"negritinho, o pintinho discriminado"

Personagens:

Seu Joaquim: dono do sítio

Gui: filho mais velho

Zezinho: filho mais novo

Negritinho: pintinho

Geni: galinha mãe de sangue

Docinho: galinha mãe de criação

Ganzepão: galo pai de Negritinho

Dindi: irmão de Negritinho Bernadão: galo brigão

Personagens principais: Pintinho Negritinho, galinha docinho

Era uma vez...

Em um sítio localizado há uns cinco quilômetros da cidade de Mirabela – Sítio da Baixa – uma história que deixou todos no mínimo, impressionados, intrigados.

Nunca podia imaginar que entre os animais pudesse acontecer uma situação tão absurda como a que iremos contar.

Isso aconteceu com uma família de aves, lá no Sítio da Baixa, que deixou-nos a pensar, fazermos uma reflexão sobre isso. Eh! Aconteceu mesmo!

O proprietário do Sítio da Baixa - Seu Joaquim – têm dois filhos que adoram criar bichos, principalmente galinhas. O filho mais velho, Gui – uns onze anos – mais entusiasmado e o mais novo, Zezinho – uns sete anos; criavam com bastante gosto os bichos e foram testemunhas do acontecido...

A galinha Geni – plumagem farta, cor cinzenta, bico grosso, crista pequena, pés amarelos e fortes – acasalou-se com o galo Ganzepão e desse acasalamento, a galinha Geni na sua primeira postura havia botado doze ovos e estava em processo de emperreio – situação em que a galinha fica em estado febril para chocar os ovos - O ninho – feito de palha de milho e capim seco - preparado exclusivo para ela chocar, estava no capricho; já que Seu Joaquim, gostaria de tirar raça do galo que havia ganhado de presente de um funcionário da Emater. Durante vinte e um dias - prazo que iria começar a chocar os ovos – não deveria ser incomodada, para não causar stres e abandonar o ninho.

Assim se sucedeu...

Todos os dias a galinha Geni saía para se alimentar, aproveitava para ciscar, tirar a oleosidade das penas, rolava na terra, como se tivesse tomando banho.

Ao retornar para o ninho, passava perto de outras galinhas e arrepiava, dando um piado, demonstrando que estava irritada e choca. E ia passando... Ao deitar-se sobre os ovos, agasalhava-os com carinho, usando o bico; mexia-os de um lado para outro revirando-os - esse processo da natureza, auxilia os embriões deslocarem dentro do ovo – lá dentro, têm uma bolha de ar onde os embriões (pintinhos) respiram, ao mexerem, a bolha se desloca para outra posição, percorrendo dentro do ovo.

Dias se passaram...

Aproximando-se o dia da eclosão, a galinha Geni não saía do ninho para nada – nem para comer - como se soubesse que estaria próximo o nascimento dos seus filhotes. Permanecia quieta, como se a posição que estava sobre os ovos, fosse a ideal para os pintinhos bicarem e furarem a casca do ovo e nascerem para a vida.

Enfim, chega o dia...

Gui – o filho mais velho – fala para seu pai que irá ver se nasceu os pintinhos e o pai, experiente criador, diz a ele para não incomodar a galinha; senão ela pode stressar e machucar os pintinhos. Quando ela terminar de chocar – diz o pai - ela sai do ninho com a ninhada.

Obedecendo ou pai, Gui, deixa para ver mais tarde.

A tardezinha... lá para as cinco horas - o sol já estava entrando - Gui vai até o local do ninho, curioso, verificar. Ao chegar lá, depara com vários pintinhos loucos para saírem do ninho; ao redor da mãe; piados insistentes.

Lindos! Aparentemente sadios e espertinhos!

Parado, perto do ninho, contou uns nove filhotes. Insistindo em permanecer ali por mais alguns minutos, viu que faltavam ainda três ovos eclodirem. Não demorou e foi embora; deixando para o dia seguinte retornar.

