A RAPOSINHA (THE VIXEN)
A RAPOSINHA – 28 DEZ 2011
(Folclore brasileiro, recolhido por Sílvio Romero,
recontado por Monteiro Lobato, versão poética de William Lagos).
A RAPOSINHA I
Era uma vez uma terra, cujo rei,
Que fora justo e cumpridor da lei,
Começara a ficar cego.
Tinha três filhos. O mais velho era Miguel,
O seu irmão do meio, Rafael
E o outro era Pafúncio.
Mandou o rei aos filhos procurar
Algum remédio, pois queria enxergar,
Igual que antes.
Não só por ele, mas porque era importante,
Para que o reino não fosse daí em diante
Governado por um cego.
Por certo, seus ministros eram bons
E lhe explicavam, em belos e altos sons
Os seus negócios.
E conservavam em segredo sua cegueira,
Porque seria para alguns causa certeira
De rebelião.
Ele ainda via as coisas, vagamente,
E até mesmo se mostrava, bem frequente,
Nas cerimônias;
Apoiado no seu cetro, caminhava
E para os circunstantes acenava,
Igual que os visse.
A RAPOSINHA II
Os médicos melhores de sua corte
Prognosticaram que lhe viria a morte,
Se não fosse curado.
E mesmo sendo súditos fiéis,
Ficaram confinados nos quartéis,
Que não contassem!...
Isso porque, em caso de batalhas,
As decisões do rei sairiam falhas
E perderiam;
Por mais argutos os seus generais,
Nem sequer eles saber podiam jamais
Do seu estado.
Mandou assim o rei a Dom Miguel
Que se vestisse sem qualquer ouropel
E fosse pelo mundo
Sem revelar a ninguém sua identidade
E procurasse um remédio de verdade
Para curar seu pai.
Mas Dom Miguel, tomado de vaidade,
Querendo ser o rei, na realidade,
Fingiu só procurar.
E saiu com seus amigos cavaleiros,
A divertir-se por países estrangeiros,
Por quase um ano.
A RAPOSINHA III
Quando voltou, fingiu grande cansaço,
Pôs sua cabeça no real regaço
E mentiu não ter achado;
Que saíra em toda parte procurando,
O segredo do pai não revelando,
Sem nada descobrir...
E de fato, não contara, que interesse
Não tinha que a notícia se dissesse
Nos países inimigos:
O que queria é que o rei abdicasse
E seu herdeiro em vida ele o nomeasse,
Senhor do reino.
Mandou então o rei Dom Rafael
Que o mundo revirasse, em carretel
Até lhe achar a cura.
De fato, estava bem mais debilitado:
Os joelhos lhe doíam; e atrapalhado,
Trôpego o passo...
Os cortesãos já o notavam, realmente,
Mas atribuíam a motivo diferente
Suas pernas fracas.
Embora mostrasse o tronco vigoroso
E mesmo seu olhar era formoso:
Brilhava até sem ver!...
A RAPOSINHA IV
Sempre escoltado por fiéis conselheiros,
Que lhe falavam aos ouvidos, cavorteiros,
Informações;
E não deixavam que o rei errasse o passo;
Para assinar, indicavam sempre o traço,
Que os dedos ainda via.
Saiu na busca o seu segundo filho,
Mas na verdade, seguiu o mesmo trilho
Do seu irmão,
Que prometera, quando ao trono subiria,
Que muitas terras e tesouros lhe daria,
Em recompensa.
Dom Rafael levou sua comitiva,
Passou um ano em caçada altiva,
Sem buscar nada.
E recebia as notícias por amigos,
Que o visitavam, sem quaisquer perigos,
Em bom sigilo.
O rei, diziam, estava ainda pior,
Nas procissões era levando num andor
Igual que um santo.
Porém o povo achava isto muito bem:
Que merecia receber também
Tal honraria.
A RAPOSINHA V
Depois de um ano, o príncipe voltou,
Do pai no colo a cabeça colocou:
Pediu perdão,
Que nada achara, por mais que procurasse,
Embora elixires e ervas experimentasse
Em outros cegos.
Porém o rei não se queria conformar
E depois de mil poções experimentar,
Chamou Pafúncio,
Cujo nome era de fato Gabriel
E cuja índole era doce como o mel
Nada guerreiro.
E só gostava de música e pintura;
Ele apreciava qualquer literatura,
Mas não caçadas,
Nenhum tipo de luta a dominar,
Errava o tiro, não sabia esgrimar,
Que horror! Fazia versos!...
E era por isso com zombaria tratado,
Pelos irmãos mais velhos apelidado:
“Triste Pafúncio!”
