Caminhos da felicidade

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Loló é muito esperta, menininha sapeca. Adora inventar historinhas sobre o que aprende na escola. Novidade: está encantada com os numerais. Aprender a desenhá-los virou fascínio.

Já sabia cantar os numerais de um até dez. Enumerava-os num único suspiro, sem pestanejar. Era alguém perguntar e ouvir a resposta: “um-dois-três-quatro-cinco-seis-sete-oito-nove-dez!”. E lá surgia o trenzinho carreado de pueril emoção. Piuí, piuí. Tchuk, tchuk... Piuí, piuí. Tchuk, tchuk... Perguntavam novamente e lá vinha ele, o comboio decimal: “um-dois-três-quatro-cinco-seis-sete-oito-nove-dez!”. Os pais sorriam. A família se alegrava com as peraltices de Loló. Agora, ela os estava identificando, quantificando-os e percebendo as relações entre eles num processo lúdico encantador.

Na sexta-feira, após o final dos festejos carnavalescos, a professora Lalá passou tarefinha para os alunos:

– Vocês trarão na próxima segunda-feira os dez numerais, pintadinhos e bem lindos! Quero ver quem vai caprichar na letra e na escolha das cores! As cores dão sentido à vida e passam emoções que desconhecemos por causa da pressa. Pintem com amor, sem correria, estamos combinados turminha? Tenham todos um bom dia e divirtam-se em casa com os pais.

– Bom dia, tia! – disseram, felizes.

Loló preferia chamar a tia de professora, mas seguiu a carruagem dos coleguinhas. Fez parte do coro de vozes infantis e soltou um “Bom dia!” cheio de ternura para a tia. Afinal, as professoras merecem bons dias e dias bons, sempre!

Loló, radiante como a luz do dia, chega a casa:

– Mamãe, a professora passou tarefinha para mim. Dos numerais.

– Que legal! Vamos ver?

– Vamos, mamãe!

– Esse é o numeral “1”. Esse é o numeral “2”... E esse é o numeral “Zero”!

– Isso mesmo! Nossa, você aprendeu todos, direitinho! Parabéns!

– A professora pediu para pintar os numerais bem lindo, sabia? Agora sai, mamãe, que vou pintar sozinha...

– Está certo. Faça como a professora pediu e capriche.

Depois de alguns minutos a pequena se aproxima da mãe, toda feliz e, com ar de vencedora, mostra a tarefinha pronta – todos os numerais estavam pintadinhos.

– Por que você fez uma casinha ao lado de todos os numerais? A tia só pediu os numerais, filha!

– Ah, mamãe! Quando a gente nasce, e é pequena, a vida ainda é muito simples. É assim bem retinha, tem apenas uma dobrinha pequenina como o numeral “1”. Se estivermos em perigo, a gente foge e chega à casa dos pais, rapidinho! A felicidade das criancinhas está na casa dos pais, não está, mamãe?

– Claro que os pais devem proteger os filhos, meu amor! Por que outra casinha no numeral dois, bebê?

– Gente grande não entende nada! Depois, mamãe, a gente não vai crescendo, não é? Então aparece outra curvinha maior, bem grandona assim, ó! Vamos ficando longe de casa, mas ainda voltamos! Ficamos felizes e seguras. E assim continua no numeral “3”, no numeral “4”... Mais curvas, mais distante de casa, mas sempre reencontrando o caminho de volta e a felicidade no lar.

– Por que você não fez a casinha no numeral Zero, hein?

– Ih! O numeral zero atrapalhou tudo, não foi? Será que a gente quando cresce, mamãe, fica rodando, rodando, rodando... E nunca acha a casa dos pais? A gente deixa de ser feliz depois que cresce? Não quero crescer, não, mamãe... Quero ser para sempre criancinha, poder voltar para casa e encontrar a senhora para me proteger. A senhora, o papai, minha irmãzinha, a vovó, o vovô...

– Não é isso, meu amor! É que você olhou o numeral “Zero” bem de cima, lá do céu...

– Como assim?

– Na realidade, o Zero representa casinha de índios. Eles moram em casinhas circulares que chamamos de ocas. Se você olhar as ocas de cima, como se estivesse voando, vai ver que as casinhas formam um Zero, entendeu?

– É mesmo! Que legal, mamãe! Passou num desenho que os brancos mataram muitos índios. Os índios se pintam muito de vermelho, de preto... É tão legal quando ficam dançando. Tem muitas festas onde eles moram, tem? Por que se pintam tanto? Eles aprenderam com a senhora, foi?

– Eles respeitam a natureza e são muito felizes morando nas florestas. Eram mais felizes antes do contato com os brancos... Os índios, filhinha, têm a mesma simplicidade das criancinhas. Por isso permanecem nas cabanas. Para eles, a felicidade é eterna e está onde vivem a vida inteira. E a pintura nos corpos simbolizam ocasiões especiais: casamento, guerra, festa, homenagem?

– E guerra é especial, mamãe? Por que os homens brigam? E para brigarem precisam se pintar?

– E as casinhas, meu bebezinho, não merecem nenhuma pintura?

– Ah! Legal, mamãe! Vou pintar todas as casinhas que rodeiam o Zero de vermelho!

– A tia Lalá vai adorar a tarefinha que você fez, filha!

– E se a professora brigar comigo por causa das casinhas que eu fiz?

– Você conta pra ela a mesma historinha que contou pra mim. A tia Lalá vai amar ouvir, sabia?

– É “mermo”, né, mamãe! Vou pintar as casinhas e deixar a tarefa linda! Vou colorir a casinha do “1”; as duas casinhas do “2”... Quando chegar ao numeral zero eu chamo a senhora, tá! Você me ajuda, mamãe?

– Claro que ajudo! Tudo que você faz é lindo!

– Tá bom, mas agora pode sair, mamãe! Sabia que a senhora é branca? Quer ser pintada de vermelho, quer? Não pra brigar – quero homenagear a mãe mais linda do mundo!

Lágrimas...

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 12/05/2013
Código do texto: T4287683
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