O dia que a cadela falou.
Algo estranho tinha acontecido na madrugada do décimo terceiro dia de férias do menino Arthur na casa dos avós naquela pequena cidade do interior onde os moradores ainda acordavam com o canto do galo.
A casa era grande e muita antiga. As paredes eram de adobe e pintadas de cal. Tinha ainda um imenso quintal cheio de árvores frutíferas. A mais visitada era uma frondosa mangueira que além da sombra presenteava a todos com suculentas mangas rosa- uma delicia, dizia o menino Arthur.
Diferente da casa dos pais, na casa grande dos avós Arthur acordava cedo. Ao levantar-se ia direto pro quintal atazanar os bichos. Corria atrás das galinhas, jogava pedra nos porcos, apertava o pescoço do gato e puxava no rabo de uma cadela que de tão velha nem dente tinha mais. Era uma zorra que só terminava quando a avó gritava:
- Arthur, menino! Larga dos bichos vem escovar os dentes e tomar café.
Com aquele comando o menino se lembrava da broa de milho e da pamonha, quentinhos e deixava os animais em paz.
Era assim todos os dias. Os bichos quando viam o garoto já se assustavam e começavam a correr.
A cadela se encolhia ganindo num canto, o galo, rei do galinheiro, pulava e ia se esconder numa ingazeira; o gato coitado, a maior vitima do rapazinho, se eriçava todo e fazia cara de mau como quem quisesse dizer: - De novo, não!
Talvez se lembrando do dia em que foi parar dentro de uma gamela de água bem gelada.
Era assim toda a manhã, um tormento para os bichinhos visivelmente incomodados com aquela situação.
Diante daquele burburinho todo um fato esquisito aconteceu: a velha cadela sem dente começou a falar causando espanto nos outros animais.
Na verdade, a cadela era um extraterrestre do Planeta Cinogeo, localizado numa galáxia muito além da nossa via láctea. Tinha sido enviada vários anos atrás ao Planeta Terra para investigar o comportamento dos humanos, e dos bichos também.
Antes de falar, a cadela foi num canto do quintal pouco frequentado, usou as patas para reabrir um buraco de onde surgiu um objeto luminoso parecido com uma bola e cheio de botões. Apertou vários deles e um raio forte foi arremessado contra os bichos do quintal. Tentaram correr mais acabaram sendo alcançados.
Depois daquilo tudo todos eles começaram a falar. Foi só depois dessa operação que a cadela extraterrestre chamou para uma reunião assembleia.
-Caros colegas, resolvi revelar meu segredo porque , assim como vocês, não suporto mais esse menino Arthur. Ele tem sido muito mau conosco e precisa de uma lição. Aprender que não se pode maltratar nenhum ser vivo, nesse ou em qualquer outro planeta.
- Isso, mesmo. Dia desse ele me pegou e me jogou pro alto. Só não morri porque tenho sete vidas. Não aguento mais esse cara. Já chega- disse o gato.
- E o que vamos fazer? Perguntou o galo todo empinado.
Todos falavam ao mesmo tempo.
-Silêncio, silêncio! Já tenho um plano- gritou a cadela.
-E qual é? Perguntou o porco.
-Vamos dar apenas um susto nele. Já fiz uma analise do comportamento dele. Na essência é um menino bom. Acredito que depois dessa não vai mais nos atazanar- Respondeu a cientista do Planeta Cinogeo.
-Quem for a favor do plano se manifeste!
Todos os bichos concordaram e se preparam para dar a grande lição no Arthur.
Era uma sexta-feira.
Como sempre o menino Arthur acordou cedo e foi direto pro quintal praticar seu esporte predileto: atazanar os bichos.
Estranhou quando não viu nenhum deles correr.
Estavam todos enfileirados e olhando firme nos olhos do Arthur. Mesmo assim ele não se intimidou e foi pra cima do mais frágil deles: o gato.
Naquele instante o gatinho recuou e em vez de correr começou a latir. Numa sequencia ensaiada, o galo começou a miar, o porco a cantar igual ao galo, o pinto a berrar, e cadela a falar igual os humanos e a dizer que não era mais pra ele maltrata-los.
O menino Arthur diante daquele fato estranho arregalou os olhos, ficou parado como uma pedra por alguns segundos até encontrar coragem para correr e começar a berrar.
- Mamãe a cachorra falou, o galo miou, o Pinto berrou e o porco cantou.
Depois daquela sexta-feira nunca mais Arthur maltratou os bichos do quintal da avó nem qualquer outro que encontrou dali pra frente.
Continuava a acordar cedo pra ir ao quintal, só que para alimentar com carinho cada um dos bichos sob o olhar atento e de aprovação da velha e desdentada cadela.