E o apelido pegou e até esqueceram,
Aquele nome que seus pais lhe deram
No batizado.
A RAPOSINHA VI
O rei chamou Pafúncio, sem confiança,
E lhe pediu com bem pouca esperança,
Buscar-lhe a cura.
Porque até mesmo o pai o achava bobo,
Que adiantaria mandar correr o globo
Um tal pateta...?
Pois nunca fora capaz de caçar nada,
Mas que passava toda a noite e até a jornada
Na biblioteca!...
Que só queria compreender filosofia
E nem mesmo a religião o atraía
Para ser bispo!...
Mas o rei lhe explicou, com um suspiro,
Que nem podia mais disparar um tiro,
Nas cerimônias
E que em breve chegaria o seu sossego...
“Senhor meu pai, o senhor só está cego...”
Disse Pafúncio.
“Mas como você sabe? Isso é segredo,
Quem lhe contou? Eu tenho muito medo
Que o povo saiba!...”
Mas o rapaz explicou que já notara,
E que a doença seu pai bem disfarçara:
Poucos sabiam!
A RAPOSINHA VII
Então o encarregou o velho rei:
“Você é meio tolo, bem o sei,
Mas tem bom coração.
Saia então à procura do remédio,
Em vez de desgastar seu tempo em tédio,
Fazendo versos!...
Pafúncio com seu pai não se magoou;
Encilhou o seu cavalo e se enfiou,
Estrada a fora!...
Levava boa quantia de dinheiro,
Usava as roupas velhas de um moleiro,
Manchadas de farinha!
Mas ao chegar à beira de um aldeia,
Se deparou com cena muito feia,
No país vizinho!...
Cinco homens um cadáver espancavam
E ao pobre defunto maltratavam,
Sem qualquer pena!
Pafúncio quis saber qual a razão,
Já comovido no seu coração,
Por tal maldade!
E lhe disseram que era um grande caloteiro,
Que morrera a lhes dever muito dinheiro
E se vingavam!...
A RAPOSINHA VIII
Mentiu Pafúncio conhecer o falecido,
Que no passado já o havia acolhido,
E a pagar se ofereceu...
Os cinco viram sua ingenuidade
E muito mais do que devia, na verdade,
Lhe reclamaram!...
Mas o príncipe pagou sem reclamar,
Embora visse sua bolsa a se esvaziar,
Por caridade.
E depois ainda pagou a sepultura,
Por sobre o morto rezou uma prece pura
E foi-se embora.
Já mais adiante, cavalgando pela estrada,
Uma raposa lhe surgiu do nada
E lhe falou!...
Porém Pafúncio, na sua ingenuidade,
Não se espantou que falasse, na verdade
E até a cumprimentou.
“Eu sei quem é,” falou a raposinha
“E qual o alvo para que se encaminha
E vou ajudá-lo.
Eu sou a alma do morto que espancaram
E como seus credores o exploraram,
Devo-lhe muito!...”
A RAPOSINHA IX
“Se não fosse por você, eu ficaria
Na beira do caminho e me devoraria
Um animal selvagem!
Portanto, vou-lhe dar o meu conselho:
Eu sei a cura para o seu pai velho,
Um remédio raro!...”
“Unguento de Papagaio, é como chamam;
É feito com a saliva que derramam,
À meia-noite,
Os pássaros mais velhos dessa raça,
Quando a velhice seu destino traça
E quase morrem...”
“Você precisa procurar a Terra
Dos Papagaios, que a maioria encerra
Em mil gaiolas.
Há um castelo com grandíssimo salão.
Vá à meia-noite, com minha proteção:
Mostro o caminho!...”
E lá se foram os dois pela estradinha,
Pafúncio a acompanhar a raposinha,
Sem desconfiar...
E no Reino dos Papagaios enfim chegaram,
Na metade de maio o alcançaram,
Em pleno outono...
A RAPOSINHA X
E lá avistaram a um belíssimo castelo,
Que inspirava respeito só de vê-lo,
De altas muralhas.
Disse a raposa: “Eu guardo o seu cavalo,
Não tenha medo das ameias, nem do valo:
Vou protegê-lo!...”
“Mas veja bem: haverá mil papagaios,
Araras, periquitos, belos gaios,
Mas não lhe servem!
Procure o papagaio mais judiado,
Velhinho e sujo, num canto acorrentado:
Esse é o bom!...”
Pafúncio até o castelo foi chegando,
No mesmo instante a levadiça, se abaixando,
Deu-lhe passagem!...
