A LANTERNA DE LUC
Aquela noite estava realmente linda. A lua cheia exibia-se faceiramente no céu, enquanto que as estrelas piscavam, piscavam como se quisessem realizar mais uma conquista.
Rua pacata onde se podia trafegar serenamente, de um momento para o outro sofrera uma metamorfose. Carros dos mais variados padrões de beleza e preço estacionavam em frente à casa 197 da Rua do Sol, residência do casal Luccerni.
Migrantes italianos que pisaram o solo pátrio em busca da realização do sonho impossível tornaram-se conhecidos dentro de pouco tempo através da casa de pizzas “Luce”. Delicados e dóceis para com todos, conquistaram facilmente uma grande e fiel clientela que sempre lotava as suas dependências, o que obrigou Gino e Bruna, a tornarem efetiva a ampliação da pizzaria, para melhor servi-los.
Em menos de dez anos, uma rede de estabelecimentos “Luce” havia se espalhado pela capital paulista. Estavam realizados. O denodo, a determinação, o trabalho, valeram a pena.
Algo, porém, os angustiava: não tinham filhos. Submetidos a todos os tratamentos possíveis e imagináveis em clínicas de reprodução humana renomadas, receberam o diagnóstico apreensivos e tensos: o sêmen de Gino não continha espermatozóides vivos (azoospermia). Filhos biológicos não poderiam ter. Isto recaiu sobre eles como um raio de fogo consumindo de vez todas as suas esperanças e o seu sonho maior. Despediram-se do médico e, de mãos dadas, saíram dali, mudos, a cabeça em turbilhão e o coração inquieto e agitado.
Dias e meses passaram. A cicatriz dos seus corações ainda não havia sarado por inteiro. Alguma sombra restara e ainda incomodava.
Mas naquela noite tudo estava diferente. Os carros, as pessoas que iam e vinham, as luzes, a alegria, os abraços, os risos, gargalhadas, cumprimentos, beijos... O ambiente denotava alguma coisa radiante. A notícia de toda aquela euforia confirmou-se em breve espaço de tempo, quando a irmã de Andréa comentou com uma amiga da família, a presença de um nenê dentro de uma caixa de papelão, com poucas horas de nascido. Apenas um bilhete em papel de embrulho e letra tremida o acompanhava: “Quero luz!”
Gino e Bruna saíram apressados. O motorista dirigia em velocidade maior do que a velocidade habitual, para que o “presente de Deus” fosse atendido com a maior urgência possível, por uma equipe médica. Os olhos de Gino brilhavam... Dos olhos de Bruna caíram duas lágrimas, duas pérolas de luz que brilhavam ao reflexo das lâmpadas de mercúrio.
No intervalo da consulta prolongada e multidisciplinar, o regozijo inundava os seus corações na ante-sala daquele consultório. Que Deus maravilhoso! Que Deus fiel! Parecia um casalzinho em lua-de-mel. Aquela criança não era fruto das entranhas de Bruna, mas com certeza era fruto dos seus sonhos e da sua esperança de um dia ser mãe. Gino sorria, esfregava as mãos, cantarolava baixinho...
De repente, pela porta entreaberta, derrama-se um foco de luz radiante e de um brilho lindo. Dr. Adamo aparece sorridente. Bastaria este sinal. Ele o interpretou com palavras:
- Bem, o nenê está ótimo. Não poderia estar melhor. Alguns instantes e vocês o terão entre os braços. Uma sugestão apenas: que tal chamá-lo Luc?
- Dr. Adamo, por que Luc? – Bruna questionou.
- Luc irradia luz. Dentro do meu coração sinto que a sua missão será linda! Será um instrumento de Deus que levará a paz, a alegria e a esperança por onde passar.
- Obrigada, doutor. Gino, Gino... Lá vem o nosso Luc.
Passos apressados dirigiram-se até a porta e o acolheram entre os braços - ninho de aconchego, ternura e amor.
O retorno para casa foi rápido. A festa improvisada ultrapassava o encontro dos dois ponteiros do relógio “cuco” da sala de visitas. Noite de alegria. Noite de sonho. Noite mágica.
