A BAILARINA GORDINHA
Para Maria Eduarda
Num distante vilarejo chamado Caba-Soro, no reino de Dançolândia, havia uma escola de ballet onde estudavam sete lindas bailarinas. Todos os anos, por ocasião da Festa da Sapatilha, todas as escolas de ballet do reino se apresentavam no Palácio Real para Sua Majestade o Rei Plié III. Na ocasião, o Rei escolhia a mais bela e talentosa bailarina do reino e esta era convidada a morar no Palácio Real, estudar com a mais célebre professora de ballet, a grande Agrippina e ainda fazer parte do seu corpo de baile e viajar o mundo inteiro se apresentando para pessoas ilustres nos mais belos e luxuosos teatros do mundo. Todos os anos a escola de Caba-Soro participava mas nunca nenhuma de suas bailarinas fora escolhida pelo Rei, mas aquele ano parecia que tudo seria diferente. As sete bailarinas estavam muito empenhadas em fazer uma linda apresentação e cada uma delas se achava preparada para ser a escolhida do Rei. Quer dizer, menos uma. As alunas eram: Rafaela, Mariana, Gabriela, Vitória, Clarissa, Maria Eduarda e Aninha. Todas eram magrelas, menos uma, a Aninha, que era gordinha e por isso achava que nunca poderia ser escolhida como a mais bela e talentosa bailarina do reino.
Aninha achava isso porque ela ouvia nas conversas das coleguinhas que ela não servia para ser bailarina, que nunca ia ser igual a elas, leves como plumas e que sabiam dar passos perfeitos enquanto que ela, a gordinha, quase nem saía do chão. E davam gargalhadas. Aquilo magoava muito Aninha, mas o que magoava ainda mais era que as coleguinhas não falavam com ela, por isso sentia-se isolada na escola de ballet.
A mamãe de Aninha notou que sua filha sempre voltava triste da escola de ballet e resolveu saber o que estava acontecendo:
-Aninha, o que acontece na aula de ballet que você sempre volta triste de lá?
-Nada mamãe, eu apenas fico cansada.
-É só isso mesmo?
-É sim - e foi para seu quarto, fechou a porta e chorou muito até pegar no sono.
No dia seguinte foi a mesma coisa. Sua mamãe perguntou de novo e ela novamente disse que não havia nada de errado, entrou no seu quarto e chorou até dormir. Assim foi por vários dias, até que um dia sua mamãe, desconfiada, foi atrás de Aninha até o quarto e viu a filha chorando.
-Aninha, conta pra mamãe o que acontece na escola de ballet que você chega em casa sempre triste? Por que está chorando? Não esconda nada da mamãe, lembre-se, somos amigas, pode confiar em mim.
-Tá bom mamãe - disse Aninha soluçando - minhas coleguinhas não gostam de mim porque sou gorda, elas dizem que nunca serei uma bailarina de verdade como elas e por isso nem conversam comigo.
-Ah, filhinha, que pena. Elas não sabem o quanto estão perdendo de não terem uma amiga como você, uma menina meiga, doce, com um coração generoso e muito leal.
-Mas eu sou gorda, gorda e feia.
-Não filhinha, você não é feia, aliás, você é linda demais. Olhe no espelho, veja que lindo sorriso você tem. E olha seus cabelos como são belos. E seus olhos então, que expressivos. Seu corpo é cheinho sim, mas combina com esse rostinho lindo e com sua personalidade cativante. E é uma pena que o espelho não mostre seu interior, senão iria ver quanta beleza mais tem lá dentro de você.
-Você acha mesmo mamãe? Não está dizendo isso só porque é minha mãe e todas as mães acham seus filhos bonitos?
-Não filhinha, estou dizendo isso porque é a mais pura verdade, pergunte a quem quiser. Sabe Aninha, Deus te fez assim porque achou que assim você seria mais feliz, e Deus nunca erra.
-Puxa mamãe, eu não tinha pensado nisso.
-Antes de ir para a escola de ballet você era uma garotinha feliz, não era?
