Boas festas

Nos anos 50-60 a meninada saia pelas ruas empoeiradas da Vila Carioca-Ipiranga-SP pedindo “Boas Festas e Bom Principio de Ano Novo”, eu estava presente.

Quando o dia clareava juntávamos o grupo e vamo-nos tentar ganhar algumas moedas, e às vezes recebíamos também cédulas de baixo valor. Com a frase na ponta da língua abortávamos pessoas que íamos encontrando pelo caminho e que dava um bom resultado no final do dia.

Neste dia pedimos Boas Festas a um senhor que passava pela R. Albino de Moraes, ele botou a mão no bolso e nos deu várias moedas, distribui uma para cada um, num total de seis, não sabíamos o valor das moedas.

A nossa curiosidade era que as mãos do tal senhor faltavam-lhe alguns dedos, e perguntamos qual foi à razão da perca dos dedos. Disse ele. Eu sou metalúrgico, estava muito cansado, distraí no serviço, a prensa foi à causadora do fato. O assunto encerrou por aí. Seguimos a nossa colheita, ele dirigiu-se no sentido contrário.

No ano seguinte repetimos a mesma coisa, vamo-nos pedir Boas Festas pelas ruas da Vila Carioca, e não é que encontramos a mesma pessoa, só que desta vez ele estava bem trajado, vestindo terno e gravata, camisa branca e usando um par de sapatos preto. Na época quando alguém se vestia desta maneira diziam a célebre frase: “êta caboclo bem alinhado”.

Ele enfiou a mão no bolso do paletó foi pegando as moedas e nos deu uma pra cada um, a nossa surpresa foi que faltavam mais dedos do que a primeira vez, isto é, faltavam dedos nas duas mãos.

Perguntamos pra ele, puxa vida outro acidente de trabalho. Ele nos respondeu, não, desta vez fiz de propósito pra aposentar mais cedo. Disse que tinha recebido uma boa quantia do seguro, e já estava aposentado. A nossa curiosidade era tanta que fizemos outra pergunta. Isso compensou, perder definitivamente os dedos por dinheiro, todos nós sabemos que o dinheiro acaba, aliás, não acaba muda do seu bolso para outro e vai ficar aleijado pelo resto da vida.

Respondeu ele. A questão é que agora não preciso trabalhar mais em metalúrgica, o meu trabalho é andar por aí vendendo bilhetes de loteria, quem sabe sobra alguma fração ou um bilhete inteiro sendo premiado, mudo pro interior de Pernambuco e vou viver tranqüilo.

O tempo passou nunca mais vi tal pessoa, não sei se foi premiado por comprar e vender bilhetes, só sei que ficou aleijado nada mais. A outra questão é, será que ele influenciou outras pessoas a fazerem a mesma coisa, coincidência ou não no bairro Vila Carioca viveu alguém que perdeu parte do dedo. Quem será? Nem preciso dizer o nome.

Tantos anos depois acabei descobrindo que o cumpanheiro que pisou no pedal da prensa, morava em São Caetano do Sul-SP, atualmente tem um boteco aqui em Porto Ferreira-SP., Av. 24 de Outubro.

Tangerynus
Enviado por Tangerynus em 11/03/2011
Código do texto: T2840967