algo

Bem no meio do caminho

Quem vem a frente?

É o que eu falo

Vejo apenas dentes brancos

O que é isso? Um cavalo?!

Cavalo não, por favor.

Tenha mais compaixão

Me chame de Belgrado

O Grande Garanhão

Antes que me ofenda outra vez – Diz o cavalo

Permita-me lhe perguntar

Como é o costume aqui fazer

Não posso deixar passar

Oh estranho forasteiro

O que fazes contra o vento?

Pois nesse marasmo nada me resta

Senão o eterno relento

Há muito aqui estou

E lhe pergunto o que um dia há de perguntar

Nessa longa e dura estrada

Onde seus pés planejam te levar?

Há muito tenho caminhado – digo

Desde que nessa estrada parei

Ainda procuro uma resposta

Me desculpe, ainda não sei.

Talvez eu possa lhe ajudar

Não precisa de receio

Mas em troca da ofensa

Como podes ser tão feio?

Bonito eu já fui

Invejava até um espelho

Porém a beleza perdi

Para a velha e um conselho

Velha astuta

Há muito a encontrei

Tirastes minha ferradura

Há quanto tempo? Já nem sei.

Ao chama-lo de cavalo

Perdoe-me se o ofendi

Então permita-me um elogio

Tens os mais belos dentes que já vi

Emendando essa prosa

Meu caro Belgrado

Poderia me ajudar

Já que estás aí parado?

Ajudar? Claro que posso

O que queres? Pode dizer?

Ande. Diga logo

Antes que comece a chover

Procuro o fim da estrada

A qual caminho sempre em frente

Pergunto-me se não sabes

O fim desse caminho deprimente?

Sei, Sei.

Há muito tenho falado

Pois o fim dessa estrada

Eu já havia encontrado

Mas tudo tem um preço.

Se quiseres saber para onde prosseguir

Sua força é o que desejo

Claro. Se consentir.

Óh, nobre Belgrado

Já não sou mais belo

E ainda queres a força

Desse caminhante singelo?

Essa é minha oferta

Se quiseres seguir

Sua força eu espero

Senão vá. Pode sumir.

Tudo bem, Tudo bem

Minha força agora é sua

Fraco e feio serei agora

Caminhando nessa rua

E então num ato mágico

Minha força eu transferi

Ao cavalo de dentes brancos

Mais curioso que já vi

Forte agora estou

Muito, muito obrigado

Não vai se arrepender

De negociar com Belgrado

Então me diga logo

Pois já me sinto fraco

Imagino que agora

Eu não aguente nenhum saco

Vou dizer, Vou dizer

Então preste atenção

Nas próximas palavras

De Belgrado o Garanhão:

Siga adiante,

Sempre adiante e em diante.

E quando já estiver distante

Siga adiante.

E como o cavalo disse

Assim o fiz

Sempre adiante e em diante

Sem Virgilio nem Beatriz

Feio, fraco e cansado

Por muito tempo eu andei

Quanto precisamente

Ah, já nem sei.

Sinto uma leve brisa

E logo começa uma garoa

E então vejo uma silhueta

O que é isso? Uma Coroa?

A minha frente surge uma forma

Tão repente estranheza

Pergunto-me internamente

A que devo a tamanha nobreza?

Um rei se põe a minha frente

Velho e enfraquecido

Sua boca já sem dentes

Já não é o homem que havia sido

Oh estranho forasteiro

O que fazes contra o vento?

Pois nesse marasmo nada me resta

Senão o eterno relento

Há muito aqui estou, diz o rei

E lhe pergunto o que um dia há de perguntar

Nessa longa e dura estrada

Onde seus pés planejam te levar?

Óh Vossa graça, perdoe os meus modos.

Como posso me apresentar?

Minha força Belgrado tirou

E já não posso me ajoelhar

Cavalo Astuto

Há muito, meus dentes tirou.

Minha espada quebrada de metal fajuto

É uma pena! É o que me restou.

Nobre Rei. Sinto muito sua perda

Mas se é que posso lhe consolar

Voz mais bela que a sua

Nunca ouvi nem falar.

O que procuras e pra onde vai?

É a pergunta que faço

Responda-me com clareza

Ou corto-lhe um braço

Oh Vossa Graça

Quem dera eu saber

Só sei que procuro algo

Sem nem mesmo conhecer

Quando dei por mim

Já estava nessa estrada

Estou longe do fim

Mas a esperança não acaba

És muito educado

Tanto quando humilde – Diz o rei

Humildade foi o que a muito busquei

Quando essa mesma estrada peregrinei

Se puderes me ajudar - digo

Talvez eu possa encontrar

O que tanto procuro

Basta Sua majestade me guiar.

Guiar eu posso

Com todo prazer

Desde que sua humildade

Passe a me pertencer

Oh rei, Já não sou belo tão quanto forte

Pois a beleza e a força perdi nessa floresta

Agora queres minha humildade

Sendo tudo o que me resta?

Essa é minha oferta

Nada mais posso fazer

O caminho ou a espada

Cabe a você escolher

Já que é assim

Leve minha humildade

Mas antes eu lhe digo

Que isso é maldade

E então num ato mágico

Transferi ao rei minha humildade

Como? Não importa

Mas foi assim. É verdade.

Eis que agora humilde sou

E rei já não preciso ser.

Obrigado forasteiro

Seu caminho agora vou dizer

Siga adiante,

Sempre adiante e em diante.

E quando já estiver distante

Siga adiante.

E como o rei disse

Assim o fiz

Sempre adiante e em diante

Sem Virgilio nem Beatriz

Rei maldito

Roubou minha humildade

Em troca de conselhos

De nenhuma validade

Feio, fraco e desumilde

Perdido em minha mente

O que vejo agora?

