O coelho Joca gostava da Lili, filha de um coelho muito bravo. Um dia criou coragem e foi até a casa do pai dela.
—Bom dia seu Cuêio.
—Bom dia...Tô curioso pa sabê, qui assunto te traiz aqui na minha casa?
—É qui ieu quiria namorá e dispois casá cum vossa fia Lili...Sinhor Cuêio pai.
—Uai, rapaiz, qui assunto é esse? Ieu nem ti cunheço sô!
—Ieu sô o Joca... Fi da Dona Cuéia custurêra...E a sua fia tamém gosta de mim...
—Nunca vi falá nocêis. Pá casá ca minha fia, num é quarqué pé rapado qui serve não, tá mi iscutano?
O Coelho pai não queria prosa com Joca e para se livrar dele, teve uma boa idéia:
—Dêxo ocê casá cum a Lili, mais tem uma condição: —Cê tem qui mi trazê essa cabacinha cheia de leite de onça. E tem mais! Vai tê qui tirá o leite da pintada nas nossas vista. Se dé conta de fazê isso, casa cum minha fia e ainda te dou uma roça cheia de cenouras para começar a vida.
Joca era um coelho decidido, esperto e estava apaixonado. Pegou a cabacinha e foi embora.
Na mata, sem saber como tirar leite de uma onça, percebeu que era observado por uma das grandes. Aí, começou andar de um lado para outro dizendo:
—Nunquinha qui a Dona Onça dá conta! Num dá memo...É fraquinha, a coitada...
A pintada espreitava ali, querendo pegar o coelho, acabou ficando curiosa e apareceu:
—Quê qui ocê tá dizeno aí Cuéio ? Num dô conta du quê?
—Liga não. É bobage minha, tô falano suzin ...
—Fala sô! Quero sabê.
—Bão...É qui os bicho dessa mata tão falano mal da sinhora.
—Oia, oia, ieu pego e como essa bicharada tudo heim? Qui tão falano de mim?
—Ah, ieu num sô fofoquêro, mais disséro qui a sinhora é ruim de leite e qui seus fiote tão mirradim e tudo morreno de fome.
—Mais qui mintira! Levo ocê laimcasa pa mode vê cumé qui ês tá tudo gordim. Umas belezinha qui só veno.
—Vai diantá nada não Sá onça, ieu vejo, mais ninguém vai querditá qui a sinhora dá munto leite, só si tivé uma prova...
—Prova?
—É, ieu acho qui si a sinhora dé conta di enchê essa cabacinha de leite, nunca mais ninguém vai falá qui seus fiote tá morreno a mingua, todo mundo vai vê qui a onça mais grandona e mais braba aqui desse mato dá leite pá daná.
—Dá essa cabaça aqui! Vô enchê esse trem é agora memo.
—Pêra lá dona Onça...Agora não! Acho mió amanhã de manhãzinha, aí dá tempo de juntá mais leite de noite, dispois, nóis si incontremo aqui e eu ajudo a tirá, mode qui eu acho até um disaforo esse povo aqui do mato fala mal assim duma mãe de famia tão boa e dedicada qui nem a sinhora.
—Cumbinado Cuéio! Amanhã cedim eu tô aqui sem farta, quero mostrá pa essa bicharada invejosa quem é a onça mais boa de leite, que tem os fiote mais bunito desse mato, vô enchê essa cabacinha inté intorná.
O coelho muito esperto reuniu toda a família da namorada e todos os bichos atrás das moitas, para que assistissem à ordenha da onça.
De repente, ela aponta enorme, rosnando.
—Pronto, ieu tô aqui, mi dá logo essa cabacinha pra eu enchê de leite.Tô cum pressa.
—Pêra lá dona Onça...Já ouvi dizê qui vaca dá munto leite é quando o dono pia as pata dela cuma cordinha.
—Piá? Cê tá quereno amarrá ieu Cuéio?
—Só quero ajudá, si a senhora num dexá num faiz male, mais qui dá mais leite lá isso dá...
—Ieu sô onça, num sô vaca, uai! Mais quero disabusá esse povo aqui do mato, pode mi piá.
O coelho pegou as cordas, amarrou as patas traseiras da onça e todo convencido, piscou para os bichos assombrados, que assistiam tudo atrás das moitas. Sentou-se numa pedra e começou a tirar o leite direto na vasilha, enquanto a onça ronronava. O velho Coelho pai, futuro sogro, ficou abismado com a coragem do Joca, não podia acreditar no que via. Aquele coelhinho miúdo ordenhando uma enorme onça, que permanecia quietinha feito uma vaquinha mansa no curral.
Ao terminar, desatou o nó, cochichou algo no ouvido da pintada e deu um tapinha no seu lombo.Depois disso, a onça se embrenhou na mata levantando as folhas secas com seus passos rápidos. Aí, Joca se aproximou do pai da namorada e lhe entregou a cabacinha cheia de leite de onça, cumprindo o trato, o que obrigou o futuro sogro a lhe dar a mão da filha em casamento e ainda uma das roças de cenoura como presente. Joca e Lili se casaram e foram muito felizes.
                      
                      

Dicionário mineirês:

Cabaça: Fruto de uma planta da família das cucurbitáceas, que tem aproximadamente a forma de uma pêra. Na roça a gente usava muito para carregar água.

Disaforo:Afronta, atrevimento.

Disabusá: Mostrar, provar, tirar do erro.

Mirradin:fraquinho, doentinho.

Piá: é pear, amarrar.

Este causo quem me contou foi o Renato da Maria Rosa. Ofereço o texto aos seus netinhos: Renata e Pedro.
Também o dedico ao poetinha Israel Carvalho, que aos 7 anos, segue os passos do pai, o colega recantista, poeta Sérgio Márcio de Bambuí. Israel, tem página no Recanto das Letras, menino muito talentoso. Um abraço carinhoso a todos.