O cachorro de rua
Era um cachorro de rua sempre com os olhos na lua quando sentava embaixo de um banco da praça. Nas noites estreladas, quando os meninos brincavam de esconde-esconde, pensava em ter um amigo para brincar também.
Passou o dia procurando um osso para comer. Suas patas reclamaram do calor do chão e quando estava quase na porta do mercado, teve de correr de alguns carros. E se escondeu num lugar longe. Num lugar sem água ou comida, onde apenas havia a sombra das carnaúbas.
Sem estar vendo um homem que procurava a carroça, cortou-se num espinho quando cheirava o chão. Então passou um dos dias mais insólito de sua vida.
O homem trazia uma corda nos ombros. Ele era alto, magro, branco e tinha um rosto zangado. Sabia quem era. Na rua, chamavam-no “Palheta”, com uma risada de deboche. Mas a criança, que o acompanhava, tinha um sorriso tão belo e largo que o cão deixou-se ser pego.
As galinhas ciscavam o terreiro alvo nos fundos da casa. Por onde andaria a dona da casa? Algumas mulheres corajosas saíam para trabalhar em casas de família e só retornavam à noite. Com uma grande dose de cuidados, acordavam cedo e faziam as tarefas rotineiras do lar. Às vezes saíam para o trabalho antes de os filhos acordarem.
A viagem foi calma nas pernas do menino. Quanto ao homem, vinha um som de quem não gostou da atitude do filho. Mas a sede e a fome eram tantas que o movimento da carroça parecia um balanço com ar de sonolência. E o lugar onde estava cheirava de tal modo a banho de bebê...
Uma noite um alfaiate apontou a tesoura para o rabo de um cachorro e este teve de fugir rapidamente. Já era grande, muito peludo e robusto. Que latido tão alto! Tão alto que parecia medo.
Sempre com uma calma, esperou o menino lhe trazer água e comida no pé de goiaba onde foi amarrado. E deixou-se estar num profundo silêncio, quase sem saber mais do arranhão na boca. Tinha sido uma tarde quente, mas a árvore com flores recebeu a visita de alguns pássaros e aquilo suavizou a espera.
E, justamente na hora em que o sol arrastou os raios para trás de umas pedras, ouviu os passos miúdos. E sentiu que sua boca se encheu de água ante a visão da comida. Levantou a cabeça ainda com um osso na boca, encontrando com os olhos tristes do pequeno. E, do alto do rosto, umas lágrimas caindo, caindo...
O que havia? Perguntou-se enquanto tentou se lembrar das conversas que ouviu dentro da casa. Mas o chamado do pai do menino, resmungando, quebrou suas lembranças...
Para muito tempo foi sentindo aquela voz rouca, lá fora da casa, lá dentro da noite... E o menino calado era uma sombra pequena, quase perdida...
Ao jantar hoje, teve ainda aquele cheiro de neném. E agora, o som da corrida dos meninos era ma coisa boa de sentir...