Dona Rita, a mosca cozinheira

Era um dia cheio. Potes de vidros sobre a mesa e tomates bem maduros dentro de cestos, várias moscas ocupadas na cozinha e na pia de louças um batalhão de panelas sujas. Dona Rita, olhos preocupados, compenetrada no que fazia, mas de repente, entre tanto silêncio, fala:

_ Acho que não vamos conseguir aproveitar todo este alimento!... Ai, ai... uma safra tão boa de tomates vermelhos e macios!

E apesar do sorriso que sempre distribuía nas horas em que o assunto era fartura de comida, uma nota de suspiro triste, entre quase cansada, despregou-se de sua garganta: “oof”!

No início do verão é velho hábito abastecer a despensa de guloseimas, como os molhos de tomates (alimento preferido das moscas novinhas por ser bem macio e fácil de mastigar) e também oferecer alguns para os amigos e vizinhos. As ajudantes estavam enfastiadas, com o cheiro do cozido dentro das panelas, mas pelo respeito à patroa nada diziam.

Quando não há muito o que fazer em casa, todos os insetos passam horas no mural da varanda, a favor do vento, para sentir o cheiro e o sabor adocicado das frutas estragadas.

_ Tragam-me aqui uma colher de pau com um cabo mais comprido – pediu Dona Rita interrompendo lembranças, que corriam nos pensamentos das moscas ajudantes.

Sim, trouxeram-lhe a colher e depois um tacho, uma bacia, mais um tomate amassado...

_ Que horas são?

_ São três horas da tarde, Dona Rita.

_ Louvado seja Deus!... Estamos com quase tudo pronto para a festa de hoje à tarde. Vamos, vamos que não podemos deixar escurecer.

O sorriso de Dona Rita ficou muito perto dos grandes olhos facetados. Talvez sua cabeça não fosse tão imóvel, pois se julgou que ela voltou a face de um lado para outro e fechou os olhos com satisfação. Talvez não, mas o certo é que começou a arrumar a cozinha com uma animação tão grande que as ajudantes riram, seguindo-a na limpeza: “Ri-ri, ta-tá”!

Então, Dona Rita bateu as asas, sacudindo algum melado que tivesse ficado no corpo, subiu em cima da mesa e soltou estas palavras: “ioo-hoo!”, que em verdade é o que dizem quando vão sair para uma festa.

Para dizer com sinceridade, o que impressionava, antes do belo pôr do sol no início do verão, era a quantidade de moscas no tomateiro, próximo à varanda da casa. Os olhos delas passavam por cima dos frutos com um ar de maravilhado de cobiça. Não fossem tantas, daria para se ver Dona Rita e cumprimentá-la. Não é meu ofício passar por outro inseto com essas vantagens de eu ter dois pares de asas, como quem recebe mais glórias, e não dizer-lhe “boa tarde”. Bem, as moscas merecem de mim algumas mostras de simpatia. Que tenho eu a perder?

Em todo caso, calculando que logo irão dormir, vou descansar também na minha folha preferida e amanhã vejo isso.

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 19/01/2013
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