A FILHA DO GIGANTE

A FILHA DO GIGANTE

(Folclore alemão, recontado por William Lagos, 17 out 11)

A FILHA DO GIGANTE I

Tempo houve em que nas terras da Alemanha

habitavam famílias de gigantes.

Eles viviam no alto das montanhas

e suas habitações eram tamanhas

que eram inacessíveis aos humanos.

Eram tempos estranhos os de dantes,

que a imaginação atual quase não ganha,

perdidos entre as brumas desses anos.

É difícil imaginar como viviam

esses gigantes do longínquo outrora,

pois com as gentes não se misturavam,

mas em lugares desertos habitavam

e só se viam muito raramente,

durante as tempestades, ou na hora

em que os camponeses já dormiam,

sendo acordados por seu andar potente.

Havia três espécies de gigantes:

não eram os Riesen tão altos assim,

de três a quatro metros a sua altura,

suas cavernas escondidas na lonjura

e raramente atacavam os pomares,

os trigais ou as vinhas. Outrossim,

eram broncos e pouco interessantes,

dormiam muito no intervalo dos andares.

A FILHA DO GIGANTE II

Na maioria, viviam de caçar

ou de colher as nozes da floresta.

Faziam diques à moda dos castores,

para pescar eram madrugadores

e evitavam os humanos, com cuidado,

com exceção talvez dos dias de festa,

quando de longe os ficavam a espiar,

muito curiosos sobre as feiras e o mercado.

Mas mesmo assim, eles eram perseguidos,

por um pretexto qualquer ou por maldade,

embora fossem quase sempre inofensivos.

Comiam muito, por viver ativos

e era no inverno, quando escassa é a banha,

que os camponeses inventavam falsidade.

Por causadores da seca eram mantidos,

por suas represas nos riachos da montanha.

Então se armavam e usavam peles grossas

para enfrentar a neve dos caminhos,

juntavam-se em grupos numerosos

e palmilhavam os atalhos perigosos,

cheios de raiva quando se machucassem

em avalanches ou nas moitas dos espinhos

e aos gigantes imputavam essas mossas

seguindo em frente até que os encontrassem.

A FILHA DO GIGANTE III

Muitos gigantes mataram expedições

e foram outros capturados como escravos.

Embora fossem pouco inteligentes,

executavam as tarefas mais ingentes.

Grandes barricas de água transportavam,

enfrentavam os lobos e ursos bravos,

os arados puxavam e os carroções;

obedeciam e nunca se queixavam.

Eram bem úteis durante a semeadura

e ainda mais úteis na colheita.

Do árduo esforço nunca reclamavam

e silenciosamente executavam

todo o labor que deles se exigia,

dormiam pesadamente, a obra feita,

nos estábulos e celeiros, sorte dura,

comiam feno e o que a gente permitia.

E muitos deles viviam longamente

durante os tempos de prosperidade.

As gigantas cuidavam das crianças,

boas babás, que não tinham esperanças

de terem algum dia os próprios filhos

e assim viviam, sem mostrar maldade,

apesar de sua força e sua imponente

altura, seres simples e sem brilhos.

A FILHA DO GIGANTE IV

Mas muitas vezes, por pura crueldade,

mesmo sem darem para tal motivo,

ficavam presos e até acorrentados

e embora trabalhassem, açoitados.

Os monstros mesmo eram os humanos,

pelo prazer de seu orgulho altivo

e as pobres bestas, cheias de humildade,

nem reagiam aos golpes desumanos.

Mas o pior era ao chegar do inverno,

quando às vezes os alimentos escasseavam.

Eram expulsos para a tempestade,

que morressem de frio, sem caridade.

E até se conta que, durante a fome,

algumas vezes os humanos os matavam

para se alimentar, canibalismo interno,

que muita vez até o viandante come.

E foi assim que sumiram os gigantes,

pois não chegavam a se reproduzir

e eram mortos sem consideração,

até os Riesen ser levados à extinção.

Hoje só sobrevivem nessas lendas,

que outrora se escutava repetir,

hoje julgadas fantasias delirantes,

mas ainda há ossos espalhados pelas sendas...

A FILHA DO GIGANTE V

Havia uma segunda raça de gigantes,

chamados trolos, que eram perigosos,

embora fossem também de carne e osso,

passavam os dias em profundo fosso,

já que nunca suportavam a luz do sol

e se dizia que seus raios poderosos

os transformavam em pedra; e os caminhantes

ainda apontam suas feições ao arrebol.

Existem em muitos pontos da Alemanha

essas colinas que afirmam ser gigantes,

convertidos em pedra à luz do dia,

embora à noite mostrassem alegria

e as colheitas dos homens depredassem

e os pomares atacassem, incessantes

e lhes causassem destruição tamanha

que a fome com frequência provocassem.

