À procura de papai Noel

Por Ramon Bacelar

Se a história que eu vou contar é uma fábula, conto, lenda ou relato real, fica a critério de vocês, mas se a realidade tem um que de fantasia e toda fantasia um fiozinho de verdade, não será de estranhar se essas humildes palavras soarem para vocês, caros leitores, reais para a mente e verdadeiras e tocantes para o espírito e o coração:

Em uma época que já vai longe, em um local esquecido pela memória e desgastado pelo tempo, um garoto, como qualquer garoto, aguardou a chegada do natal e diferente deles, por algum capricho do destino, dormiu demais e só percebeu tamanha estupidez quando o calendário em sua porta anunciou: 25 de dezembro. Dominado pelo susto e com a surpresa de olhos esbugalhados, calçou as sandálias e correu ao quarto do seu tio, mas antes de alcançar a cama tropeçou em duas fiéis garrafas de vinho que há muito tinha colocado seu único parente para dormir em um sono de pedreira. Recuperado do tombo e insistente que era:

-Tio acorde, tio, cadê o Papai Noel?

-ZZZZZZ...

-Tiooo!!! Preciso saber onde ele mora e falar com ele urgente urgentíssimo!!!!

-ZZZZZZZZZZZZZ...

-ACORDEEE!!!!!!

-ROOOOOOOOMMMM....ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ...

De tão pesado era o sono que a língua e bochechas tremiam como pipetas ao vento.

“Ai, não tem jeito mesmo. Parece que o tio engoliu o Sono do Mundo hihihi...” pensou.

Com o desejo pressionando seu coração e a pressa fazendo cócegas em seus pés, retornou ao quarto, trocou de roupa e entupiu um velho mochilão com apetrechos e bugigangas, mas antes de partir foi à cozinha tomar um café reforçado e despedir do seu gato de estimação.

***

O garoto olhou pros lados, suspirou e decidiu seguir em direção a saída para a estrada principal: fitas vermelhas e papéis de presentes se juntavam na calçada a cartões de felicidades e carcaças de perus em um balé enigmático e desconexo regido pelo Maestro Ventania; portas entreabertas e janelas escancaradas olhavam para o garoto com sorrisos de presépios e odores de cidra e chocolate derretido; chaminés entediadas, escurecidas pela fumaça e a idade, vomitavam para o céu resquícios vaporosos da ressaca natalina, emprestando ao firmamento uma tonalidade cansada e melancólica, e em frente à igreja, em meio a vacas, ovelhas de papelão e árvores de isopor, um padre, em carne e osso, varria a calçada da igreja assoviando uma canção natalina.

-Bom dia padre.

-Bom dia filho.

-Você sabe onde mora o Papai Noel?

O padre, até então absorto no trabalho, suspende o pescoço:

-Claro, ele mora em cada coração.

-Não, não é isso...

-Mora sim filho, é só saber como...

-Quero dizer...Eu dormi demais e quero saber onde ele mora para...

-Crianças, crianças. - Balançando a cabeça, o padre retornou ao trabalho e continuou assoviando a mesma canção.

“Ai, ai como vou saber?” pensou.

Continuou andando a passos rápidos e na esquina da quitanda sentiu os pés vacilarem:

-Ei!!

-Ooopaaa!!! Ai..ai...Desculpa moço.

Enrolado em um saco de estopa, um maltrapilho estendido na calçada olhava para o garoto com olhos de poucos amigos:

-Tanto lugar para você passar e acha de pisar em cima da minha barriga...Vazia ainda por cima.

Tremendo dos pés a cabeça o garoto não encontrou forças para correr.

-D-desculpa, não te vi.

-Está cego?

-N-não, só estou com pressa.

-Sozinho?

-É que tenho...Preciso encontrar Papai Noel!

O mendigo, meio atônito e curioso:

-Olha, eu não sou Papai Noel, - Retirou debaixo da estopa uma lona com papéis e latas vazias - Mas estou de saco cheio.

-Hihihi...Você sabe onde ele mora?

-Não sei não...mas se o encontrar fale para me mandar um cobertor novo ...e um pouco de comida.

- Eu não sou Papai Noel... –Futucou a mochila-... mas também estou de saco cheio hihihi....Tome pão e queijo.

-Que banquete!!!!

-Preciso ir moço.

-Obrigado pelo presente Noelzinho.

-Hihihi...Feliz natal para o ano que vem Noelzão!!!

