O POETA E A ESTRELA

Era 26 de Janeiro (ou seria 27?). Da janela do meu quarto cabia apenas uma estrela no céu, brilhante como muitas, é fato, mas só era uma. Havia um coqueiro, bobo aquele coqueiro à noite. Ora, quem já se viu, estava enamorado da estrela!

Inocentemente também me enamorei dela (não sabia ainda do amor do coqueiro), ah, impossível isso não acontecer... Quando eu percebi do interesse do coqueiro, não podia mais fugir, ela já havia iluminado meus olhos.

Seu brilho era música a meus ouvidos. Quando para mim olhava, sei que havia um acompanhamento musical naquele olhar.

Logo formamos um trio amoroso. Havia ciúme no ar. No ar não, na terra; entre mim e o coqueiro. Ele não queria permitir que eu a visse e, para isso, contava com a cumplicidade do vento. Quanta raiva eu sentia... Mas eu começava a notar que ela parecia flertar comigo, sempre a fugir dos braços espalhados do coqueiro, esvoaçantes... Não sei não... Mas era uma dança harmoniosa. Em determinado momento pensei tê-la perdido para ele, que parecia dançar feliz com a aquiescência do vento casamenteiro. Casamenteiro, não, eu sempre soube que o vento não era de ajeitar namoro para ninguém. ...Talvez fosse raiva de mim que, como poeta, nunca o havia enaltecido. Também, por que motivo haveria eu de louvar o vento?

Para o meu enlevo espiritual - claro, namorar uma estrela só pode ser espiritual - eis que ela reaparece e, o que era melhor, fugindo dos braços do coqueiro. E ainda melhor: o vento havia amenizado sua raiva de mim; creio que entendeu o sofrimento do poeta. Pois bem, ela voltara, lépida e faceira como a lua em sua melhor fase.

Namoramos por uns eternos minutos. Aquela estrela era uma virgem fogosa, brincava com meus sentimentos, parecia usar-me a enciumar alguém... O coqueiro estava calmo, sereno. Não havia olhar humano, não havia olhar, apenas as almas existiam. O poeta, o coqueiro, o vento, a estrela... A estrela... acho que apenas a estrela existia, o mais era composição dela, seqüência... Meus olhos... Minha alma era tapete para seu desfile, os galhos do coqueiro eram leques a refrescar seu passeio.

Minha alma de poeta estava cantando sua cor, seu brilho, sua desenvoltura como virgem com olhar de mel quando, para o meu espanto, surge uma senhora idosa, talvez sua ama, sua mãe, talvez uma dama de proteção para as virgens celestiais, e a escondeu em uma ação relâmpago.

Ah, quanta tristeza. Pensei em me consolar junto ao coqueiro, afinal... mas ele não permitia que seus galhos enxugassem minhas lágrimas. Estava mesmo indiferente, não dava a menor atenção para mim. Eu não parecia incomodá-lo mais. Era muita confiança daquele coqueiro, mesmo com a cumplicidade do vento e da nuvem não se pode menosprezar a alma de um poeta. O poeta é um ser iluminado e mesmo celestial. É mesmo muito mais celestial do que o coqueiro.

Fiquei na janela por eternos minutos. O coqueiro não mais me preocupava: a única coisa que me preocupava era o desaparecimento da estrela.

Nessa eternal espera... eis que do ângulo da minha janela, mais ao fundo, ao sul, várias pequenas estrelas apareceram: saltitantes, brincalhonas, sorridentes, infantis. O coqueiro, com ar sério, parecia vigiar de longe, sem perdê-las de vista. Aquilo tudo estava me intrigando, afinal, apenas a estrela eu havia perdido de vista.

No auge da minha intriga surge a estrela mais brilhante do que nunca... Parecia cheia, mais viva. Tinha ainda os olhos de mel, mas... estava, agora, senhora; seus seios latejavam de leite, inchados até.

Minha alma não queria crer que aquela cena estivesse acontecendo até que percebe um olhar. Aquele olhar petrificou minha alma. O coqueiro respondia com um balanço de braços que só os céus poderiam entender tamanha veracidade.

As nuvens, amas boas e cuidadosas, recolheram as estrelas. O tempo havia mudado; parecia que ia logo chover.

Foi uma bela cena familiar.

Eu estava ali, invejando o prazer do coqueiro, de alma triste, sentindo-me derrotado. Os poetas também perdem.

... E as estrelinhas? Algumas pareciam balançar (teriam saído ao pai?). O tempo mudou mesmo. Não a vi mais naquela noite. Nunca mais olharei para ela.

Apesar da promessa, confesso que, quase sempre, estou a roubar um pouco do seu passeio. Abro uma pequena brecha na janela e a procuro no céu. Talvez não a reconheça mais. O coqueiro está sempre lá, como se a descansar na varanda enquanto observa tranquilamente as estrelinhas a brincar no céu. Como o invejo...

Mas, apesar de tudo, não fiquei enraivecido. Quando a vi, ela já namorava o coqueiro. Eu simplesmente confundi suas brincadeiras. Como gostaria que tivesse sido verdade... sou apenas um poeta a contar o engano que as aparências podem causar. Gostaria de ser muito mais; gostaria de olhar para o céu a vigiar aquelas estrelinhas com olhar paterno... elas são tão lindas! Como brilham em seu olhar infantil...

INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI
Enviado por INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI em 08/03/2011
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