No outro dia...

Quando voltou da escola, não foi nem almoçar; pôs a mochila na mesa da sala e saiu em disparada para ver a ninhada. Chegando próximo ao ninho, viu a galinha Geni e a ninhada, contou doze, de várias cores: cinco amarelos, quatro manchados, dois cinza e um negrinho. Ficou satisfeito! Não havia perdido nenhum ovo.

Mas notou que a galinha, estava rejeitando o pintinho preto e achou aquilo estranho. Nunca tinha ouvido falar. Continuou observando.

Resolveu chamar seu pai e o irmão Zezinho para verem aquilo. Correu até a casa e chamo-os: - Pai! Zezinho! Venham aqui depressa!

Vieram ao chamado e tão logo chegou, perguntou o pai: - O que é Gui? O que está acontecendo?

- Venham! Vocês não vão acreditar; vamos ali!

E assim foram...

Chegando perto da galinha, Gui, aponta e diz:

- Vejam! Olhem como a galinha está fazendo com o pintinho negrinho!

O pai, verificando o fato, diz:

- É mesmo! Parece que ela não gosta dele. Ela está bicando ele, rejeitando.

Gui, mais que depressa, abaixa-se e apanha o pintinho rejeitado, que apavorado com as bicadas que recebeu, pia sem parar, como se chorasse.

Segurando na mão, Gui leva-o para casa, pergunta o pai:

- E agora o que fazer? O pai, olha para o filho, sensibilizado com a situação e tenta acalmá-lo:

- Olha Gui; acho que o melhor a fazer no momento é deixá-lo separado, pôr comida e água para ele, até olharmos se têm alguma galinha chocando lá no galinheiro.

Gui, com um sinal de positivo, concorda com ele.

Deixa-o quietinho em um canto - protegido – e vai até o galinheiro verificar se alguma galinha está chocando.

Indo até o galinheiro...

Descobriu que a galinha Docinho estava no último dia da chocagem – o Seu Joaquim, têm como costume, pôr no mínimo duas galinhas para chocar na mesma época – dessa forma, deu certinho, Gui, foi até onde estava o pintinho Negritinho e pegou-o, levando-o até a galinha Docinho. Chegando lá, com cuidado, enfiou o pintinho de baixo dela que estava perto de abandonar o ninho com os pintinhos.

Tinha certeza que iria dar tudo certo, pois a galinha Docinho, era boa criadeira e mansa. Feliz, ele retornou para casa.

No outro dia...

Correu para o galinheiro bem cedo antes de ir para a escola e lá estava a galinha Docinho e seus dez pintinhos, incluindo o negritinho.

Estava feliz, correndo contente, a mãe com um “cocó, cocó”, ensinando os filhos a comerem.

E assim... a família viveu junta; os dias iam se passando e o pintinho negritinho cada dia mais forte, crescia; destacava no meio da turma - o mais vigoroso, esperto, sadio.

Seu Joaquim, vendo que Negritinho ficaria um bom frango, resolveu deixá-lo para galo raçador no terreiro; por ser forte, grande, além do mais, o fato que aconteceu com ele quando era pintinho, marcou muito a família e eles tomaram amor pelo Negritinho.

Um dia... quando já estava frango – sua mãe Docinho, já tinha uma nova ninhada de pintinhos – viu seu irmão Dindi – frango não muito grande, plumagem da cor amarelada, canelas amarelas – em uma situação desesperadora; apanhava de um galo que Seu Joaquim havia comprado. Vendo aquela cena – seu irmão levando uma surra daquele galo; mesmo sabendo que não foram criados juntos e o frango Dindi não sabia que eram irmãos - Negritinho, não pensou duas vezes; levantou as asas e soltou um canto majestoso e poderoso. Partiu em direção do galo e com uma peitada, derrubou-o no chão. O galo assustado com aquela força, levantou-se meio sem graça e enfrentou Negritinho que não se intimidou e continuou brigando com ele. Depois de um bom tempo de luta, o galo Bernadão – já sem forças – abaixou a cabeça e correu sem olhar para trás. Negritinho levantou e bateu as asas novamente – agora com mais vigor e moral – cantou exuberante demonstrando que naquele terreiro quem mandava a partir daquele instante era ele.

