Fogo na mata
O estalo da mata queimando trazia uma sensação de medo. A pele branca lhe parecia aborver toda a fumaça que de longe se avistava, como se ela fosse uma cortina cinza rasgando o céu azul naquela manhã de novembro. O calor do fogo vinha no vento quente, numa profusão de rajadas, cobiçando o verde de cada árvore por onde passava _ E então a isso se juntava o voo dos pássaros assustados, indo para longe, numa correria de asas frenéticas, como se um pavor caísse sobre todos ao mesmo tempo.
As pernas dele tremeram: ou porque tinham receio de não conseguirem transpor o espaço até a toca, ou porque já estavam cansadas de tanto que saltara brincando no capim, que nascera após as chuvas dos últimos dias _ e tinham sido tão bem recebidas, no seio da terra, ainda que fossem fracas e rápidas... “Ah! Que bom era ver as plantas ganhando vida, quando apareciam as primeiras folhas nos galhos nus.”
Pôs- se a colocar o ouvido no caminho. Folhas secas crepitavam, leves e aos pedaços, num ritmo crescente, misturando-se com o cheiro de queimado , entranhando-se profundamente em seu pelo, mergulhando por suas narinas e por sua boca.
Parou um pouco com intenção de respirar melhor, sacudindo-se para tirar algumas fuligem do focinho. Um resto de expressão de frescor – num tênue gemido de despedida – ainda brincou em seus olhos antes de iniciar corrida: com o coração em toc-toc desenfreado.
Meteu-se de encontro a uma pedra alta e a subiu: viu-se à procura de qualquer coisa que o fizesse encontrar um percurso mais seguro para casa. Talvez o vento mudasse de direção: as nuvens andavam de encontros pela nascente do rio, iam de lá para cá, como quem não sabe que direção seguir.
Foi que o coelho se encolheu sobre as patas – todo cansado. Estava de olhar fixo no sentido do fogo. Ao longe avistava as faveiras e os umbuzeiros situados do outro lado do rio e inclinou-se para frente na tentativa de ver melhor a distância de onde se encontrava até as águas.
De repente ficou tão corajoso que disse “Eu vou conseguir chegar até às aguas!” - Desceu assim da pedra, não olhou muito para os lados... e lá se foi com as patas em plinc-plic, todo apressado, a mexer o rabinho num compromisso de fidelidade com o resto do corpo.
Havia um luminoso sorriso interior, como se uns braços o erguessem enquanto dava passadas fortes e largas... O cheiro do ar, gravemente pertubado com a fuligem da queima, buscava novos lugares e se misturava com o mato e a terra.
Era o que também levara os pássaros para um voo mais ousado: apenas se vislumbrava uns pontos no céu – e iam desaparecendo... sempre pendurados no azul.
Os pensamentos ardiam: “O vento vai mudar... o vento vai mudar...” (e corria) “A mata é forte... a mata é forte....” E assim chegou à beira do rio.
Parou nas areias úmidas (respirou um silêncio), ensaiou ficar deitado sobre as patas, mas ergueu o corpo e mudou de semblante: o crepitar das chamas estava agora mais brando. Levantou uma pata, depois outra e começou a caminhar mansamente com os dedinhos sentindo o chão frio para então meter-se no capinzal verde que ia dar em sua toca.
Devia ter ido saltitando, porque se ouvia um bater no ar: ploc-ploc, ploc-ploc!