Com um sorriso nos lábios apertou o passo em direção à estrada principal quando uma ventania repentina o obrigou a procurar abrigo atrás do muro que dava para os fundos da escola, mas curioso que era observou fascinado e concluiu, não sem um certo ar de surpresa e espanto, que mesmo em momentos de fúria e mau humor, a natureza pode reservar momentos de mistério e beleza: adornando o remoinho arenoso que carregava para seu vórtice o que vinha pela frente, uma imensa lata de lixo com restos do natal, a mando do Senhor Furacão, tratou de enfeitar o funil arenoso com adornos natalinos, caixas de presentes, restos de panetone e até um de presépio papelão com animais e manjedoura.

“Nossa, uma árvore de natal que anda e voa!”

Tão logo amainou a ventania e sentindo a Pressa beliscando o Desejo no traseiro, bateu o pé como uma formiga apressada e antes do meio dia alcançou a Ponte dos Desejos à 2 km da estrada principal.

“Bom, não custa tentar.”

Escorou no parapeito da ponte e desejou:

1 migalha de pão para um desejo do coração.

2 fatias de queijo para o reforço do desejo.

3 goles de água (glu,glu,glu) para a dureza da estrada.

4 favos de mel: onde mora Papai Noel?

Terminado o ritual e com o sol a pino, o garoto resolveu fazer uma refeição na sombra de um carvalho centenário:

“uuuiiii, comi demais”

Com as mãos na pança e um arroto pendurado na garganta, o garoto observava fascinado os movimentos e ondulações de uma imensa cobra d’água: olhou, olhou, suspirou, arrotou (bbuuurp), escancarou a boca, esbugalhou os olhos (buurrrpp) fechou, abriu, fechou, piscou, olhou, fechou, abriu , abriu, fechou, fechou....

ZZZZZZZZZZZZZZZZ....

***

Ei, ei, moço...Moço!, Você sabe onde mora o Papai Noel? ... Juca, eu te dou minha coleção de selos e bolas de gude se você me ajudar a encontrar Papai Noel...Ei, Ei Papai Noelzinho tá me ouvindo? Papai? Mamãe? Onde mora...

“Íííí estava sonhando...brrrr mas que frio!!!”

Era como se o mundo tivesse adormecido debaixo de uma imensa manta branca. O garoto olhou pros lados, para cima, para baixo e com as palavras afogadas no espanto, suspirou assombrado para o cenário de sonho e fantasia que descortinava ao seu redor: flocos de neve como sorvetes de côco imaculando casas, árvores e telhados com toques de pena e pluma geladas, música acústica de melodias alegres animavam jovens em trajes folgados que se perdiam em movimentos suaves e passos excêntricos, enquanto trenós adornados, impulsionados por renas cansadas, obedeciam seus donos com o entusiasmo de ébrios em noites geladas.

-...EEIAA, ÔÔÔÔAAAA, mais uns quilômetros e trabalho só no ano que vêm bichinhos... Aleski as entregas deste ano foram difíceis, mas o velho vai descansar satisfeito...Aino vá em casa e diga a Katariina que já estou voltando... Juahani, Tove, Mikael tenho novidades para o ano que vêm...

“Que lugar é este?”

Cercado por renas, trenós e mistérios o garoto andava pra lá e pra cá como uma barata tonta:

-Moço, que lugar é este?

O rapaz, vestido em trajes vermelhos com detalhes em plumas brancas e algodão, olhou para o garoto com uma expressão de profunda curiosidade:

- Ei, ei...Mais um desses fugitivozinhos curiosos.

-Não sou fugitivo, quero saber...

“Sim, sim, todos os anos aparece um desses heheheh” , pensou.

-Que lugar é esse? Quem é você montado no trenó do...

-Sim, sim, todo ano a mesma balela.-“Se o velho souber que eu dispensei um garoto como no ano passado...não, não, dessa vez não.” – Somos os voluntários do velhinho, todo ano ajudamos nos preparativos e entrega dos presentes. - Concluiu apontando o dedo para a plaqueta de boas vindas:

BEM VINDO AO CONDADO DE ROVANIEMMI.

-Nossa...como eu viajei tão longe?!!!

-É mesmo.- Respondeu assoviando uma canção natalina.

-Moço, Quero que você me leve à casa do Papai Noel.

-E porque eu deveria fazer isso?

-Porque...porquê...porque eu quero ora... hihihi

“Esse garotos são assim mesmo... eu também já fui um deles.”

-Suba aqui que eu te levo.

-EEEBÁÁÁÁÁ!!!!

***

O trenó deslizava, descia, escorregava, fascinava.

