O rei e a princesa Gabriela
Nota do autor - Baseado numa experiência pessoal, este conto
infantil pretende inverter as situações de país descobridor e descoberto
(Brasil e Portugal). A caravela da Princesa Gabriela parte de
Minas Gerais e, navegando à sorte, descobre a costa portuguesa, no
Algarve.
Num mundo fabuloso, existia um reino muito distante
e desconhecido chamado Mares Gerais. Tinha este nome
porque era uma grande ilha envolta pelo oceano, sem fronteiras
com outras terras, num grande isolamento.
Os habitantes de Mares Gerais acreditavam que nada
havia além dessa terra e o mar desabava numa grande cascata
no horizonte. E além disto, a cascata era próxima a uma
terra onde habitavam monstros e criaturas terríveis. Por isso,
ninguém propunha-se a navegar mais adiante. A cor do mar
era muito densa, de cor castanha escura, o que aumentava a
curiosidade de como seriam os peixes e o aspecto do fundo.
Todos queriam ver o fundo do mar, mas era impossível, infelizmente.
No palácio desse reino morava o rei e sua filha, a Princesa
Gabriela.
A bela princesa Gabriela passava horas estudando e
lendo livros interessantes sobre as estrelas, os mares, animais
e cidades do reino de Mares Gerais.
Um dia, conversando com o rei, disse-lhe:
– Meu pai, forneça-me uma caravela forte com alguns
marinheiros corajosos, e permita-me descobrir se há mais
terras distantes e belas.
E explicou da melhor forma porque não acreditava na
tal grande cascata, devido a estudos e observações que fazia.
Por alguns dias o rei ficou muito apreensivo, e conversando
com seus conselheiros, atendeu ao pedido de sua filha,
acreditando em sua coragem e na determinação de suas
palavras. Entretanto, fez-lhe jurar pelo seu retorno, pois a
amava.
Num dia de muito sol e vento a favor, a caravela da
Princesa Gabriela zarpou de Mares Gerais com sua fiel tripulação.
Uma multidão despediu-se, mesmo pensando que
ela estaria errada, temendo pela sua vida. O rei estava muito
triste naquele dia, pois não sabia quando veria a filha novamente.
O soberano abraçou-lhe esquecendo que era o monarca,
e como homem comum, amargurou-se. Esteve em silêncio
durante todo o tempo em que a caravela calmamente
dirigia-se ao horizonte. Mirava-lhe tentando registrar todas
as imagens, e uma desolação silenciosa desceu sobre si.
Finalmente, quando a caravela desapareceu na linha
do horizonte e não era mais possível vê-la, o rei retirou-se
do lugar onde estava e caminhou em direção contrária. A
única pessoa que viu naquele momento foi seu fiel conselheiro
e amigo Dom Wingos, que sempre o acompanhara
nos bons e maus momentos.
Longe do povo, o rei chorou juntamente com seu velho
companheiro durante um tempo que não soube definir.
O tempo nesses momentos da vida não há como ser medido.
A vida de todos precisava continuar e o rei voltou para
seu palácio e todos os dias governava. Sempre manteve-se
fiel à confiança de seu povo. Entretanto, não havia uma manhã
ou entardecer em que o rei não dirigiu seu pensamento
à filha que amava.
Em alto mar, em seu barco, a Princesa Gabriela fazia os
cálculos de navegação e seguia as correntes marítimas que
achava serem mais seguras. Muitos dias se passaram; noites
escuras e algumas tempestades acompanharam o trajeto que
a um destino final tencionava encontrar. Sentiu saudades de
seu pai, e seus olhos de princesa inspiraram um soneto que
um tripulante escreveu e ofereceu-lhe numa tarde tranquila:
“Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de cristal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;
Silvestres montes, ásperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.
E pois já me não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.
Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.”
Seis meses e nenhum sinal de terra. Alguns tripulantes
já manifestavam o desejo de voltar a Mares Gerais, mas a
fidelidade à princesa e ao seu rei falavam mais alto.
Em 22 de abril daquele ano, a caravela, em estado
muito precário, seguia adiante numa fria manhã. De repente,
viu-se o sobrevoar de algumas aves.
Um dos marinheiros disse em voz alta e respeitosa:
– Minha princesa, deve haver terra nas proximidades.
Vejo gaivotas a voarem.
Finalmente, terra à vista!
Uma alegria tomou conta de todos e deram graças à
inteligência e fé de sua alteza. Mares Gerais agora teria certeza
que não estava a sós no mundo. Restava desembarcar e
constatar se haviam novos moradores.