Não é de admirar fossem odiados,

porém eram enormes e temidos.

Seus gritos se escutavam junto ao vento,

seus braços a mover em cata-vento.

Mas não havia armas que os tocassem

e os humanos esperavam, encolhidos,

enquanto viam seus celeiros derrubados

e por todos os prejuízos lastimassem...

A FILHA DO GIGANTE VI

Assim, após chegar a luz da aurora,

quando se erguiam os pobres camponeses,

só podiam os seus danos avaliar

e lhes custavam um longo trabalhar,

até os estábulos e casas recompor,

seus animais sumidos muitas vezes:

somente os ossos encontravam nessa hora,

aumentando ainda mais o seu rancor.

Até que, finalmente, se reuniam,

para atacar os trolos sob a luz.

Usavam foices, facas e machados,

relhas de arado, adagas e forcados

e os iam procurar nos seus covis,

pois se ocultavam do dia que reluz

no fundo de cavernas e dormiam,

após comer cada qual o quanto quis!...

E quando os atacavam, as ferramentas

logo quebravam contra as peles grossas,

mas, às vezes, as artérias lhes cortavam

e o sangue cinza esguichar já provocavam,

formando estalactites nas cavernas,

mil colunas de gesso nas suas fossas.

Outros levam consigo imagens bentas,

na esperança das proteções eternas...

A FILHA DO GIGANTE VII

Mas, em geral, tinham fracos resultados...

Chegada a noite, erguiam-se, furiosos,

os trolos malferidos no seu sono

e procuravam de seu mal o dono,

a destruírem igrejas e aldeias,

enraivecidos por talhos dolorosos,

enfraquecidos, linfa e sangue derramados

dos cortes fundos rasgados em suas veias.

E assim, era pior para os aldeões

ter atacado tão fortes inimigos...

Até que um camponês mais atilado,

teve a ideia de puxá-los para o lado

de fora de suas grotas e cisternas.

E se reuniam, nesses tempos tão antigos,

cada um portando correntes e grilhões,

puxando os monstros para fora das cavernas!

Então, reunidos em grupos numerosos,

aldeões e camponeses, às centenas,

amarravam as pernas dos gigantes

e após mil esforços incessantes,

os conseguiam trazer para o exterior,

observando de longe as feias cenas,

dando os gigantes brados pavorosos,

enquanto se queimavam no calor!...

A FILHA DO GIGANTE VIII

E a pouco e pouco, os trolos acabaram,

mostram alguns no alto das montanhas,

como rígidas figuras em pedra branca...

Seu longo sono às vezes a noite estanca

e então mexem os olhos ou os dedos,

mas os corpos são soldados contra as canhas

e nunca mais as cabeças levantaram:

só Deus sabe o que sonham em segredos!

Houve também algumas ocasiões

em que estavam escondidos muito fundo.

Então os homens amontoaram lenha

e fizeram suas fogueiras dentre a penha.

Eles gemiam, mas não se levantavam,

durante o dia o estupor era profundo,

mesmo escondidos nesses matacões

e assim, inteiramente se queimavam...

E foi destarte que essa raça terminou.

Alguns fugiram durante as longas noites.

Existem uns nos altos do Himalaia,

na Sibéria e Canadá ainda há sua laia,

mas evitam quanto podem os humanos

e sob a neve fazem seus pernoites...

Comendo terra e o gelo que restou,

perderam a inteligência e são insanos.

A FILHA DO GIGANTE IX

Mas existiam os gigantes verdadeiros

chamados Jötun, que alguns dizem papões.

Esses tinham a altura de montanhas

e para encher as vastíssimas entranhas,

comiam as pedras que achavam pela frente

e endureceram assim seus corações.

Não se imiscuíam em searas ou terreiros,

viviam nos altos, em geral, perpetuamente.

E na verdade, mal conhecem os humanos:

são tão pequenos que só os olhos mais agudos

os podem enxergar permeio aos vales.

Quando mulheres percebem nos seus xales,

pensam que sejam insetos pequeninos.

Não nos escutam e imaginam sermos mudos

e nem sequer se transformam em tiranos,

salvo em momentos, quando ainda são meninos.

Então, quando se encontram viajantes,

atravessando os passos das montanhas,

algumas vezes espreitam dos penedos

e seguram os passantes entre os dedos.

Para eles, são formigas essas vidas

e lhes demonstram inocentes sanhas,

como crianças humanas, semelhantes,

a mutilar as borboletas coloridas...

