O BURRINHO QUE NÃO ERA BURRO

Foi há muito tempo, quando os animais falavam e todas as fantasias eram realidade. No final de cada ano havia a grande Reunião da Felicidade Universal. Nessa ocasião, todos os animais, todos os seres da fantasia, as fadas, as bruxas, os magos, os duendes, os gnomos, tinham um dia de confraternização.

Essa reunião acontecia pra lá da Terra do Nunca, muito além do Reino da Fantasia, num lugar maravilhoso, de paz, de alegria, de harmonia, onde só reinava a felicidade. Todos os anos a grande planície se enchia, ficava lotada. Vinha bicho de tudo quanto era lugar, de todos os continentes e países do mundo, e até bichos da Imaginação, como dragões, centauros, minotauros, sereias, cavalos alados. Irmanados pela felicidade da ocasião, esqueciam-se de suas diferenças e desavenças, e punham-se a trocar idéias, experiências, narravam fatos de suas vidas.

Os habitantes da Terra do Nunca e todos os personagens das histórias imagináveis também compareciam. Moradores do Sítio do Pica-pau-amarelo apareciam e houve um ano em que levaram até o escritor das maravilhosas histórias de Emília, do Visconde e de toda a turma. O famoso Monteiro Lobato. Nos últimos tempos apareceram os Pokemons, alguns ETs, o corajoso Harry Porter e seus amigos. Era uma reunião imperdível.

Naquele ano, chovera demais. Os rios se avolumaram, as águas cresceram, os pântanos e brejos ficaram estufados de tanta água. E o Rio das Amazonas, que devia ser atravessado para chegar à planície onde se realizava a Reunião da Felicidade virou um dilúvio. Quando os bichos chegaram às margens, para atravessá-lo, encontraram grande dificuldade. Alguns passaram nadando, outros foram ajudados por jacarés e crocodilos, que se deixavam ser montados pelos bichos que não sabiam nadar.

O Leão, O Lobo e o Burrinho chegaram às margens do rio que espumava com fúria e tiveram que enfrentar o problema da travessia. O Leão, forte, orgulhoso, arrogante, julgando-se todo-poderoso, não teve dúvidas. Soltou um tremendo urro, que assustou o Lobo e o Burrinho, e se atirou no rio. A correnteza, porém, era fortíssima, muito mais forte que as suas patadas. O bravo animal lutou, lutou, inutilmente: foi arrastado pelas águas. Esquecendo-se de seu orgulho e de seu poder, começou a gritar, do meio do rio.

— Socorro! Socorro! Me acudam! Salvem o seu rei! Grrraauuuu...

No alto, por entre as nuvens, passava, naquele momento, uma Fênix. Ave legendária, maravilhosa e mágica, capaz de ressurgir das próprias cinzas, ouvindo os berros apavorados do Rei Leão, não teve um momento de vacilo. Desceu das alturas e,num vôo rasante, pegou o leão pelo rabo, prendeu-o em seu poderoso bico. Elevando-o pelos ares, deixou-o são e salvo na outra margem do rio.

Molhado, humilhado e espirrando, o leão mal teve tempo de agradecer à ave mitológica, antes que ela sumisse de novo no céu azul, voando em direção à planície, onde centenas de outros animais já se encontravam.

O Lobo Guará, muito tímido, foi se esgueirando pelas margens, pulando de uma pedra para outra, suas longas pernas firmando-se no fundo do leito do rio. Até que, numa corredeira mais forte, perdeu o pé, e lá se foi, rio abaixo, rumo a uma perigosa região de pedras e cachoeiras. Perdeu de vez a timidez e começou a latir, desesperado:

— Socorro! Me salvem! Au, au, auuuu!

Foi socorrido por um Boto, que alegremente saltava de um lado para o outro, dentro do rio. O Lobo agarrou-se como pôde nas costas lisas do Boto, que o deixou na margem. Tiritando de frio e de susto, ele agradeceu ao Boto e foi para a Planície.

O Burrinho viu que a coisa estava ruça. O perigo da correnteza era insuperável para ele, que, aliás, detestava água até numa simples poça. Aguardou com paciência por uma ajuda. Foi então que desceu das nuvens a carruagem do Papai Noel, o lindo trenó puxado por quatro renas.

— Elas precisam beber um pouco d’água e descansar. — Explicou o Velhinho ao Burrinho, enquanto as renas se punham alegremente a comer um pouco do capim, do qual o Burrinho já havia provado.

— O pasto aqui tá mesmo bom. Mas estou com um problema, Papai Noel. Tenho de atravessar o rio e não sei nadar. O senhor poderia me ajudar?

— Mas, como? Estou com meu trenó repleto de presentes, vou distribuí-los aos filhotinhos de animais e aos personagens-crianças. Se colocar você em cima, as renas não conseguem levantar o trenó, será peso demais para elas.

O Burro, que de burro não tinha nada, propôs ao Papai Noel:

— O senhor me atrela na frente, vou com as renas, posso até ajudar um pouco.

— Brilhante idéia para um burro!

Papai Noel não perdeu tempo. Tirou algumas cordas e um arreio e atrelou o burro junto às renas. Bem na frente de todas.

E assim partiram, voando por sobre o rio. O Burrinho sentiu-se maravilhado. Era gostoso demais voar. Tão gostoso que ele foi voando, com as renas, atrelado ao trenó, até à Planície, onde já estavam reunidos milhares de animais e personagens. A chegada do trenó foi uma apoteose. Um tanto pela esperada carga de presentes, outro tanto pelo inusitado conjunto de renas e o Burrinho, puxando a carruagem de Papai Noel.

O Burrinho não cabia em si de tanta felicidade. E antes mesmo de ser desatrelado, falou com Papai Noel:

— Me deixa fazer parte dessa turminha legal que puxa o seu trenó?

Papai Noel consentiu. E assim foi que o Burrinho que não era burro se transformou no ajudante de Papai Noel.

<><><>

Antônio Roque Gobbo

Belo Horizonte, 24 de dezembro de 2001

Conto # 134 DA Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 09/04/2014
Código do texto: T4762585
Classificação de conteúdo: seguro