Num bote menor, uma comitiva, liderada pela Princesa
Gabriela, remou até terra firme.
Ao chegar foram avistados e bem recebidos por habitantes.
Eram homens que estavam na praia a cozer suas
redes de pesca e viviam do mar, daquilo que dele retiravam.
O local chamava-se Portalém.
A princesa anunciou-se e declarou sua amizade por
aquele povo dando informações do reino de seu pai. Os moradores
ficaram admirados, pois também viviam no desconhecimento
d´além-mar.
Toda a tripulação foi recebida na aldeia em grande alvoroço
e prontamente alimentada por um saboroso banquete,
como era natural daquele povo saber bem cozinhar.
Findo os festejos e troca de presentes entre sua alteza
e as autoridades do lugar, a princesa passou a conhecer
o local andando a pé e a cavalo, anotando em seu caderno
todas as características daquilo que via. Alguns meses se
passaram desta forma: investigando e descrevendo o que era
visto. Entretanto, era hora de cumprir com a promessa de
retornar ao reino de Mares Gerais, ao povo, e claro, ao seu
pai distante.
A princesa pediu ajuda no que se refere a material para
construir uma nova embarcação que os conduzisse de volta
a sua terra. Os moradores então lhe mostraram frondosas
árvores que delas poderiam extrair uma madeira muito
leve e resistente. Meses de construção e ajuda mútua foram
precisos para que a Princesa Gabriela, por fim, zarpasse de
Portalém.
O rei não tinha notícias há mais de um ano e continuava
a acreditar, apesar de sua saudade e tristeza, que teria
a filha de volta. Costumava ir à praia de onde a caravela
zarpou e olhava para o horizonte na tentativa de ver a nau
retornando. Voltava para seu palácio e despedia-se daque
le dia,
confiando no próximo. Numa daquelas noites o rei
dormiu e sonhou que voava sobre mares e lá de cima viu
o barco da princesa. Reconheceu-o pela bandeira hasteada
na popa e uma emoção enorme tomou-lhe. Ouviu a voz da
Princesa a dizer:
– Papai!
E ao seu lado, flutuando como bolhas de sabão, abraçaram-
se. Acordou de repente, com o rosto molhado pelas
lágrimas. Foi à janela de seu quarto e rezou pela sua filha e
sua valorosa tripulação.
O dia amanheceu. O rei, como normalmente fazia, ia à
rua ver e falar com o povo. As pessoas compartilhavam da
dor e sua saudade, e dirigiam-lhe palavras reconfortantes.
Durante uma dessas caminhadas, seu velho amigo
Dom Wingos chegou apressado e, quase sem pedir licença,
disse-lhe eufórico:
– Está uma multidão no cais a ver uma caravela que apareceu
no horizonte! Só pode ser ela! Venha ver, Majestade!
Chegando ao cais, o rei no meio de sua fiel multidão,
sacou de uma luneta, e mirando em direção a um ponto no
mar, suspendeu a respiração quando viu a bandeira de seu
reino tremulando.
– É ela!
Todos aqueles meses pareceram anos. O rei novamente
comovia-se e ouviu seu povo gritar:
– Viva a princesa! Viva a princesa Gabriela!
Para que o encontro se apressasse o rei determinou
uma embarcação que o levasse de encontro ao navio. E de
lá, a princesa também fez o mesmo. Encontraram-se em minutos
e durante um longo e silencioso abraço, momento em
que dois corações se aproximam, sorriram e riram entre lágrimas.
Algumas gotas do pranto choradas pelo rei e sua filha
Gabriela caíram ao mar. Naquele instante, todo o povo de
Mares Gerais foi testemunha de um milagre. Do ponto em
que o rei e a princesa se abraçavam, o mar gotejado pelas lágrimas
foi perdendo a cor escura castanha que tanto o caracterizava
tornando-se azul, de um cristalino jamais visto. Foi
então que puderam finalmente ver os peixes e adornos que
o fundo oferecia aos olhos. O mar tornara-se transparente
e estendeu-se até o horizonte desta cor azul, como eram os
olhos do monarca.
Em festa, o Rei e a Princesa foram recebidos e abraçados
por aqueles que os aguardavam. Dali em diante, permaneceram
sempre juntos.
Para Gabriela, minha filha.
Dalmir Lott Glória – Guanhães – MG
“Nascerão saudades de meu bem” – Luís Vaz de Camões