Todos dormiam, em plena meia-noite
E a própria escuridão lhe deu acoite,
Na madrugada...
Chegou assim a um salão dourado,
Com mil archotes, todo iluminado:
Guardas dormindo!
E viu mil papagaios em gaiolas,
Cristas vermelhas, multicores colas,
Pássaros belos!...
A RAPOSINHA XI
E no meio da beleza que o acolheu,
Do bom aviso da raposa se esqueceu
O pobre ingênuo,
Pois viu num canto o papagaio velho
E o desprezou, apesar do bom conselho:
Seu pai faria troça!
E ao invés disso, foi pegar, para desdouro,
O mais formoso, numa gaiola de ouro,
Que desprendeu...
Mas logo o papagaio despertou
E um tremendo currupaco começou,
Num escarcéu!...
E se acordou toda a papagaiada,
Em gritaria tão desmesurada,
Que o ensurdeceu!
Mas os soldados todos despertaram
E à presença do rei logo o levaram,
Para a sentença!...
E o condenou o rei à pena de morte!
Mas Pafúncio lamentou sua triste sorte,
Explicando o seu motivo.
E o rei ficou com pena e decretou:
“O papagaio bonito eu não lhe dou!
Mas dou-lhe o velho!...”
A RAPOSINHA XII
“Mas mesmo o velho tem muito meu apreço!
Eu lhe darei, se me pagar o preço,
Não em dinheiro!
Quero que vá ao Reino das Espadas
E me traga uma dessas mais afiadas,
Com copo de ouro!...”
“Como é um príncipe, a sua palavra aceito!
Mas veja bem, porque tenho o direito
De todas à melhor!...”
E lá se foi Pafúncio, acabrunhado...
Logo a raposa chegou-se do seu lado,
E o repreendeu.
“Eu bem lhe disse que pegasse o velho!
Por que não aceitou o meu conselho?
Viu que bobagem?
Não pode se prender nas aparências,
A realidade tem outras tendências:
Seja sensato!...”
“Mas tudo bem, vamos ao Reino das Espadas!”
E lá seguiram os dois pelas estradas,
Um mês inteiro!
Outro castelo enfim acharam, imponente,
E a raposa lhe aconselhou, em voz premente,
O que devia fazer.
A RAPOSINHA XIII
“Você irá entrar lá à meia-noite:
Não tenha medo, vou-lhe dar acoite,
Mas me obedeça!
Vai encontrar mil espadas reluzentes,
Cimitarras e floretes, adagas e potentes
Montantes de combate!”
Trazem copos incrustados de diamantes,
De ouro e prata, e poderosos guantes,
Mas não lhe servem!
Vá procurar uma espada enferrujada:
No canto mais escuro está encostada:
Essa é a boa!...”
E o rapaz cruzou por uma fonte,
No castelo ingressou por uma ponte,
Em plena meia-noite!
Todos dormiam, até as sentinelas
E divisou das espadas as mais belas,
Por toda a parte!...
E lá num canto, encontrou, enferrujada,
Por entre as outras, a mais feia espada,
Que descartou...
“O Rei dos Papagaios me pediu
Uma com punho de ouro!” refletiu...
E a foi pegar!...
A RAPOSINHA XIV
Mas no instante em que agarrou a espada,
Outra do lado foi logo derrubada,
Com grande estrondo!
E logo mil espadas retiniram
E seus ouvidos com o som zuniram:
Tapou as orelhas!...
Mas os guardas depressa se acordaram,
Suas mãos e seus pés acorrentaram,
Com grande raiva!
E o levaram à presença do seu rei,
Que bem depressa lhe aplicou a lei:
Pena de morte!...
Porém Pafúncio pediu para falar
E conseguiu seu roubo lhe explicar
E o comoveu...
“Se é por bem de seu pai já velho e cego,
Tampouco minha piedade então lhe nego,
Mas por um preço!”
“Você irá até o Reino dos Cavalos,
Terá de atravessar montes e valos,
Até chegar!
E me trará de todos o mais belo,
Que está guardado no fundo de um castelo,
Com seu jaez!...”
A RAPOSINHA XV
“Como é um príncipe, sua palavra aceito!
Mas me trará um cavalo sem defeito,
Com sela e arreios!...”
E lá se foi Pafúncio, amargurado...
Logo estava a raposa do seu lado,
A reprová-lo!...
“Mas por que não aceitou o meu conselho?
Assim nunca irá curar o seu pai velho!
Confie em mim,
Que só tenho interesse no seu bem,
Mas minha paciência está num fio, também:
Veja se aprende!”