-Sim, eu era, nunca me achei feia, mas agora...
-Olha filha, você não deveria se preocupar com o que suas coleguinhas pensam de você. Seja feliz como você é. Tenha certeza de que Deus te acha linda, porque você é linda.
-É verdade mamãe. Eu queria muito ser bailarina, mas acho que não vou conseguir, é melhor eu parar de ir à escola de ballet. Nunca vou ser leve para dar passos perfeitos como elas.
-Olha minha filha, se você quer mesmo ser uma bailarina nada pode impedi-la, a não ser você mesma. Se para você é importante, então vá em frente, continue. Se é mais difícil do que para elas, dedique-se mais, treine mais, mas não desista.
-Está bem mamãe, assim farei.
À partir do dia seguinte Aninha ia às aulas de ballet e não se importava com o que as coleguinhas diziam, queria apenas aprender mais e mais para ser excelente e não para agradar o Rei, mas para agradar a si mesma e sentir-se realizada.
Os dias foram passando e as meninas estavam cada vez melhores. A coreografia que a professora ensinara era difícil, com pass de cheval, penché, petit battement, point tendu entre outros passos. Aninha tinha mais dificuldade que as outras, mas seguindo o conselho de sua mãe, falou com a professora e esta concordou em lhe dar aulas de reforço depois das aulas normais. O progresso de Aninha era a olhos vistos, sua professora estava orgulhosa dela, e ela também.
Os meses se passaram e o tão esperado dia chegou. Todas as meninas estavam lindas, com seus tutus branquinhos que as deixavam parecidas com criaturas celestiais. A mãe de Aninha chorou de emoção ao ver a filha vestida de bailarina e pronta para uma apresentação no palco, era a realização de um sonho das duas. Todas as demais bailarinas do reino estavam prontas para dançar e se exibir para o Rei e tentar ser a escolhida dele, porém Aninha estava pronta para vencer o preconceito e o desafio que havia imposto a si mesma, dançar com graça e leveza, colocando o coração na ponta da sapatilha.
-Que comece o Festival da Sapatilha - decretou o Rei Plié III.
As trombetas soaram, as bailarinas perfiladas passaram em frente a Sua Majestade, curvaram-se em reverência e tomaram o palco. A multidão que lotava o teatro aplaudiu. No momento seguinte as bailarinas deixaram o palco e foram para os camarins, enquanto a primeira das 4 escolas voltou ao palco para a apresentação. A escola de Caba-Soro seria a última a se apresentar e as meninas estavam todas muito nervosas, quer dizer, todas menos uma, Aninha. A professora tentava acalmá-las, mas nada adiantava. Os minutos foram passando e chegou o momento da apresentação. Naquele instante, Aninha percebeu que todas as outras seis bailarinas do seu grupo estavam muito nervosas e tremiam muito. Uma delas, a Maria Eduarda estava muito apavorada. Então Aninha aproximou-se de Duda, como era conhecida a Maria Eduarda e com muito carinho disse:
-Duda, você é muito talentosa e sabe dançar como ninguém. É a melhor de nós, aliás, é a melhor dentre todas do reino de Dançolândia, fique calma, faça no palco o que você sabe fazer que é dançar. Não se preocupe com a plateia nem com o Rei. Divirta-se, dance como se estivesse na sua casa, dançando para seus pais e tudo dará certo. Respire fundo e vá.
Duda não falou nada, mas ouviu cada palavra que Aninha dissera. De repente já não temia mais, seus olhos que antes estavam arregalados de pavor agora estavam serenos, suas pernas não tremiam mais e seu semblante estava tranquilo. As outras meninas olharam com desdém tanto para Aninha quanto para Duda.
A professora colocou-as enfileiradas atrás da cortina e quando anunciaram a escola de ballet de Caba-Soro elas entraram no palco sorridentes, mas Aninha tinha uma alegria contagiante que chamou a atenção do Rei. Dançaram "O Quebra Nozes" e foram aplaudidas de pé, inclusive por Sua Majestade.
