A Feiticeira - reeditado
A menina prometeu à mãe que, se um dia a floresta onde viviam se transformasse em mar ela pediria, em sonhos, a sua feiticeira que a transformasse numa baleia a fim de visitar o mundo inteiro através do oceano e deixar, em cada praia, um filhote vigiando as ações dos homens. Um dia ela sonhou com Poseidon, o deus dos mares, que lhe disse “seu desejo foi atendido. Quando acordar, no lugar da floresta que se estende para além de sua casa, verá um imenso oceano.” Assim que despertou a menina pulou de sua cama e viu, de sua janela, o azul do mar e uma praia jogando sua onda até bem próximo de sua porta. Ela não via agora o momento de ir para cama e adormecer para acordar uma baleia no dia seguinte.
No entanto, a feiticeira, para realizar a vontade da menina exigiu-lhe duas condições. A primeira era que lhe entregasse o irmãozinho que estava para nascer nos próximos dias. E a segunda exigia dela o sacrifício de não mais voltar para casa nem ver os pais. A menina, mesmo contrariada, mas tomada de esperança de que seus objetivos iriam se concretizar aceitou a condições e foi imediatamente transformada numa enorme e elegante baleia; imediatamente ganhou as águas e desapareceu no fundo do oceano. Visitou todos os países do mundo, acasalando com cada macho que encontrasse. Para dar à luz cada filhote ela corria para uma praia e ali deixava a sua cria; fez isto em todas as praias.
- Sua missão é se tornar um caçador de baleias e viajar pelos oceanos exterminando-as uma a uma – disse a feiticeira para o irmãozinho da menina, agora sob seu poder. Com efeito, ele cresceu e cruzou os mares, caçando e exterminando todas as baleias que encontrava.
O interessante é que, das baleias nascidas da menina nenhuma fora morta ou capturada; e eram muitas. Havia uma próxima a cada praia existente. Achando isto muito estranho a feiticeira perguntou ao matador de baleias:
- O que está acontecendo? Onde estão as baleias que possuem estas e estas características? – descreveu-as a ele.
- A estas eu não faço nenhum mal porque são todas filhas da minha irmãzinha que a senhora transformou em baleia.
- Foi ela mesma quem me pediu que assim fizesse; seu idiota! Trate de voltar para o mar e acabar com todas, foi essa a missão que dei a você.
- Não vou fazer isto! São minhas sobrinhas e não vou assassiná-las. Além do mais, elas possuem uma missão muito mais nobre do que a minha, que é melhorar todos os homens.
- Não se iluda; seu imbecil! Os homens jamais melhoram. Não serve para exterminador de baleias, muito menos para viver comigo; volte para o lugar onde nasceu – e o fez desaparecer de sua frente.
Mas nada do que fora sua infância existia mais. Seus pais já eram mortos e no lugar da casa havia um navio grande e imponente. Para grande alegria encontrou e reconheceu sua querida irmã, mesmo depois de tantos anos. O irmão compreendeu que, a partir do momento em que sua missão de exterminador de baleias havia se encerrado, a de sua irmã não tinha mais razão de ser.
- E agora eu estou desempregado. Não sei fazer outra coisa a não ser perseguir baleias; acontece que nem navio eu tenho mais.
- Você pode ficar com este, eu não preciso mais dele. Só que não é para matar baleias. Você vai ser o presidente do mundo; vai endireitá-lo para mim. Como já o conhece de ponta a ponta, vai andar nele e acabar com toda a maldade que encontrar.
- Mas como farei isto sozinho?
- Aí é que está! Não estará sozinho. Esqueceu-se de todas as minhas filhas? Elas estão em cada praia, vigiando as ações dos homens. Mandei que exterminassem todos os presidentes e chefes de estado e deixassem apenas aqueles completamente honestos e que pensassem no povo, acima de tudo. Como não encontraram um só que pudessem chamar de honesto, escolhi você para tomar o lugar de todos eles. Elas estarão olhando as ações dos homens; você apenas governará e criará as leis.
E o mundo então começou a mudar. Os homens já não mentiam e não roubavam. Não mais houve assassinatos. As doenças foram eliminadas porque não havia mais neuroses nem egoísmos e os casais viviam em paz e nos lares reinava a harmonia. Por causa disso as baleias se acomodaram e algumas começaram a deixar suas praias em busca de passeio e de acasalamento. Quando voltavam encontravam sinais de desordem, o que passou a preocupar sua mãe. Ela correu até a feiticeira, pois viu o mundo ameaçado a ser o que sempre fora.
- Eu disse a seu irmão que os homens jamais melhoram. O que quer que eu faça? Não sou do bem, o mundo só mudará com a minha morte; só que sou imortal. Aí se encontra o problema, o problema de todos vocês. Ah! Ah! Ah!
- Transforme-me novamente em baleia. Ainda posso consertar o meu mundo.
- Não creio; você já passou da idade. Em todo caso, vá lá!
E a menina, agora mulher, virou novamente baleia e foi para o mar só que, desta vez, cansada e sem forças não mais procriava. Os machos, lindos e garbosos, dela mantinham distância. Viu que algumas praias estavam mesmo abandonadas, o que fazia das regiões banhadas por elas, esteio de vícios e corrupção. Mas em outras, onde a vigilância e o acompanhamento eram perfeitos havia a paz, amor, harmonia e prosperidade; o que prova que há esperança para o mundo. Ali ela ficava e se emocionava com o magnifico trabalho de suas filhas.
Sentiu saudades da terra, seu mundo de origem, e quis voltar; mas, aí, um problema: lembrou que a feiticeira não dá um benefício em troca de nada. Jamais voltaria a ser gente; seria esta a sua sina. Depois de se entristecer um pouco se esqueceu do problema e voltou a alegrar-se. Tinha no mar uma família, feliz e vitoriosa. Morreria ali, ciente de que a terra, um dia, teria jeito. Mesmo convicta de que há uma feiticeira dentro de cada um de nós.