“Sei o caminho para o Reino dos Cavalos...
Pois vamos até lá, já criei calos
Nas minhas pobres patas!”
E lá se foram os dois pela estradinha,
Pafúncio acompanhando a raposinha,
Sem vacilar!
Logo se acharam perante outro castelo.
“Mas veja bem! Esqueça do mais belo,
Esse não serve!
Você precisa é de um cavalo castigado,
Num canto escuro só e abandonado,
Esse é o bom!...”
A RAPOSINHA XVI
Foi outra vez o rapaz obstinado:
Ao ver o animal todo estropiado,
Não quis pegar!...
Mas escolheu um magnífico corcel,
Robusto e forte, crinas cor de mel:
Tirou da baia!...
Na mesma hora, o animal deu um nitrido
E o coro dos cavalos seu ouvido
Deixou a retinir!...
Logo um bando de guardas se acordou
E novamente a Pafúncio aprisionou:
Foi posto a ferros!
E foi levado à presença do seu rei,
Que lhe falou que ao ladrão mandava a lei
Na forca balançar!...
Mas o rapaz explicou sua triste história:
“Seu cavalo eu peguei, mas é coisa provisória,
Pois vou trocar...”
“Por uma espada no Reino das Espadas
E depois retomar as caminhadas
Até chegar
Ao Reino dos Papagaios, onde eu pego,
Por essa espada, uma ave, que meu pai cego
Pode curar!...”
A RAPOSINHA XVII
E mais um rei demonstrou-lhe compaixão:
“Já percebi que é um péssimo ladrão,
Pois erra sempre!...
Pois então, vá até o Rei da Catalunha
E me traga a Princesa Marilúnia,
Para casar comigo...”
“Então lhe dou o meu cavalo velho,
Porque, queira aceitar o meu conselho:
Esse é o melhor!...”
E lá se foi o rapaz buscar-lhe a esposa,
Após ouvir poucas e boas da raposa,
Por desobedecer!...
Quando chegou ao país da Catalunha,
Descobriu que já o conheciam por alcunha:
“Triste Pafúncio”!...
Porém o rei, que já tinha doze filhas
E casar todas lhe eram difíceis trilhas
E enormes dotes!...
E como Marilúnia iria, afinal,
Casar com um filho do Rei de Portugal,
Ficou contente...
Pafúncio viu que ela era muito feia,
Mas de levá-la consigo não receia:
Foi na garupa!...
A RAPOSINHA XVIII
Mas descobriu que era muito inteligente
E conversaram, bastante alegremente,
Sobre poesia...
E numa noite, sob a luz da Lua,
Junto a um laguinho, ela banhou-se nua,
Enquanto ele dormia.
Porém com o barulho, ele acordou
E que era muito bela ele notou:
Ficou enamorado...
Mais uma vez ele chamou a raposinha,
Que era a alma do defunto que ele tinha
Tanto ajudado...
E ele lhe disse: “Amiga Raposinha,
Espero que não fique zangadinha,
Mas lhe direi
Que eu quero para mim a Marilúnia,
Filha mais moça do rei da Catalunha,
Por quem me apaixonei...”
“Mas prometi para o Rei dos Cavalos
Que enfrentaria perigos e abalos,
Para a entregar...
E assim trocar também pelo animal
Que levaria ao Rei de Espadas, afinal,
Para outra troca!...”
A RAPOSINHA XIX
“Porque, sem essa espada, nunca pego
O papagaio que irá curar o meu pai cego,
Que está sofrendo!
Mas percebi que é inteligente e bela
E que preciso me casar com ela!
O que é que eu faço?...”
Disse a raposa, em tom reprovador:
“Você é teimoso, rapaz, e seu temor
É culpa sua!...
Se quer a moça, terá de obedecer,
Caso contrário, irá se arrepender,
Profundamente!...”
Pafúncio prometeu que, desta vez,
Reconhecendo todas as suas mercês,
Faria à risca!
“Pois bem,” disse a raposa, “ajudarei,
Mas me obedeça, senão não moverei
Uma unha de minhas patas!”
E os três foram seguindo, lado a lado,
Os dois jovens cada qual mais encantado
Um com o outro...
E Marilúnia formosa continuou,
Mas quando ao Reino dos Cavalos se chegou,
Tornou-se feia!...
A RAPOSINHA XX
E quando o Rei dos Cavalos viu seu rosto,
Ficou apavorado, em seu desgosto:
“E nem tem dote!...
Dou-lhe o cavalo mais velho e mais judiado,
Mas conserve essa princesa do seu lado:
Leve-a consigo!...”