A dedicação dos pais gerava comentários e elogios. Luc crescera. Dez anos já o separavam do primeiro encontro. Inteligente, meigo, estudioso, sobressaia-se das demais crianças pela sua vivacidade e mansidão. Observador atencioso dos acontecimentos queria saber os “porquês” de tudo. Atualizado, causava-lhe horror e espanto ver seres humanos em guerra, dizimando-se entre si para obter a paz. Incomodava-se, inconformava-se. Sofria... O que fazer?
Uma noite, antes de dormir, ajoelhou-se ao pé da cama e pediu ao Senhor que o ajudasse. Que lhe mostrasse algo que pudesse fazer concretamente para que a paz, a alegria e a esperança fossem semeadas em lugar da violência, da tristeza e da desesperança. Adormeceu e sonhou que andava por um vale muito verde repleto de árvores cheias de frutos, pássaros, ninhos, flores, fontes... e no final um arbusto de folhas multicoloridas. Aproximou-se. Em baixo, escorada no tronco, uma lanterna. Abaixou-se, tomou-a nas mãos, observou-a com cuidado. Havia três botões de cores diferentes. Nesse instante ouviu:
- Apertando o botão branco você semeará a paz; o azul, a alegria; e o verde a esperança. A bateria terá o tempo de duração da sua vida.
Luc acordou sem entender o significado daquele sonho. Esperou.
Decorridos alguns dias, num fim-de-semana de lazer, o esperado concretiza-se: seguem os três alegremente por uma trilha que termina exatamente no vale do sonho. Luc desgarra-se dos pais e corre aceleradamente até o arbusto. Eles estão entretidos e não percebem que o menino apanha a lanterna. Parecia comum. Uma lanterna como outra qualquer. Sua dimensão era pequena. Caberia perfeitamente dentro da mão de um homem. A bateria e os botões estavam lá. Lembrou-se da duração da sua vida... Ainda tinha dez anos. Qual o tempo de duraria daquela bateria? Luc colocou-a ligeiramente no bolso da bermuda e amarrou a camiseta à cintura para que Bruna e Gino não fossem despertados pela presença do pequeno volume. Luc tornava-se o sinônimo da felicidade.
No domingo pela manhã um pequeno entrevero entre Gino e Bruna anunciava que a oportunidade avizinhava-se. Discutiam e acusavam-se reciprocamente pelo esquecimento de um “short” de banho. Aumentaram o tom de voz. Quando Luc percebeu que os gritos inevitavelmente quebrariam todas as normas para a pré-existência da paz, de longe apertou o primeiro botão da lanterna. Um facho de luz branca inundou o ambiente e, gradativamente, uma atmosfera de uma paz envolvente foi tomando conta dos dois; seus semblantes iluminados iluminaram-se; um abraço e um beijo de acolhimento e ternura puseram um ponto final na discussão. Luc estava perplexo. A luz branca que os envolvia não era vista pelos dois. Somente ele via. Era um facho de uma luz branca e pura. Brilhante, mas que não feria os olhos, atingia os corações. Luc tornara-se um sinônimo de felicidade.
O domingo se fôra. Retornaram por volta das 16:00h. Ao chegar a casa Luc retira a lanterna do bolso e guarda na gaveta do criado-mudo, por baixo de alguns papéis. À noitinha, participaram da Santa Missa. Reconciliaram-se no Ato Penitencial; abraçaram-se desejando e formulando votos de paz; comungaram o Corpo e o Sangue do Senhor – força para a nova semana que se inicia. Às 22:00h a casa dos Luccerni é iluminada apenas pela lanterna de Luc.
A segunda-feira desponta com cara de alegria. O sol parece mais bonito; as flores mais vistosas; os pardais mais barulhentos; as árvores mais acolhedoras. Tudo canta! O mundo está todinho azul. Luc despede-se dos pais na porta da escola com um “Deus te abençoe!”
Na hora do recreio Luc nota que alguma coisa não está legal com Ig.