A FILHA DO GIGANTE X

Mesmo estes não desciam nunca aos vales,

nem às montanhas subiam camponeses.

Uns plantavam, colhiam e comiam,

outros somente rochas digeriam.

Cada espécie vivia a própria vida

e só lembravam, do inverno aos meses,

na longa espera que do frio passem os males,

contando lenda muitas vezes repetida.

Que no alto da montanha mais altiva

havia um castelo de muralha imensa,

chamado Burg Niedeck, onde habitava

o rei dos Jötun, a quem não se enxergava,

mas que sabiam ter morada ali

e corria entre eles velha crença

de profecia bem vetusta e incisiva:

"De meus próprios avós foi que eu ouvi!..."

Afirmava com frequência o narrador.

"Steifenarmen é o dono do castelo,

tem braço duro e duro o coração,

já esmagou sob os pés muito ermitão

e estremece a montanha quando anda,

é totalmente impossível a alguém detê-lo,

seu sopro frio congela nosso ardor

e a avalanche ao se mover desanda!"

A FILHA DO GIGANTE XI

"A nossa sorte é que se move devagar

e não deseja devorar nossos rebanhos.

Mais de um exército no passado derrotou

e a marca de seus pés aqui deixou!

São esses lagos que se encontra pelo vale,

todos compridos e estreitos em tamanhos.

Cria geleiras no momento de urinar...

Se alguém duvida, melhor é que se cale!..."

Os seus ouvintes, em geral, eram crianças,

que adoravam tais histórias de arrepio

e embora se passassem gerações

desde que houvera as últimas visões,

Steifenarmen era ainda nome de assustar

as crianças que brincavam junto ao rio

e não queriam interromper as suas andanças

quando chegava sua hora de deitar...

Porém a lenda era ainda mais elaborada,

pois mencionavam uma velha profecia

de que no dia em que um camponês subisse

até Burg Niedeck, ou assim se disse,

Steifenarmen desapareceria,

e tão somente seu castelo ficaria,

como uma rocha grosseira e abandonada,

e nunca mais à Alemanha voltaria!...

A FILHA DO GIGANTE XII

Contudo, objetavam os adultos:

"Por que motivo se haveria de querer

que Steifenarmen desaparecesse?

Se não perturba nem pomar nem messe,

se seus passos terremotos não provocam,

se mal algum costuma nos fazer?

Se nem no vento nos dirige insultos,

se seus passos avalanches não deslocam?"

E a isso redarguia o narrador:

"Concordo que Steifenarmen não é mau,

mas ele é o rei dos Jötun da Alemanha

e existem outros de muito pior manha...

Assim, se dele conseguirmos nos livrar,

não será livre somente o nosso Gau,

nosso distrito, mas de qualquer terror

que as terras alemãs possa assolar!..."

Mas Burg Niedeck ficava nas alturas,

lá no cume de altíssima montanha

e os camponeses incentivo não sentiam

e a escalada assim nunca empreendiam.

A maioria simplesmente achava

que não passava de tolice ou manha,

só para ouvidos de crianças puras,

mas que sequer o mais tolo acreditava!

A FILHA DO GIGANTE XIII

Mas Steifenarmen existia realmente

e criava sua família em tal mansão,

tinha filhos e muitos empregados

e ali viviam, bastante descuidados.

Alguns até achavam que os humanos

eram lendas destituídas de razão.

E sendo o verde da floresta indiferente,

descer aos vales era coisa para insanos...

Pois na verdade, acreditando ou não,

há muito fora a velha senda abandonada

que percorria o seu desfiladeiro.

Havia caminho muito mais ligeiro,

construído desde o tempo dos romanos.

E a gente humana era somente mencionada

durante os longos dias do verão,

quando seus reis dormiam, soberanos.

E os séculos se passaram, lentamente,

os gigantes comendo pedra e neve,

os humanos semeando e então colhendo,

durante a noite descansando e adormecendo,

enquanto dos gigantes se esqueciam.

Às altas penhas subir ninguém se atreve

e nem tampouco acreditava realmente

nesses gigantes que há séculos não viam!

A FILHA DO GIGANTE XIV

E os Jötun suas encostas perfuravam,

buscando sempre novos minerais,

com os quais temperavam o alimento,

de ouro e ferro tiravam seu sustento,

para mudar o sabor da pedra crua

e utilizavam como açúcar os cristais,

para corantes, esmeraldas esmagavam,

fazendo vinho a partir da rocha nua...

Havia outros, decerto, mais ruidosos.

No extremo norte habitava Rubezahl,

o "Conta-Nabos", com um desejo primordial

que jamais satisfaria ao natural,

pois desejava casar com uma donzela.

