O feitiço da língua
Há muito tempo atrás havia um lavrador, bem pobre e órfão que cultiva suas pequenas terras ao lado da floresta. Ele era muito humilde e trabalhador. Tudo que plantava vendia no vilarejo e aquilo garantia seu sustento.
Enquanto trabalhava sob um sol muito forte o lavrador ouviu um canto vindo da floresta. Era um canto divino, maravilhoso. Curioso ele deixou sua enxada e percorreu a floresta procurando de onde vinha aquela voz encantadora. E depois de andar quase meia hora viu em cima de uma pedra enorme uma jovem que escovava seus longos cabelos cantando. Era dela aquela voz harmoniosa. O lavrador então se sentou perto da pedra e ficou admirando a jovem que quando o viu se assustou e fugiu. O lavrador tentou alcança-la mas ela havia desaparecido como mágica.
A partir daí todos os dias no mesmo horário o lavrador ouvia a jovem cantar. Ele sempre tentava chegar perto dela mas ela desaparecia. Com o tempo aquilo ficou uma rotina e um já esperava pelo outro. A jovem aos poucos foi cedendo a insistência do lavrador. Agora ela já conversava com ele e sorria para o rapaz. Mas nunca lhe falava nada de sua vida. O lavrador não sabia onde ela morava, de onde vinha... Ao contrário da moça que ouviu ele falar de toda sua vida.
Um dia a moça cantando esperava pelo lavrador, mas ele não veio. No outro dia também não... No terceiro dia ela começou a se preocupar e no quarto dia saiu em busca do admirador. Caminhou até a sua cabana e o encontrou tremendo de febre enrolado em um velho cobertor. A moça com muita pena e muito amor cuidou do rapaz, lhe deu água e lhe fez uma sopa. Depois saiu e voltou com ervas estranhas e lhe fez uma poção. O lavrador em poucos minutos recuperou a saúde como por milagre.
A moça então naquele dia se declarou ao lavrador e ele fez o mesmo. O rapaz explodia de felicidade em ver que seu amor era retribuído, mas a jovem começou a chorar. Ela lhe disse que aquilo seria um amor impossível já que ela era a filha da feiticeira da floresta. O rapaz então entendeu tudo... Os sumiços, a voz encantadora, a música... Mas ele disse que enfrentaria a mãe da jovem.
Dias depois armado com toda sua coragem o lavrador procurou a feiticeira. O homem se assustou pois a feiticeira era tão bela quanto sua filha. Ele que esperava uma velha bruxa foi surpreendido. Ela o recebeu mal e proibiu a filha de se casar com o lavrador. Expulsou o jovem de sua casa e jogando um feitiço sob a floresta impediu o rapaz de voltar lá.
Como uma prisão sem muro os enamorados se viam de longe, mantendo forte aquele amor. A jovem então numa atitude drástica roubou o livro de encantados da mãe e conseguiu quebrar o feitiço. Fugiu de casa e foi viver com o lavrador.
A feiticeira com muito ódio no coração nada pode fazer porque nenhum feitiço é maior que o amor verdadeiro.
Os anos se passaram e o casal teve uma linda filha que batizaram de Luar. A menina era linda e educada. Um dia a feiticeira resolveu visitá-los. Pediu perdão aos dois e o casal aceitou as desculpas da mulher. Ela passou a frequentar a casa, todos os dias ia visitar a filha e a neta.
Com o passar do tempo a feiticeira começou a ganhar novamente a confiança da filha e sem esta saber a mulher começou a colocar gotas de uma poção em sua comida. A jovem esposa do lavrador começou a mudar... Começou a ficar ranzinza, começou a reclamar daquela pobreza. O lavrador sem entender tentava fazer as vontades da mulher. Mas ela reclamava de tudo. A felicidade naquela cabana virou um tormento. O lavrador sofria, Luar sofria ao verem a filha da feiticeira sempre de mau humor. E como ela falava mal de tudo... Tudo que o marido fazia era ruim, era pouco, era desprezível.
