A cama engolidora de chinelos
Era uma cama muito especial. Não que fosse de madeira maciça ou ricamente ornamentada. Nada disso. Era uma cama comum, feita de pinus, que ficava no quarto de Aninha, de frente à cama em que a menina dormia.
Muitas amiguinhas de Ana, já haviam dormido nela e também parentes da família, que estavam sempre a dar uma cochilada nela, quando vinham visitar a família.
Lá do canto onde a cama residia, podia avistar todo o quarto e até espiar o longo corredor pela porta sempre aberta.
Acho que foi por isso mesmo que a cama foi adquirindo certa personalidade. Sentia-se como parte, ou à parte da família.
Era cheia de vida, muito gulosa e desde que se encantou com o cheirinho de chulé dos pezinhos das crianças, escolheu os chinelos, que ficavam sempre esquecidos perto dela, como seu prato predileto.
Imagina...
Assim, os chinelinhos, começaram a sumir da casa...era só alguém subir na cama e deixar os chinelos no chão, para a cama, mais que rapidamente, hummmm, engoli-los inteirinhos, numa bocanhada só...que delícia!
Ora, você dirá, cama tem boca? Pois é, essa tinha, mas ninguém suspeitava.E viviam comprando chinelos novos para substituir os que as crianças perdiam, não se sabe onde nem porque.
Um dia, Aninha recebeu um convite para a festa de aniversário de sua melhor amiga e pediu de presente para a mãe, um par novinho em folha, de sapatos de princesa, como os que saíam nas revistas.
Queria com brilho e tudo, tipo fitinhas de todas as cores, strass, lantejoulas e saltinhos, cobertos com um brilhante verniz.
Dito e feito. Chegaram mãe e filha da cidade com os sapatinhos novos na caixa brilhante.
A cama ficou muito curiosa e babando de vontade de experimentar uns sapatinhos mais sofisticados do que aquele bando de chinelos velhos que comia quase todo dia...
Naquela mesma noite, Aninha tirou os sapatinhos da caixa e ficou desfilando e gabando-se deles para toda a família. E a cama só esperando...
Enfim, quando a menina foi se deitar (para sorte da cama) ,deixou os sapatinhos logo ali, fora da caixa, ao alcance da língua da cama glutona.Língua? Alguém disse língua? É...bem, deixa pra lá.
Assim que a menina fechou os olhos, a cama, no mesmo instante, sugou os sapatinhos pra debaixo dela e quase engasgou com tantos apetrechos de metal e fitas. Comeu assim mesmo, devagar, degustando cada pedacinho, cada enfeitinho de treliça com laçarotes, lantejoulinhas e mais lantejoulinhas de todas as cores vibrantes e ardentes como pimentas. Pimentas?
Bom, aí ela ficou de barriga cheia e sem se conter, começou a arrotar grosso e em bom som e de sua enorme boca saíam brilhos azuis, cor de rosa, dourados, prateados...
Aninha acordou com o barulho e ao ver aquelas cores todas rodeando o quarto, pensou que ainda estivesse sonhando e achou muito bonito todos esses efeitos especiais...então demorou um pouco para perceber que os brilhos saíam debaixo da cama gulosa...
Porém, quando enfim acordou e caiu na real, ficou de cabelo em pé ao ver o estrago que ela tinha feito nos seus sapatinhos novos...
O que você fez com meus sapatos de princesa?, gritou chorando, dirigindo-se diretamente para a cama, acusadora e sem constrangimentos.
Esta, pega em flagrante, ficou vermelha de vergonha e começou a engasgar e arrotar ainda mais...sem conseguir dar nenhuma explicação plausível. Enfim disse, derrotada:
desculpe..conseguiu gaguejar, visivelmente nervosa...Você disse nervosa? A cama teve um ataque de nervos de madeira? Pois é...bom continuando, ela tentava explicar:
... estava com fome...e não resisti a um par de sapatinhos tão apetitosos...você entende Aninha?, perguntou, quase cruzando as pernas de tão arrependida, por ver a menina tão triste. O que posso fazer agora? ...continuou, vomitando um pedaço inteiro de fita rosa com baba de brilho que já fora lilás
Aninha fez uma cara de nojo...mas..no fundo, ficou com pena da cama que estava visivelmente com suas quatro pernas bambas e trêmulas.
Sei...
Não sei o que vai ser de você cama, mas vamos ter que contar tudo pra minha mãe porque eu ouvi bem quando ela disse que esses sapatinhos custaram uma fortuna!
A cama não tinha olhos, mas se tivesse,Aninha poderia jurar que vira um par de olhos se esbugalharem naquele instante, e certamente, se ela tivesse coração, teria sofrido um enfarte fulminante.
Ah, tá...deveriam ter chamado o médico, quer dizer, o marceneiro...
Deixa eu continuar a estória.Bom,como a cama era inevitavelmente prisioneira em seu frágil corpo de madeira, ficou ali, imóvel, muda e de boca fechada, conformada com o terrível destino que a esperava... vai ouvindo...