O garoto, maravilhado que estava, absorvia a beleza do mundo branco descortinando ao seu redor com o entusiasmo de um pássaro em liberdade: pinheiros esqueléticos carentes de adornos como idosos solitários à espera dos seus netos, biscoitos natalinos de feitura delicada disfarçados como vegetação petrificada, estupores passerídeos de sonoridade alienígena penetrando nos ouvidos como melodias congeladas, declives deslizantes em postura imponente como gigantescos escorregadores naturais:

-VUUUUMMMM!!!...Obáááááá´!!! Mais rápido!!, Mais rápido!!!, Mais, mais...Ei, ei, o que foi moço, porque parou?

-Chegamos.

-Aqui?

-Siga os passos daquela trilha de neve batida e depois daquele tronco você verá uma cabana ao lado de um carvalho. Preciso correr para guardar os trenós e fazer os preparativos para o próximo ano com meus amigos.

-Obrigadão moço.

-Tchaaauuuu!!!! Até o ano que vem!!!

O garoto correu pela trilha com o entusiasmo de uma lebre vitaminada e só parou quando o espanto intimidou os movimentos e pacientou a impaciência: à frente da cabana, uma densa e emaranhada área de vegetação verde rasteira sorria para o garoto como um gigantesco carpete natural e a poucos passos da porta, uma aglomeração de vegetação móvel sinalizou para o garoto com sorrisos de raízes e ervas daninhas: CASA DO PAPAI NOEL, ENTRE SEM BATER.

***

- Papai Noel cadê você?, Estou entrando sem bat...Aaaiiiii...

A imensa bola de neve revestida em um pijama branco de estrelas vermelhas que era a pança do velhote, arremessou o garoto de encontro ao chão:

-Ôôôô ei, ei, desculpe. De onde você veio rapazinho?

O velho olhava para o garoto com um misto de surpresa e espanto.

- Que susto você me deu!!! – Os olhos saltaram das órbitas como obesas bolas de gude.

-Susto digo eu!

Silêncio.

-Qu...

Vazio: era como se as palavras congelassem na garganta como estalactites glaciais.

-É v-você mesmo?

-Sou eu, quer dizer, acho que sim, sou, sou sim... Acho que sou. Quem sou eu?, Quer dizer...quem você acha que sou?

-O Papai Noel.

- Claro que sim, pelo menos acho que sou ahahahah.

-Hihihi... com esse barrigão e um pijama de palhaço.

-Acho que preciso comer menos chocolates...você não acha que me visto daquela maneira o ano todo não é?

-Hihihihi...

O velho suspirou como se lutasse para encontrar palavras:

-Sinto muito, chegou atrasado, presentes só no ano que vem. –As palavras saíram com a fragilidade de uma bola de natal.

-É eu dormi demais...M-mas n-não é isso não. - O garoto gaguejava como uma batedeira engasgada.

-Não é isso o quê?

O garoto futucava freneticamente na mochila:

-Não acredito que, que...não é possível!

-Não precisa ficar triste, vou conseguir algum brinquedo com meus voluntários e depois...

-Não vim aqui para receber presentes.

-Então o que...

-Vim para.. te dar um mas...ai, ai, acho que acabei perdendo no caminho.

-Você veio para me dar um pr...

O velho petrificou como um pinheiro centenário.

-Desculpe, perdi mesmo...Que cabeça.

O garoto murchou como uma bexiga em fim de festa.

-Ei, ei rapaz.

O velho, olhando para o garoto com um sorriso úmido:

-Que bobagem, sou eu quem devo a você, e para falar a verdade... Acabo de receber DOIS PRESENTÕES!!

Com os olhos esbugalhados:

-Hãããããã!!! Que presentões???

-Você e a sua intenção...que habita e pulsa no seu... – Com as mãos no peito do garoto -Tum,tum...tum,tum...tum,tum...

-Hihihihi...gostei!

-Você deve estar cansado...

-Acho que estou com soninho.

-Venha cá.

Com o garoto no colo...

***

Ei, ei moço você sabe onde mora o Papai Noel? Ei Juca, Jucaaaaa... Ííííí´andei sonhando de novo.

O garoto despertou de um sonho de renas, neve e pinheiros, sentou na cama e com um sorriso nos lábios olhou para o calendário da porta:

24 DE DEZEMBRO

IIIUUHÚÚÚ!!!!... Gritou, pulou, berrou, mas antes de ir ao banheiro pisou em falso em algo frágil e com os olhos esbugalhados percebeu que tinha mergulhado em um mar de cores, doces e presentes que sorria com as fitas e anunciava com um cartão de natal dos seus pais:

FELIZ NATAL!

FIM

Ramon Bacelar
Enviado por Ramon Bacelar em 19/02/2011
Código do texto: T2801155
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