E quando ele mostrou-lhe o seu cavalo,
Teve o Rei das Espadas grande abalo:
“Que porcaria!
Pode levar a minha espada enferrujada,
Tire daqui essa besta assim judiada!
Não quero nem saber!...”
E quando o Rei dos Papagaios enxergou
Aquela espada tão feia, declarou:
“Não quero isso!
Vá lá e pegue o papagaio velho
E se quiser seguir o meu conselho,
Jogue essa fora!...”
Então seguiu Pafúncio pela estrada,
O papagaio na gaiola enferrujada,
No cinto a espada velha!
A princesa continuou na sua garupa,
Com o cavalo judiado não se ocupa,
Linda de novo!...
A RAPOSINHA XXI
Aquela noite, enquanto ele dormia,
Mais uma vez a raposinha aparecia:
“Você teve muita sorte!
Mas meu último conselho é bem direto:
Siga somente pelo caminho reto,
Não siga atalho!...”
“Pois caso se afastar da real estrada,
Tudo o que tem desfazer-se-á em nada
E tudo irá perder!
Agora, adeus, que vou ao Paraíso,
Minhas culpas eu paguei!” E, num sorriso,
Desapareceu!...
Seguiu Pafúncio, portanto, o seu caminho,
Conversando com Marilúnia, um só carinho,
Enquanto cavalgavam.
Mas surgiram seus irmãos, a quem contavam
Que os dois do reino já se aproximavam,
Trazendo a cura.
Marilúnia bem depressa se fez feia
E tomados da maldade que incendeia,
Seus dois irmãos
Disseram que sei pai estava à morte
E o convenceram a tentar a sorte,
Num atalho lateral.
A RAPOSINHA XXII
Mas ao chegarem numa encruzilhada,
Os dois irmãos o mataram de pancada
E até cravaram
A espada velha no seu coração!...
E o enterraram, fingindo compaixão,
Em cova rasa!...
Mas ao pegar Miguel o papagaio,
Ele lhe deu duas bicadas, como um raio,
E o deixou cego!
E quando Rafael foi pegar o seu cavalo,
Ele escoiceou e o jogou num valo:
Quebrou-lhe as pernas!
Nenhum dos dois poderia mais ser rei;
Assim rezava do país a lei:
Dois aleijados!
Pois o rei velho, mal e mal, ainda enxergava
E mesmo trôpego, ainda caminhava,
Seu cetro por bengala!
Porém o reino ficava sem herdeiro!
Ninguém sabia de Pafúncio o paradeiro:
Foi um pavor!
E alguns diziam que a feia Marilúnia,
Mesmo sendo filha do Rei da Catalunha,
Era uma bruxa!
A RAPOSINHA XXII
Mas Marilúnia foi o unguento preparar,
Com a saliva do papagaio; e fez sarar
A cegueira do rei!...
E ela indicou o buraco retirado,
Em que Pafúncio fora abandonado,
Na encruzilhada...
Mas o rapaz não morrera de verdade:
A espada era mágica e a maldade
Toda revertera!
O outro cavalo toda a terra retirara,
Com os cascos; e o Príncipe acordara,
Sem qualquer dano!
E quando o pai o saiu a procurar,
Já no caminho estava a cavalgar,
Espada à cinta!
Abraçaram-se os dois, bem satisfeitos;
Depois o rei abdicou de seus direitos
E deu-lhe o trono!...
Casou-se então com a princesa Marilúnia
E chegou uma procissão da Catalunha
Com mil presentes!
Pois se tornou El-Rei Gabriel Primeiro
E governou, com braço bem certeiro,
Por muitos anos!...
A RAPOSINHA XXIV
Os maus irmãos morreram no hospital,
Como castigo por fazerem tanto mal,
Que o bem triunfa!
E o papagaio e o cavalo ainda viveram
Por muitos anos e até mesmo conheceram
Os filhos de Gabriel!...
E ele venceu, após ser imprudente,
Pois aprendeu, por ser inteligente,
Com os próprios erros...
E governou seu reino em muita paz,
Porque é assim que ao povo feliz faz
Um rei que é bom!
Mas é uma coisa triste, infelizmente,
Que a experiência sirva a pouca gente:
Não aprendem nada!
Ficam somente a repetir seus erros,
Para depois chorar e darem berros,
Por seu azar!...
Pois teus erros podem ser teus inimigos,
Ou os podes transformar em teus amigos,
Sem ser traiçoeiros...
Pois dir-te-ão: “Olha, lembra-te de mim!
Tu não precisas fazer de novo assim!
Nunca me esqueças!...”