Geadagem?

Os casaquinhos de flanela minoravam nosso frio. Mas o que nos abrasava a imaginação eram as histórias de tia Vicentina, tecelã, que costumava nos pagear pela noutinha, até que papai ou mamãe regressagem do segundo turno da fábrica.

E tia Vicentina centrava seus relatos na infância vivida no tempo e na povoação da Onça - outrora de denominação mais pomposa, cativante até - Jaguaruna - que não sei por que cargas d´água, se destupinizara, assumindo o formato português. A Onça ficava a légua e meia de nosso Brumado, povoado que se formara em torno da fábrica de tecidos, mais conhecida como a companhia, ou mais popularmente, a fapa.

O capítulo das geadas, contado, cantado e requentado, coincidia com os meses em que o frio mais apertava, e fogueira pra todo lado pipocava. Tia Vicentina até gostava de ser interrompida com nossas perguntas e nunca saía do seu script.

E o bom mesmo vinha quando ela saía da dureza da vida de seus passados invernos e botava o prato d´água na soleira da janela do quarto, pra acordar no dia seguinte e poder contemplar aquele conteúdo empedrado, durinho, que era a materialização da geada.

Que não acontecia igual todos os anos, mas quando vinha, além de "queimar" as plantas e dizimar a criação, ao menos deixava o benefício de um gelinho pra meninada se divertir, e chupando ir, a sorrir. Pouco importava se não tinha gosto, tal a raridade da cristalização, em tempo e lugar em que geladeira não se podia nem imaginar.

Mas geada como tia Vicentina contava, por que é que pra nós nunca

chegava?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 28/09/2014
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