Mas eram feitos de diferente material,

até a mais alta de estatura bem normal

e comer pedra provocaria a morte dela...

Já na Silésia vivia Verlioka,

que era um pouco menor do que os demais,

acostumado a beber sangue animal,

até tornar-se em perigoso canibal:

carne de gente misturava em seu mingau

de pó de pedra adicionado a minerais,

que preparava bem no fundo de sua toca.

Esse, sem dúvida, era um gigante mau!

A FILHA DO GIGANTE XV

Porém Steifenarmen e sua gente

nem sequer encontravam os humanos,

embora não fossem exatamente bons,

eram apenas surdos a outros tons,

cuidavam tão somente de sua vida

e assim viveram por tão longos anos,

lá em Burg Niedeck, a penha ingente

e sua história seria ainda mais comprida

se não fosse brincadeira de criança...

Tinha o gigante uma filha bem pequena,

chamada Frederiska, de apenas cinco anos,

mal aprendera as lendas dos humanos...

Tinha cabelos de um louro platinado,

as faces claras como branca é a açucena,

os olhos verdes, qual verde é a esperança,

menina linda, quase um sonho revelado...

Mas Frederiska era lépida e ligeira,

como toda a criança de sua idade

e não ficava só no pico da montanha,

mas sua curiosidade era tamanha

que para baixo cada vez mais descia...

Deitava no capim que, na verdade,

eram árvores de fronde sobranceira

e com os dedinhos os regatos entupia...

A FILHA DO GIGANTE XVI

E assim, cada vez mais ela descia,

até chegar do vale na beirada.

Deslumbrada com as cores das colheitas

foi deitar-se no solo, sem suspeitas,

observando os minúsculos insetos,

em sua atividade azafamada,

até ver um camponês, que conduzia

uma carroça atopetada até os tetos!...

Frederiska ainda era bem pequena:

tinha a altura da torre de uma igreja...

Assim, seus olhos conseguiam perceber

o que um adulto já não podia ver...

E ficou encantada com o brinquedo,

em suas mãos a carroça logo adeja,

o cavalo e o camponês, na mesma cena,

pouco maior que o comprimento de seu dedo...

E assim, perdida no seu encantamento,

sem perceber o que trazia na mão,

tirou o lenço que lhe prendia as madeixas,

sem escutar do camponês as queixas

e o envolveu com a carroça e seu cavalo...

Subiu correndo, na maior excitação,

para mostrar a alegria do momento,

galgando bem depressa rocha e valo!...

A FILHA DO GIGANTE XVII

E chegada ao castelo, bem contente,

o seu brinquedo foi ao pai mostrar.

Steifenarmen, a princípio, nada via...

Firmando os olhos, porém, já compreendia

a enormidade dessa travessura!...

A menina se assustou com seu gritar,

tomou-lhe o lenço, bem rapidamente,

e desceu a correr da imensa altura...

E lá embaixo, largou-o com cuidado:

somente um susto sofrera o camponês,

que da aventura pouco percebera,

pois num nevoeiro envolvido se entendera.

Examinou a carroça, lentamente,

de algumas estilhas o balanço fez.

Viu que o cavalo não estava machucado

e voltou para sua casa, prontamente.

Mas Steifenarmen retornou ao castelo

e viu que se tornara transparente...

Pois assim a profecia se cumprira:

um camponês a Burg Niedeck subira

e todos tinham de desaparecer!...

Para evitá-lo, o gigante era impotente.

Entrou depressa em seu palácio belo,

para com ele também desvanecer!...

A FILHA DO GIGANTE XVIII (Epílogo)

E com ele sumiu-se Rubezahl

e todos os outros Jötun da Alemanha.

Foi-se Verlioka, esse gigante mau,

que misturava gente em seu mingau!

E hoje em dia, a Alemanha inteira

não sofre mais a gigantesca sanha.

Mostram somente estátuas, afinal,

provavelmente mais por brincadeira...

Foram os gigantes para a terra antiga

de Jötunheim, lá nos confins do norte.

Steifenarmen vive bem, na nova sina,

mas é Ymir que no reino ainda domina.

E Frederiska, muito arrependida,

fui punida somente pela sorte.

Seu pai perdoou-lhe a infantil intriga,

casou-se cedo e levou adiante a vida...

E assim ocorre entre nós também,

de muitos males é mãe a imprudência...

Quanta coisa realizada sem pensar

um mal maior a todos vem causar!...

Hoje a Alemanha é livre de gigantes,

devido a um simples ato de inocência,

mas durante as tempestades que se tem,

ouvem-se ainda seus brados triunfantes!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 01/12/2011
Código do texto: T3365769
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