Aproxima-se e descobre em algumas palavras o motivo: ele havia brigado com o seu melhor amigo e estava muito triste. Até ele virou o rosto para não se deixar ver chorando... Afastou-se um pouco, respeitando o sentimento do colega, colocou a mão no bolso e acionou o segundo botão. Um facho de luz azul atravessou o tecido de sua calça e cobriu Ig totalmente. A transfiguração foi imediata. Seus olhos brilharam; a decisão de pedir perdão ao amigo acendeu-se em seu coração; e um sorriso de alegria pura desabrochou na sua face tímida. Ig estava alegre. Ig estava feliz.
Desesperança vivia intensamente Mena. O namoro tão sonhado e querido esmaecera. O pai interno com cirurgia cardíaca marcada, a insegurança... Não estava vivendo; qualquer um poderia denominá-la uma morta viva. Luc aciona o terceiro botão. Um clarão de luz verde fixa-se sobre ela. Raios de esperança reavivam a sua fé. As incertezas e dúvidas se dizimam. Mena renasce outra vez para o amor.
Era demais para Luc. A perplexidade e o êxtase diante de tantas maravilhas faziam-no refletir nos seus dez anos de menino escolhido por Deus para realizar uma missão: “Se eu pudesse viajar pelo mundo as guerras não existiriam mais; se eu pudesse entrar na casa de cada família, as discórdias deixariam de existir; onde houvesse tristeza eu seria o semeador da alegria; e mesmo das cinzas, reacenderia o fogo das esperanças mortas. O mundo precisa de paz, de alegria, de esperança – alicerces do amor verdadeiro. Os homens matam-se e morrem em busca de tudo isso que lhes faz sentido, e o sentido sedimenta-se nas raízes do não ser e do não querer. Vivem como se não vivessem; morrem como se não morressem. Bastaria uma lanterna, a minha lanterna. Se me fosse permitido espargir fachos de luz branca, azul e verde pelo mundo inteiro, o mundo seria o próprio Reino de Deus. Mas eu sei que a luz da minha lanterna um dia poderia falhar, ou enquanto a bateria fosse descarregando, desse origem a um efeito contrário. Existe uma luz que não se apaga; que não depende da carga de uma bateria; que ilumina o corpo, a alma e o coração. Esta luz é diferente da luz da minha lanterna. Quando a bateria descarregar, esta luz ainda continuará brilhando, brilhando, no seu brilho sem fim. Ele falou um dia: “Eu sou a Luz do mundo”. Esta sim, é a verdadeira Luz.
Seu nome? JESUS DE NAZARÉ.
Gino e Bruna desceram do carro e dirigiram-se ao lugar de costume.
O banco estava vazio. O ginásio coberto da escola, no entanto, estava repleto. Pais, mães, colegas, amigos e professores, estavam em festa. Os pais de Luc aproximaram-se. Estendido entre três fachos de luz, jazia, no centro da quadra, o corpo inerte do filho. Visível agora a todos os raios ultrapassavam os limites do ginásio. Depois, invisíveis pela distância, continuavam o percurso, passando além das ruas, dos bairros, da cidade, do país e se perdendo nos confins de toda a terra. E durante aquele instante tão fugaz, o mundo vivenciou a paz, a alegria e a esperança. Bruna e Gino não choraram. Dos seus lábios, Luc renascia de dois sorrisos de luz. Tomaram-no entre os braços e o levaram. Por certo encontraram em seu bolso uma pequena lanterna com a bateria descarregada, contendo três botões de cores diferentes, que permaneceu no seu quarto, dentro da gaveta do seu criado-mudo. Logo depois, o após.
São decorridos quarenta anos desses fatos. Gino e Bruna já estão bem velhinhos. Eles não sabem da estória. A lanterna continua no mesmo local e o mundo não mudou. A bateria não é recarregável. A lanterna foi importante, mas muito mais importante foi a luz que ela emitiu.
O mundo necessita urgentemente de instrumentos de Deus mudem as trevas em luz. Os homens necessitam que eu e você sejamos lanternas autênticas que irradiem a Luz Verdadeira: Jesus. Se for preciso, voltemos aos nossos dez anos ou vivamos apenas dez anos a mais, não importa. O importante é trazer sempre no criado-mudo do nosso coração a lanterna de Luc, e deixar-se iluminar, iluminando o mundo.
ALMacêdo