Aninha descobriu que tinha um segredo, que não podia revelar nem mesmo à cama criminosa: a verdade é que ela estava adorando viver essa estória fantástica de conversar com uma cama que era, além de falante, gulosa, encrenqueira e encrencada.
Sentia-se instantâneamente afeiçoada a ela e nem lembrava-se mais daqueles destroços pelo chão, que no momento anterior foram um par de sapatos novos...
Então, eis que inverteram-se os papéis e Aninha, de vítima passou a tentar com promessas e carinhos, a ser a consoladora da d.cama, que de vilã, tornou-se a coitadinha da estória...ora essa, você acha isso certo? Esta estória tá ficando muito esquisita! Shshshhhh!
Mas foi assim mesmo que transcorreram-se os dias, um após o outro:Aninha desocupou a sua cama “comum”e passou a dormir na cama “epecial”. As duas tornaram-se amigas inseparáveis. Ana recolheu todos os sapatos que decidiu serem velhos e trazia-os furtivamente para o quarto para deleite da nova amiga, que se fartava de galochas, sapatos de cordão, tênis fedidíssimos(que eram os seus preferidos!) e, claro, chinelos, muitos chinelos.
Sapatos de festa, nunca mais! O que a cama entendeu prontamente, contentando-se com o “arroz e feijão”de todo dia.
Ela admitia a si mesma que havia pegado uma certa alergia (que só as camas pegam) de sapatos novos de fitinha e lantejoulas...
Brilho na sua boca? Nem pensar!
Sóóóó!
Já haviam passado quase duas semanas e estava chegando o dia da festa de aniversário da amiguinha de Ana. Seus pais estavam estranhando o comportamento da menina, que vez por outra dera de se trancar no quarto, levando sacolas com não sei o que e até pá e vassoura...
Bem, pensou a mãe, seja qual for a bagunça que ela esteja aprontando, a verdade é que está limpando tudo direitinho...então, deu-se por satisfeita.
Mas, dizer que não iria mais com os lindos sapatinhos guardados para a festa, ah, isso já era estranho demais! Não houve argumento que convencesse sua mãe de que aquele poderia ser um comportamento normal...
Não houve outro jeito, Ana e a cama tiveram que confessar à mãe a verdadeira razão de todos os fatos.
E, para tanto, a menina convocou a mãe a ir ao seu quarto para uma reunião de emergência.
Sentou-se na cama e contou tudo.Quer dizer, as duas contaram tudo.Ana e a cama. Tudo? Tudinho!
E a mãe?
A mãe desmaiou, oras...mas isso é uma outra estória...
autoria de Lídia e Mariana-9anos
Era uma cama muito especial. Não que fosse de madeira maciça ou ricamente ornamentada. Nada disso. Era uma cama comum, feita de pinus, que ficava no quarto de Aninha, de frente à cama em que a menina dormia.
Muitas amiguinhas de Ana, já haviam dormido nela e também parentes da família, que estavam sempre a dar uma cochilada nela, quando vinham visitar a família.
Lá do canto onde a cama residia, podia avistar todo o quarto e até espiar o longo corredor pela porta sempre aberta.
Acho que foi por isso mesmo que a cama foi adquirindo certa personalidade. Sentia-se como parte, ou à parte da família.
Era cheia de vida, muito gulosa e desde que se encantou com o cheirinho de chulé dos pezinhos das crianças, escolheu os chinelos, que ficavam sempre esquecidos perto dela, como seu prato predileto.
Imagina...
Assim, os chinelinhos, começaram a sumir da casa...era só alguém subir na cama e deixar os chinelos no chão, para a cama, mais que rapidamente, hummmm, engoli-los inteirinhos, numa bocanhada só...que delícia!
Ora, você dirá, cama tem boca? Pois é, essa tinha, mas ninguém suspeitava.E viviam comprando chinelos novos para substituir os que as crianças perdiam, não se sabe onde nem porque.
Um dia, Aninha recebeu um convite para a festa de aniversário de sua melhor amiga e pediu de presente para a mãe, um par novinho em folha, de sapatos de princesa, como os que saíam nas revistas.
Queria com brilho e tudo, tipo fitinhas de todas as cores, strass, lantejoulas e saltinhos, cobertos com um brilhante verniz.
Dito e feito. Chegaram mãe e filha da cidade com os sapatinhos novos na caixa brilhante.
A cama ficou muito curiosa e babando de vontade de experimentar uns sapatinhos mais sofisticados do que aquele bando de chinelos velhos que comia quase todo dia...
Naquela mesma noite, Aninha tirou os sapatinhos da caixa e ficou desfilando e gabando-se deles para toda a família. E a cama só esperando...
Enfim, quando a menina foi se deitar (para sorte da cama) ,deixou os sapatinhos logo ali, fora da caixa, ao alcance da língua da cama glutona.Língua? Alguém disse língua? É...bem, deixa pra lá.
