A Visita do Papai Noel
"As pessoas sentem minha escrita como uma agressão; elas sentem que existe nela alguma coisa que as condena à morte; eu não as condeno à morte, simplesmente suponho que já estejam mortas"
Michel Foucault.
((a revolta é a nobreza do escravo.Evolução ou Morte))
A favela era imensa. Barracos feitos de madeira, alguns de papelão. A pobreza era de visão extremada. Não havia ali saneamento básico, luz elétrica, água encanada. O abandono total do poder público. Parecia mais um campo de refugiados de guerra, do que brasileiros esquecidos por tudo e por todos.
Num dos barracos de madeira, Marcinha, oito anos, seguia a tradição do Natal. Pôs o sapatinho na janela e aguardava ansiosa pelo presente do Papai Noel. Fez assim em segredo, pois, a sua mãe no ano passado havia dito que o Papai Noel não existia para os pobres.
Marcinha não acreditou - era viva em seu ser a imagem do velhinho de barba branca e vestido de vermelho, que visitava às crianças no Natal e lhes dava presentes.
À meia-noite, viu a sua mãe dormir, roncava. O seu pai fazia meses que não aparecia. A menina não sabia que o pai estava preso.
Um barulho, e Marcinha fixou o olhar para a porta do barraco de madeira. Quando olhou para a janela, o sapatinho encardido, furado, não estava mais la. Ficou em pânico. Os olhos saltaram das órbitas soltando um brilho de estrela.
-Não, o meu sapatinho...
A porta do barraco abriu-se. Entrou um homem vestido de vermelho. A menina o olhou com cuidado, e em dúvida perguntou:
- É você, mesmo o Papai Noel?
- Sim, sou o verdadeiro.
Ele tinha o sapatinho da menina numa de suas mãos e um saco vermelho na outra. Repousou o saco no chão-parecia estar cheio e pesado.
- Mas, você tem cabelos compridos e a barba não é branca.
- Acredite, eu sou o Papai Noel, é que os meus cabelos ainda não ficaram brancos, sou jovem. Tenho pouco mais de trinta anos.
- Hum, a idade do meu pai.
- E, cadê o seu pai?
- Não sei, ele de vez em quando desaparece...
- Eu recebi a sua cartinha.
- Oba, trouxe o meu presente?
Então, o Papai Noel lhe estendeu uma caixa embalada em papel presente. A menina a desembrulhou com sofreguidão, e tirou dali, com entusiasmo o tão esperado presente.
- O pacote de biscoitos que eu pedi, nossa.
- Sim.
Marcinha, sem se importar com a presença daquele estranho, pôs-se a comer alguns biscoitos. Papai Noel pegou de uma moringa e lhe deu um copo com água. A menina exibia um largo sorriso nos lábios, enquanto mastigava um dos biscoitos. Parecia estar muito faminta.
O Papai Noel sorriu. Missão cumprida. Passou a mão pela cabeça da menina, curvou o seu tronco e lhe deu um beijo no rosto. Saiu do barraco. Ele tinha cabelos negros compridos, barba negra. O seu nome era Jesus, mais conhecido como o Messias, o Nazareno -, o verdadeiro Papai Noel dos pobres. Pensou, Jesus antes de sumir nas nuvens:
- O resto com a Marcinha é com vocês, homens de boa vontade, cuidem da minha menina. Sejam o Papai Noel dela nos anos vindouros.