SONHO DE PAPEL

Aquele era mais um ano que Alice ficava sem sair da fazenda. Mas com um sabor diferente. Estava de férias.

A menina só conhecia o mundo pelas fotos que via na escola. Havia completado sete anos no começo do ano. Era uma criança muito feliz. Quando não estava na escola onde freqüentava a primeira série, passava muitas horas do dia embaixo do abacateiro, debruçada em sua cartilha, onde havia aprendido o bê-á-bá.

Folheava página por página, encantada com as ilustrações que identificavam cada letra do alfabeto. A letra “a” de abelha, depois a “b” de barriga, a “c” de casa e assim por diante. Foi descobrindo a arte de ler e escrever.

Como toda garota da sua idade, sonhava em ter uma boneca de verdade. Com cabelos, olhos, e roupas coloridas, dessas que se viam nos livros e nas gravuras que a professora levava para a classe.

Alice brincava com as bonecas de milho que seu avô plantava. Escolhia as loiras, as morenas as ruivas, mas se entristecia porque elas não tinham rosto. Como as bonecas poderiam conversar se não tinham bocas? Essa era uma situação que incomodava demais a menina.

No Natal, a tia que morava na cidade, lhe prometeu uma boneca de verdade, mas como não foi mais passear na fazenda, o presente havia caído no esquecimento. E Alice se contentava em correr pelas pradarias atrás das borboletas coloridas que pousavam nas flores campesinas e a brincar com as bonecas que colhia no milharal.

Não tinha muitas amiguinhas e por isso conversava com a Lucrécia, a cabritinha que havia nascido na fazenda e se tornado sua companheira inseparável. Até para estudar a menina mantinha o animalzinho por perto.

Muito cativante, era a alegria dos trabalhadores da fazenda. Sempre que possível, ela improvisava um banquinho onde subia para cantar e recitar versinhos para eles:

“Batatinha quando nasce, espalha as ramas pelo chão, menininha quando dorme põe a mão no coração…”, e outros… “Eu venho lá do sertão, para as coisas que vou contar…” e mais outros.

Num dia inesperado a boneca prometida lhe chega às mãos.

Tão linda e loira de cabelos cacheados, tinha lindos olhos azuis, rosto corado, boca vermelha e roupas coloridas. E um detalhe que a pobre desconhecia. Era feita de papelão.

Sorriu de alegria abraçada à boneca e a batizou de Belinha. Aquela tarde foi de festa. Brincou com Belinha em cima da cama, na sala, na cozinha e debaixo do abacateiro. E foi lá mesmo, que ela esqueceu a boneca antes de dormir.

À noite, os trovões, os relâmpagos e a chuva, foram destruindo pouco a pouco o sonho de Alice.

Na manhã seguinte a menina levantou-se e foi correndo buscar Belinha. Quando se aproximou não pode mais ver o rosto da sua boneca. As roupas cobriam um monte de papel encharcado no chão.

Ela pegou o que sobrou em suas mãos e as lágrimas brotaram em seus olhos. Em soluços tentava reanimá-la:

- Belinha… Minha amiguinha querida… Acorde por favor… Nunca mais te deixarei sozinha… Deve ter sentido muito medo da escuridão…

E por mais que Alice chorasse e esperneasse, a pobre Belinha permaneceu desfigurada.

Ela chegou a acreditar que os sonhos não chegavam ao fim.

Para sua tristeza, aquela foi a única boneca de verdade que teve na vida, mas durou o tempo exato de um sonho. Um sonho de papel.