Ao terminarem a apresentação houve lágrimas de alegria no camarim. A professora abraçou uma a uma e parabenizou-as pela bela apresentação, mas em Aninha deu um abraço mais prolongado e disse:
-Parabéns Aninha pelo esforço que fez para estar aqui e muito obrigada pelo apoio que deu à nossa equipe.
Aninha abraçou apertadamente a professora e apenas chorou. As outras meninas nada disseram, estavam mais preocupadas com o anúncio de quem seria a escolhida do Rei.
Todas as bailarinas foram chamadas ao palco para a grande revelação. A decisão do Rei era tomada com base nas informações a ele passadas por uma junta de observadores que circulavam secretamente pelos camarins antes e depois das apresentações e pelas observações da grande Agrippina durante as apresentações.
O grande momento chegara, o coração das bailarinas estava para sair pela boca de tanta ansiedade, cada uma desejava muito ser a escolhida. As trombetas tocaram, rufaram os tambores e o público fez um silêncio de catedral. Então o Rei tomou a palavra e anunciou:
-A bailarina escolhida irá morar no Palácio Real de Dançolândia e estudar na famosa escola da grande Agrippina. Foi escolhida aquela que demonstrou mais graça, desenvoltura, precisão, técnica e tranquilidade em sua apresentação. É da escola de Caba-Soro e seu nome é:
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-Maria Eduarda!
Nesse momento as lágrimas correram pelo lindo rosto de Maria Eduarda e imediatamente ela correu ao encontro de sua colega Aninha, a única da sua turma que chorava e sorria de alegria e disse:
-Desculpe-me Aninha, fui muito injusta com você, agora sei quem é minha amiga de verdade.
-Eu sabia que você seria a escolhida Duda, parabéns! - disse Aninha.
As duas se abraçaram apertadamente e choraram de alegria enquanto suas outras coleguinhas as olhavam novamente com desdém e com uma ponta de inveja por Duda ter sido a escolhida.
Depois que o público terminou de aplaudir e Duda terminou de receber os cumprimentos o Rei novamente tomou a palavra e disse:
-Maria Eduarda você foi escolhida por ser a melhor bailarina dentre todas as presentes, meus parabéns, se continuar assim terá um futuro brilhante. Porém, este ano concederemos, a pedido da grande Agrippina uma outra vaga na escola, na verdade uma vaga nova e esta vaga foi concedida a uma bailarina que reuniu as mais nobres características de uma pessoa: um grande caráter, um coração generoso e muita força de vontade. Por tudo isso a vaga nova vai para outra aluna da escola de ballet de Caba-Soro, o nome dela é:
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-Aninha!
O público foi ao delírio. Todos os presentes choraram de emoção ao ver aquela bailarina gordinha sendo escolhida pela própria Agrippina, que à partir daquele dia passou a ser chamada de Agrippina Vaganova*, que com a ajuda de Aninha criou um dos melhores programas de ensino de ballet clássico de todos os tempos.
FIM
*O Método Vaganova é um método de ensino de ballet clássico que foi desenvolvido por Agrippina Vaganova. Ela criou um programa de estudos para melhor ensinar a arte do Ballet Clássico. Suas origens são derivadas de métodos de ensino dos instrutores do Imperial Ballet School.
Em 1948, Vaganova lançou o livro “A Fundação Para Dançar” (mais conhecido como “Princípios Básicos da Dança Clássica Russa”). O livro apresenta as suas ideias sobre a técnica do ballet e pedagogia.
Nos trinta anos que passou ensinando balé e pedagogia, Vaganova desenvolveu uma técnica precisa e um exigente sistema de ensino. Após a morte de Vaganova, em 1951, seu método de ensino foi preservado pelos instrutores.
Hoje, o método Vaganova é o método mais comum de ensino de balé da Rússia. É também amplamente utilizado na Europa e na América do Norte. A Academia de Ballet Vaganova continua a ser a escola associada do ex-Ballet Imperial Russo, embora agora é conhecido como o Ballet Mariinsky. (fonte: site dicas de dança)
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