O homem vivia agora cabisbaixo trabalhava até a noite pra tentar agradar sua esposa mas ela só falava mal. Um dia ela lhe deixou um bilhete dizendo que estava na casa da mãe com a filha e não voltaria mais.
A feiticeira então não se aguentava mais de felicidade, mas o lavrador ainda insistia em ter sua família de volta. A menina chorava de saudades do pai, mas a mãe continuava a reclamar dele. Para que a neta não fugisse a trancou no sótão da casa e continuava a envenenar a filha com aquela poção.
O lavrador todos os dias tentava chegar perto da casa da feiticeira mas ela e sua esposa o expulsavam todas as vezes. Ele então implorou para ver a filha nem que fosse de longe. Mas elas foram taxativas e não deixaram.
Todas as noites o lavrador ouvia o choro de Luar e aquilo cortava seu coração. Não aguentando mais a proibição imposta pela feiticeira ousou a ver a filha. Em uma madrugada ele escalou o telhado da casa e entrou no sótão. A menina chorou de felicidade, e mesmo pedindo que a filha ficasse em silêncio a feiticeira percebeu que havia algo errado e subiu furiosa ao sótão.
Ao ver o lavrador ela invocou uma tormenta e lançou um raio contra o homem que despencou lá de cima. A filha da feiticeira ao ver o seu marido caído e quase morto no chão, vomitou um líquido verde e de um cheiro insuportável... E por muitos minutos passou mal vomitando ou cuspindo toda aquela poção que a mãe lhe dera. Fraca demais para continuar em pé caiu ao lado do marido.
Os olhos dos apaixonados voltaram a brilhar e suas mãos se encontraram. Naquele momento a filha da feiticeira entendera que nunca o havia deixado de amar... Viu o líquido que vomitara e sabia que aquilo fora obra da mãe.
Ao ver os dois quase mortos a feiticeira se desesperou com a neta nos braços viu o ódio nos olhos da menina. Aquilo lhe feriu como nunca. A menina arranhou seu rosto e esperneando correu até seus pais que esta hora já estavam quase mortos. A menina com ódio da avó gritava que a odiava.
A feiticeira num ato de desespero lhes revelou que havia colocado na filha o feitiço da língua. Um feitiço que fazia o ódio vir com as palavras. Que todas as palavras ruins, todas as reclamações causavam o desamor. A família então entendeu o quão poderoso era o feitiço.
Luar então deitou também perto dos pais e segurando em suas mãos que estavam com os dedos entrelaçados. Com muita raiva da avó ela disse palavras cruéis... E aquilo machucava a feiticeira. Agora o seu feitiço havia se voltado contra ela e mesmo sem ter tomado a poção do feitiço da língua Luar pragueja num ódio crescente que a feiticeira viu as atitudes e palavras da própria filha na neta. O que a sua filha dizia ao marido, agora sua neta dizia a ela.
E as portas da morte o casal pedia a filha pra não praguejar contra a avó. Imploravam que Luar a perdoasse. Mas a menina não aceitava. Então a Feiticeira fez o que ninguém imaginava. Invocou toda sua força e um redemoinho surgiu. Todos foram levados pelo vento.
Muito tempo se passou e naquela floresta ninguém mais ouviu falar da feiticeira... De sua filha... Ou de sua neta. Apenas viam uma família feliz perto da entrada da floresta. Um lavrador que cultivava suas pequenas terras, sua esposa dedicada no serviço doméstico, uma bela menininha brincando sempre por perto da casa e aquela velhinha na cadeira de balanço... Uma velhinha inofensiva e fraca, com a pele toda enrugada, cabelos brancos ralos presos num coque, banguela e com as mãos muito trêmulas mas que parecia ser amada por todos.
Dizem que naquela casa nunca mais houveram palavras de desamor por isso eram tão felizes...