A ESTRELINHA DE BELÉM
Um grande evento estava para acontecer. Algo muito importante, que iria ser lembrado pelos séculos afora. Coisa assim tão importante teria de ser anunciada e avisada com pompa. Sinais e mensagens deveriam ser enviados aos quatro cantos do mundo.
Deus chama o Anjo Astrogildo e diz:
— Anjo Astrogildo, desejo que o nascimento de meu Filho seja divulgado no mundo inteiro. Imagine uma maneira de anunciar o evento de maneira que todos saibam. Que ninguém, mais tarde, apresente aquela desculpa esfarrapada “...eu não sabia”.
O Anjo Astrogildo deu tratos à bola e pensou:
“Somente o aparecimento de um astro muito brilhante nos céus poderá chamar a atenção de todos os habitantes da Terra.
Sem piscar duas vezes, o eficiente ajudante do Senhor chamou o Sol para uma entrevista. Depois de colocar o Astro-Rei a par da situação, o Anjo Astrogildo pediu a ajuda do brilhante e quente astro.
— Mas, como, Anjo Astrogildo? Não posso sair por um momento de minha posição. Não devo descuidar da minha responsabilidade, pois se ficar dias e noites no céu, haverá uma grande catástrofe. As águas secarão, as terras queimarão, será o fim do mundo.
O Anjo Astrogildo teve de concordar com as desculpas do Sol, que o impossibilitavam de ser o emissário da Boa-Nova, do Nascimento do Filho de Deus. Chamou em seguida a Lua, à qual fez a mesma explicação e pediu ajuda.
— Eu também não posso arredar o pé da minha posição. As marés, as fases da lua, são coisas que dependem de minha presença no céu numa posição determinada. Não posso abandonar meu posto. Também a minha luz, que serve de inspiração aos artistas, poetas, escritores, músicos, não pode ser dissipada além de minhas fases definidas. Não posso aceitar essa incumbência.
Mais uma vez, o Anjo Astrogildo teve de concordar com as ponderações e as recusas do astro convidado. Passou, então, a convidar outros astros, mais distantes da Terra: as Três Marias, a Estrela Polar, a constelação do Cruzeiro do Sul. Todas se recusaram, e suas negativas foram validadas por explicações: não podiam se abalar de suas posições, com o risco de desorganizar a orientação dos navegantes, dos estudiosos, dos astrólogos.
O Anjo Astrogildo compreendeu a situação de todos os convidados, aceitou as ponderações. Estava a ponto de ele também se desculpar da tarefa junto ao Senhor Deus, quando viu uma pequena luz lá no fundo do Universo, tão fraquinha, tão vacilante! Nem era um astro, nem asteróide, nem sol. Era apenas um cometa, um simples e modesto rastro de luz que viajava aleatoriamente entre as imensas galáxias.
Chamou o pequeno cometa, com o qual dialogou.
— Mas... quem sou eu, com essa luzinha fraca, essa cauda que se desmancha no céu? Nem tenho brilho próprio, sou iluminado pelo astro em cuja proximidade me encontro.
— Isto se resolve. Posso torná-lo um astro de primeira grandeza, se você quiser ser o arauto da Boa Nova, da notícia do Nascimento do Filho de Deus.
— Se acha que posso servir, tá bom. Estou às ordens.
Então surgiu, há mais de dois mil anos, um novo astro nos céus. Uma estrela com cauda, tão brilhante como nunca havia sido visto antes. E os habitantes da Terra souberam que algo muito importante estava para acontecer.
Aparecendo no Oriente, a estrela anunciou o Evento Maior aos três reis — Baltasar, Melquíades e Melchior — que se puseram imediatamente a caminho, para visitar o Filho de Deus que estava para nascer. A estrela apareceu também para os pastores, nos arredores de uma pequena aldeia.
— Vejam, a estrela está anunciando! Vamos limpar a gruta, pois ela será usada. — Sem saberem o que estavam realmente fazendo, os pastores puseram-se a varrer e a limpar a gruta, capinando ao seu redor, preparando uma caminha de capim seco e macio.
José e Maria viram a estrela e seguiram-na. Sabiam que ela os guiaria para o local determinado pelo Senhor.
Em Roma e em Jerusalém os governantes tiveram notícias da estrela e os magos informaram que ela avisava a vinda do Rei dos Reis. Colocaram-se em prontidão e maquiavélicas articulações tiveram início, a fim de eliminar um futuro concorrente aos tronos imperiais.
No momento certo, a estrela se postou acima da gruta. Lá dentro, Maria deu à luz ao Menino, assistida por José e pelos pastores. Os animais das redondezas se postaram à porta da gruta e um galo subiu até o topo, cocoricando.
Aquele instante foi de êxtase e alegria indescritíveis. Arco-íris brilharam do Ocidente ao Oriente, auroras boreais se desdobraram em cortinas multicoloridas. Sons maravilhosos se ouviram, enchendo os espaços: milhares de anjos cantavam a chegada do Menino-Deus. Pastores e seus animais de extasiaram diante da feérica manifestação de louvor e júbilo.
A estrela permaneceu firme em sua posição. Um pouco assustada com tanta luz, cor, música. Mas ficou lá. Não tinha terminado sua missão. Sinalizou, por mais alguns dias, a situação da Gruta, até que os Três Reis, mágicos orientais, chegaram para adorar o Menino.
Após a adoração dos Reis, ela, antes um insignificante cometa, era a estrela mais importante a partir daquele momento, ficou sendo conhecida, para sempre, como a Estrela de Belém.
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ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 24 de dezembro de 2001.
CONTO # 135 DA SÉRIE MILISTÓRIAS