Seu irmão, o frango Dindi, feliz por ter sido defendido e por ele ter vencido o galo maldoso, agradeceu e saiu em direção ao bebedouro.

O Negritinho, ficou olhando para o irmão com vontade de chamá-lo e dizer que era seu irmão; mas não teve coragem. Olhos tristes, observando o irmão sair mufino.

Depois que bebeu água, o frango Dindi, foi em direção ao galinheiro; chegando lá, encontrou com sua mãe a galinha Geni; que logo perguntou:

- Fiquei sabendo que o galo Bernadão estava batendo em você? Porquê?

O frango Dindi sem graça, com vergonha por ter apanhado diz:

- É! Do nada, ficou com raiva de mim e resolveu me bater!

A mãe revoltada:

- Ele não é seu pai para te bater!

O frango Dindi, para encurtar a prosa, diz a mãe:

- Quem me salvou foi o Negritinho.

A mãe curiosa, pergunta:

- Quem é Negritinho? É um novo galo que Seu Joaquim comprou?

O frango Dindi mais que depressa diz:

- Não mãe! Negritinho é aquele frango forte, preto, filho de Docinho. Não sabe quem é não?

A mãe com ar de deboche balança a cabeça:

- Ah! Acho que sei.

Os dias se passaram...

A galinha Geni encontrou com o frango Negritinho – que passeava com umas cinco galinhas pelo terreiro – e disse que gostaria de falar com ele.

Gentil como sempre, Negritinho, balançou a cabeça positivamente e saíram para um canto do galinheiro.

Ao chegarem, a galinha Geni – que na verdade é sua mãe de sangue – sem graça, pois não gostava de pedir favor a ninguém e era racista; agradeceu por ele ter salvado seu filho e que seria eternamente grata por isso. Aquele galo – diz ela – tem umas esporas afiadas como facas. Meu filho não teria nenhuma chance contra ele.

Negritinho – humilde - ouve tudo aquilo passivamente, com bastante calma e com olhar triste, diz a mãe que não precisava agradecer; que fez aquilo por amor.

A galinha Geni retruca:

- Por amor! Nós nem temos amizade com você e defende meu filho como um irmão e diz que foi por amor?

Negritinho, com o coração cheio de vontade de dizer para ela que era sua mãe; afirma novamente que fez por amor. E completa: Eu sei o que é covardia! Sei o que é injustiça! Fui abandonado ainda muito pequeno e senti a dor de ser rejeitado por causa da minha cor. Por isso, quando vejo uma injustiça, trato logo de comprar a briga e defender o mais fraco.

A galinha Geni curiosa, pergunta:

- Sua família é daqui desse sítio mesmo?

- Sim é.

Insiste ela:

- Parece que você foi criado pela Docinho? Não é isso mesmo?

Consternado ele diz:

- Não! Minha mãe é a Docinho e meu pai é o Ganzepão.

Ela, desconfiada, agradece novamente e sai.

Ele, na dúvida cruel de chamá-la ou não, optou em deixá-la ir embora.

A dor de ter sido rejeitado por ela – ainda pequenino - por ser negro, agora estava no passado. O importante é que estava perdoada e para o futuro bem próximo, iria formar uma família para ele, maravilhosa, com bastante filhos; não importava que cor fossem; e seriam amados todos com igualdade. Estaria pronto para defendê-los a qualquer instante até que pudessem se defender sozinhos.

Quanto ao irmão, ficou muito feliz em defendê-lo e estaria sempre de olho nele para que ninguém o maltratasse, já que os outros irmãos foram vendidos na feira do mercado e não sabia para onde tinham ido.