BILUCA E O SABIÁ ESPERTO

Biluca, cãozinho pequeno, mas guardião do quintal de Dona Amália, era manso e meigo, mas se precisasse defender sua dona ou seus domínios, o fazia com valentia e com a inteligência dos limites do instinto.

Tinha, entretanto, um inimigo muito esperto, talvez até mais esperto que ele, e com uma grande vantagem, voava . Tratava-se de um sabiá, sim um sabiá, que se encantara com o prato onde a senhora colocava a ração de Biluca, e não era exatamente pelo prato, claro.

Todo dia ao amanhecer os dois travavam uma curiosa batalha. A ave voava da goiabeira carregada de frutos, que desprezava, para o muro da casa e esperava a hora em que Biluca se distraía ou tirava uma soneca, e quando se percebia fora de perigo, pousava sobre a comida dele e fazia a festa, isso até a hora em que ele a notava, pois Biluca, furioso com o ataque daquele ousado ladrão alado, latindo o expulsava saltando para alcançá-lo em voo e mantinha-se de olho no inimigo, que retornara ao muro aguardando uma nova chance. Era realmente uma silenciosa disputa, já que o sabiá não desistia facilmente

Naquela manhã ele, pousado na goiabeira, já não suportando o desejo de se alimentar daquela diferente mistura de trigo e carne, que até tinha algo a ver com o vegetariano que era, precisava encontrar um jeito de desviar a atenção do cãozinho, e pensava:

... Como faço para que esse peludo se afaste o bastante para que eu possa pousar e fazer minha refeição? – e virava a cabeça de um lado para o outro como se estivesse mesmo imaginando um jeito de enganá-lo.

Biluca era um cachorrinho muito mimado e D. Amalia, algumas vezes dava-lhe pedaços da fruta que estivesse comendo. Ele lambia os lábios e até o nariz de satisfação. Gostava de frutas, mas nunca havia provado uma goiaba. Naquela manhã, quando sua dona lhe servia um pedaço da banana que comia, o sabiá esticando o pescoço observava:

... Ah! Já sei! Ele gosta de fruta, né? Como eu experimentei a comida dele e gostei . Quem sabe ele também não gostaria de experimentar da minha? ré ré ré – sorria pensando.

E resolveu que derrubaria uma goiaba para ver se ele se interessava, e não podia ser muito perto dele, nem muito madura nem pequena. Ele tinha que perder algum tempo para conseguir alcançá-la, parti-la e comê-la, enquanto ele pousava em seu prato, afinal já não estava roubando, mas trocando simplesmente.

Ladino que era esperou quando a senhora entrou em casa, cortou bicando a pequena alça que prendia a maior goiaba não muito madura que encontrara, prendeu-a pelo bico alçou voo e largou-a a uma boa distancia do cão que montava guarda ao seu prato de ração.

Biluca ouvindo o ruído do estalo da goiaba ao bater ao chão levantou as orelhas e o focinho sentindo aquele irresistível perfume, localizou a fruta, foi prova-la, e quando o sabiá se preparava para atacar sua ração, teve a triste surpresa de vê-lo voltar trazendo-a na boca para saboreá-la ao lado do seu prato, e falando a si mesmo:

- Ele parece que não sabe que sou um cão e não um burro, ré, ré, ré.

Para decepção do sabiá, seu plano falhara.

Nunca se deve subestimar um oponente julgando-se mais esperto, pois quando se trata de uma disputa, cada qual encontra seus próprios meios de se defender.

(Registro número 299.511 - livro 544 - folha 171 do Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional)

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 21/05/2014
Reeditado em 19/11/2020
Código do texto: T4815118
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