Cremilda
Cremilda, toda assanhada, não parava quieta em lugar nenhum. Mexia pra lá, contorcia pra cá, virava e revirava a terra do jardim que ficava na casa do Seu Tito porque Cremilda era uma minhoca e é isso que minhoca faz, revira a terra como ninguém.
Acontece que um dia, essa minhoquinha ouviu umas formiguinhas dizendo das belezas do jardim e não resistiu. Curiosa como era, precisava ver se o que as formiguinhas diziam era verdade. Elas vinham falando das belezas e das cores das flores, pois era primavera, estação em que o jardim ficava ainda mais bonito... Não teve dúvidas, colocou seu melhor vestido, seu chapéu de missa com laço de fita cor de rosa, passou batom, é, a Cremilda não ia a lugar algum sem passar seu batom, ela dizia que toda boa fêmea tinha que ter batom nos lábios, bem, lá se foi a Cremilda pela primeira vez, pois nunca havia saído de seus buracos e foi subindo, subindo, subindo até que começou a ver um clarão. Era o sol que tocava o seu corpinho torto.
Ao sentir aquele calor gostoso do sol, Cremilda até esqueceu que era uma minhoca e que não parava quieta em lugar nenhum, esqueceu e não se mexeu nem se contorceu, apenas ficou ali extasiada olhando aquele jardim repleto de flores com todas as suas cores, e borboletas, e raios de sol, e passarinhos...E, pela primeira vez, sentiu o sol e se sentiu fazendo parte de um mundo grande que até aquele momento, nem sonhava existir.
Enquanto Cremilda ficava ali, admirando tanta beleza e agradecendo a vida por simplesmente existir e poder contemplar tudo aquilo, nem percebeu o sabiá que, rápido como um raio, deu um rasante engolindo a Cremilda numa bocada só.
Pobre amiguinha, virou comida de sabiá, mas não fique triste não, Cremilda sabia que isso cedo ou tarde aconteceria, pois é assim que a natureza funciona, um comendo o outro, o outro comendo o outro e eu só sei que Cremilda foi a melhor comida que aquele sabiá já comeu na vida, afinal, no exato momento em que foi engolida, ela se sentia a minhoquinha mais feliz do mundo por ter tido a chance de conhecer um jardim tão lindo.
Assim termina a história da Cremilda, que era uma minhoquinha, que usava vestido e gostava de seu chapéu de missa com laço de fita cor de rosa e não saia de casa sem passar batom...