Um pássaro na minha frente.

Oh estranho forasteiro

O que fazes contra o vento?

Pois nesse marasmo nada resta

Senão o eterno relento

Há muito aqui estou, diz o pássaro

E lhe pergunto o que um dia há de perguntar

Nessa longa e dura estrada

Onde seus pés planejam te levar?

Venho de longe

Caminhando sem parar

Pergunto-me o porquê

Não ouvi seu gorjear

Estou velho forasteiro

E já não canto como cantei

Minha casa é esse arbusto

Há quanto tempo, já nem sei

Procuro algo que só sei

Nunca vi nem senti

Quando perguntei ao rei

Minha humildade perdi

Rei traiçoeiro

Foi quem tirastes meu canto

Agora tem uma voz doce

E eu? Já nem pranto.

Nobre Pássaro. Sinto muito sua perda

Mas se é que posso lhe consolar

Jamais vi penas mais coloridas

E mais delicadas que a sua não há.

Pra onde devo ir

Se é que pode me aconselhar

Qual caminho seguir?

Se é que posso perguntar

Por toda essa floresta

Eis que já voei

Pois sou um pássaro com asas

E seu caminho só eu sei

Essa história já conheço

E tempo não vou perder

Diga logo o que queres

Já me arrependi de te conhecer

Calma lá Calma lá

Meu canto já perdi

Porém rima como a tua

Creio que jamais vi

Queres minha rima?

É o tudo o que me resta

Tudo bem, pode levar

O que procuro estou prestes a encontrar!

Então, num ato mágico

Transferi minha rima.

Como termino esse verso agora?

Com a palavra prima?

Obrigado forasteiro

Agora já posso rimar

Então preste atenção

Seu caminho vou falar

Siga adiante,

Sempre adiante e em diante.

E quando já estiver distante

Siga adiante.

E como o pássaro disse

Assim o fiz

Sempre adiante e em diante

Sem Virgílio nem Beatriz

Pássaro maldito

Roubou minha rima

É agora meu caro

Que o fim se aproxima

Feio, fraco, sem humildade e sem rima voltei a caminhar por anos e anos até que encontrei um Girassol preto e branco, bem no meio da estrada.

Não é preciso nem dizer o que ele me perguntou:

Oh estranho forasteiro

O que fazes contra o vento?

Pois nesse marasmo nada resta

Senão o eterno relento

Há muito aqui estou, diz o Girassol

E lhe pergunto o que um dia há de perguntar

Nessa longa e dura estrada

Onde seus pés planejam te levar?

Perdoe-me Girassol. O pássaro tirou minha rima e não posso te responder a altura.

Pássaro astuto

Também te enganou

Foi o mesmo que ele fez

Quando roubou minha cor

Sinto-me cansado, feio, fraco e sem humildade. Até já perdi minha rima. Mas planejo seguir em frente. Há muito tenho caminhado, mas nunca encontrei o caminho. Parece que todos tentam me enganar.

O caminho é o que procuras?

Deveria ter dito antes

Pois isso eu já sabia

E não sou nenhum farsante.

Poderia me ajudar? Mas o que queres em troca?

Nessa estrada escura

Nunca vi o sol

O que preciso é de esperança

Pois sou um girassol

Já cansei dessa história. Não vou nem discutir. Pegue minha esperança. Se é que vai lhe servir.

Então transferi minha esperança ao girassol num ato mágico que não precisa de detalhes.

Obrigado forasteiro

Pela sua esperança

O Sol agora espero

Com muita perseverança

Seu caminho vou dizer

Antes do amanhecer

Então preste atenção

No Girassol mais esperançoso que foi conhecer.

Siga adiante,

Sempre adiante e em diante.

E quando já estiver distante

Siga adiante.

E assim o fiz. Sempre adiante em Diante, sem Virgílio nem Beatriz.

Porém dessa vez algo estranho aconteceu. A cada passo que eu dava percebi que nunca encontraria o caminho certo, pois minha esperança eu havia perdido.

Desanimado e abatido me pus a descansar na eterna estrada, embaixo do luar.

O tempo passou e nunca mais caminhei, pois não tinha força para seguir em frente. Não tinha esperança de encontrar o caminho. Eu sequer sabia o que procurava. E se um dia encontrasse, de que me adiantaria já que sou feio, fraco e sem humildade.

Durante anos fiquei ali meditando minha história. Sempre sozinho na estrada escura da vida.

Anos se passaram. Séculos talvez. Foram tantos anos quanto eu sou capaz de contar. Minha memória, já envelhecida, já havia esquecido quase tudo e eu já não lembrava a ultima vez que havia ouvido uma rima.

Até que em um dia como outro qualquer ouvi um farfalhar de folhas e galhos velhos seguido de passos cautelosos vindo em minha direção na floresta.

Então vejo uma bela moça caminhando entre as folhas. E como num ato mágico que não precisa de detalhes eis eu já sabia o que fazer.

Foi então que em um súbito lampejo.

Ao lembrar-me de uma antiga poesia.

Quando me dei por mim.

Eis o que eu dizia:

Oh estranha forasteira

O que fazes contra o vento?

Pois nesse marasmo nada me resta

Senão o eterno relento

Há muito aqui estou

E lhe pergunto o que um dia há de perguntar

Nessa longa e dura estrada

Onde seus pés planejam te levar?

Raphael Garcia

R Garcia
Enviado por R Garcia em 13/10/2014
Reeditado em 16/11/2014
Código do texto: T4997767
Classificação de conteúdo: seguro
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