Contos de Meninos

Ninguém tinha mais de doze ou catorze anos de idade, de uma turma que não passava de uns dez garotos, onde todos se conheciam, alguns até os mais velhos das famílias, como avôs e tios. Esta talvez fosse uma das razões de nunca brigarem entre eles, a não ser quando tinha as guerras de espada porque aí era uma rua contra a outra.

Depois de tirarem a sorte no par ou ímpar, foi a vez de Neguinho Nei, como todos o chamavam, de procurar os outros, então se encostou na parede como se estivesse de bruços no chão, colou o rosto nos braços e começou a contar de um até dez, quando se virou, todos já tinham se escondido, e começou a procurar por trás dos bancos, nos vãos das portas e dos poucos carros que ficavam na rua, mas não encontrou ninguém. Ele sabia que não podiam se esconder em outro lugar que não fosse na praça, mas nenhum deles seguia as regras, inclusive, só não podia desistir da brincadeira, quem estava procurando principalmente, depois que achasse alguém podia até ir embora, mas se queimasse a brincadeira antes, no outro dia ficaria de fora e não poderia entrar em nenhuma das outras três brincadeiras.

A primeira a do "Vai não Volta", a segunda de se "Esconder", e a terceira e última era de "Contar história", principalmente na calçada de Seu Boinha, que era para descansar um pouco e ir para casa. Todo mundo sabia que tinha o horário certo para as luzes da rua se apagarem, mas naquele dia ou se apagaram mais cedo ou eles perderam o horário. E todos os personagens das histórias contadas nas noites anteriores, resolveram dar o ar da graça naquela noite, e foi um Deus nos acuda.

Como o tempo estava frio o grupo naquela noite estava reduzido a uns cinco ou seis gatos pingados, com a escuridão repentina veio o medo e a brincadeira acabou na hora, quem deu o alarme foi o Neguinho Nei que no momento estava fazendo a contagem para a segunda rodada da brincadeira. Ele estava no centro da praça encostado num pedestal onde antigamente tinha um busto. A primeira coisa que ele viu foi a “Mulher de Branco” com os braços abertos sem fazer nenhum barulho e descalça, parecia que nem pisava no chão e logo atrás dela uma bola de jornal grande rolando pelo meio da rua, quando ela passou da porta da garagem que ficava ao lado da Casa Paroquial, foi o momento da debandada geral, correu todo mundo para o lado contrário, em direção a pracinha da Igreja do Rosário, mas quando chegaram ao meio da rua próximo a oficina do ferreiro, ouviram o barulho de cascos e lá na entrada da praça estava a “Mula sem cabeça”, escoiceando as pedras da rua e cada patada que ela dava voava faísca pra tudo quanto é lado.

Depois alguns deles seriam capazes de jurar que ela tinha saído da igrejinha do Rosário, outros que foi da Casa Paroquial, não podiam voltar porque a “Mulher de Branco” estava lá na praça do Vai Não Volta, não se sabe porque resolveram seguir em frente e deram sebo nas canelas, a “Mula sem Cabeça” ergueu-se nas patas traseiras soltou um relincho pavoroso e arremeteu os moleques, de tão assombrados que estavam, só fecharam os olhos para não verem o fim, não conseguiam correr de tão apavorados!

Quando abriram os olhos novamente, ela tinha sumido, então respiraram um pouco aliviados e sentaram para descansar. Só então perceberam que estavam em frente à Igreja do Rosário que estava com a porta aberta, de onde vinha um som de ladainha, e lá em cima no campanário de sua janela aberta escapava uma luz bruxuleante de uma vela acesa.

Foi quando alguém fez a besteira de dizer que tinha gente lá dentro, na mesma hora a janela começou a bater como se estivesse soprando a maior ventania, e a meninada numa carreira desembestada tomaram o rumo de suas casas, o último a chegar foi o Neguinho, batendo na porta desesperado e falando sozinho, quando sua mãe abriu porta muito preocupada. - Calma meu filho, parece que viu assombração, foi?

E resmungando e tremendo: - Ainda bem que não tinha lobisomem, só faltou o lobisomem. Nada não mãezinha, não é nada.

No outro dia pela manhã se encontraram os cinco, e ficou acertado que não contariam para ninguém o acontecido na noite passada, mesmo porque ninguém iria acreditar neles, uma história como aquela, e eles não queriam servir de galhofa para os outros meninos. Mas parece que entre garotos não existem segredos e quando a noite chegou e se reuniram novamente na praça, todo mundo já sabia do acontecido, mas ficou por isso mesmo, e todos viraram heróis, principalmente, depois que um deles, o Manézinho, contou como ele e o avô que morava na roça, foram enganados pela Caipora. Os dois ficaram quase o dia todo sem acharem o caminho de volta para o rancho, e se não fosse a avó, que estranhando a demora deles e preocupada porque já estava escurecendo, saiu para procurá-los e os achou no meio do roçado de milho. Então a avó fez uma oração e levou-os para casa, enquanto a Caipora dava risada no aceiro da beirada do terreiro.

Afinal, se até o avô de Manézinho já tinha encontrado a Caipora, porque era que eles não podiam ter visto todas aquelas assombrações de uma só vez, e era noite!