O menino pipa
A terra rangia se friccionada pelos pés de alguém, esfarelava se tomada nas mãos e a família perguntava:- O que Deus tem contra o sertão?
O penúltimo de uma prole de 9 desafiava a sêde e corria, corria mais que a prudência permitia, varava a caatinga e deixava os pés trincados, como se com os pés houvesse carimbado o solo.
No bornal que carregava, com alças, dependurado no peito, apenas um enorme carretel de linha, ainda teria sua pipa.
Fatigado, deitou-se ao sol, como se houvesse lugar que não fosse ao sol para se deitar e viu, à distância, um floco de nuvem por sobre ele passar, tão baixo, que quase o podia tocar. Excitado, tomou o carretel de linha, segurou uma das pontas e tentou laçar aquela nuvem... conseguiu na primeira oportunidade e fez da nuvem sua pipa.
Que enorme manancial era aquele floco, por onde o menino passava deixava água em abundância; refez lagoas, brotou alecrim e libertou uma seriema que se encontrava com a pata presa na lama do fundo do lago que secou.
Um séquito se montou, todos seguiam o menino que trazia a água amarrada a um cordel, até um pequeno coral louvava a água trazida em pipa.
Um velho justiceiro, que há muito justiça não fazia, pois crime ali não havia, acordou de sua letargia e questionou toda aquela alegria, pois tudo que passava por ele ia, não tinha a quem deter.
-Que algazarra é esta? Perguntou.
-Com a água estamos trazendo vida e alegria, respondeu o menino pipa.
-Não sabem que tem aqueles que querem ser tristes? retrucou o paladino...
Terminou a frase e iniciou a ação, cortou a linha e a nuvem partiu, de volta para o lugar de onde havia fugido.
A esperança se pôs novamente em plantão; todos os semblantes trocaram o sorriso por um rosto amargurado; a terra de novo murchou e o peito do justiceiro se estufou:
-A justiça foi cumprida...