Assim que a menina fechou os olhos, a cama, no mesmo instante, sugou os sapatinhos pra debaixo dela e quase engasgou com tantos apetrechos de metal e fitas. Comeu assim mesmo, devagar, degustando cada pedacinho, cada enfeitinho de treliça com laçarotes, lantejoulinhas e mais lantejoulinhas de todas as cores vibrantes e ardentes como pimentas. Pimentas?
Bom, aí ela ficou de barriga cheia e sem se conter, começou a arrotar grosso e em bom som e de sua enorme boca saíam brilhos azuis, cor de rosa, dourados, prateados...
Aninha acordou com o barulho e ao ver aquelas cores todas rodeando o quarto, pensou que ainda estivesse sonhando e achou muito bonito todos esses efeitos especiais...então demorou um pouco para perceber que os brilhos saíam debaixo da cama gulosa...
Porém, quando enfim acordou e caiu na real, ficou de cabelo em pé ao ver o estrago que ela tinha feito nos seus sapatinhos novos...
O que você fez com meus sapatos de princesa?, gritou chorando, dirigindo-se diretamente para a cama, acusadora e sem constrangimentos.
Esta, pega em flagrante, ficou vermelha de vergonha e começou a engasgar e arrotar ainda mais...sem conseguir dar nenhuma explicação plausível. Enfim disse, derrotada:
desculpe..conseguiu gaguejar, visivelmente nervosa...Você disse nervosa? A cama teve um ataque de nervos de madeira? Pois é...bom continuando, ela tentava explicar:
... estava com fome...e não resisti a um par de sapatinhos tão apetitosos...você entende Aninha?, perguntou, quase cruzando as pernas de tão arrependida, por ver a menina tão triste. O que posso fazer agora? ...continuou, vomitando um pedaço inteiro de fita rosa com baba de brilho que já fora lilás
Aninha fez uma cara de nojo...mas..no fundo, ficou com pena da cama que estava visivelmente com suas quatro pernas bambas e trêmulas.
Sei...
Não sei o que vai ser de você cama, mas vamos ter que contar tudo pra minha mãe porque eu ouvi bem quando ela disse que esses sapatinhos custaram uma fortuna!
A cama não tinha olhos, mas se tivesse,Aninha poderia jurar que vira um par de olhos se esbugalharem naquele instante, e certamente, se ela tivesse coração, teria sofrido um enfarte fulminante.
Ah, tá...deveriam ter chamado o médico, quer dizer, o marceneiro...
Deixa eu continuar a estória.Bom,como a cama era inevitavelmente prisioneira em seu frágil corpo de madeira, ficou ali, imóvel, muda e de boca fechada, conformada com o terrível destino que a esperava... vai ouvindo...
Aninha descobriu que tinha um segredo, que não podia revelar nem mesmo à cama criminosa: a verdade é que ela estava adorando viver essa estória fantástica de conversar com uma cama que era, além de falante, gulosa, encrenqueira e encrencada.
Sentia-se instantâneamente afeiçoada a ela e nem lembrava-se mais daqueles destroços pelo chão, que no momento anterior foram um par de sapatos novos...
Então, eis que inverteram-se os papéis e Aninha, de vítima passou a tentar com promessas e carinhos, a ser a consoladora da d.cama, que de vilã, tornou-se a coitadinha da estória...ora essa, você acha isso certo? Esta estória tá ficando muito esquisita! Shshshhhh!
Mas foi assim mesmo que transcorreram-se os dias, um após o outro:Aninha desocupou a sua cama “comum”e passou a dormir na cama “epecial”. As duas tornaram-se amigas inseparáveis. Ana recolheu todos os sapatos que decidiu serem velhos e trazia-os furtivamente para o quarto para deleite da nova amiga, que se fartava de galochas, sapatos de cordão, tênis fedidíssimos(que eram os seus preferidos!) e, claro, chinelos, muitos chinelos.
Sapatos de festa, nunca mais! O que a cama entendeu prontamente, contentando-se com o “arroz e feijão”de todo dia.
Ela admitia a si mesma que havia pegado uma certa alergia (que só as camas pegam) de sapatos novos de fitinha e lantejoulas...
Brilho na sua boca? Nem pensar!
Sóóóó!
Já haviam passado quase duas semanas e estava chegando o dia da festa de aniversário da amiguinha de Ana. Seus pais estavam estranhando o comportamento da menina, que vez por outra dera de se trancar no quarto, levando sacolas com não sei o que e até pá e vassoura...
Bem, pensou a mãe, seja qual for a bagunça que ela esteja aprontando, a verdade é que está limpando tudo direitinho...então, deu-se por satisfeita.
Mas, dizer que não iria mais com os lindos sapatinhos guardados para a festa, ah, isso já era estranho demais! Não houve argumento que convencesse sua mãe de que aquele poderia ser um comportamento normal...
Não houve outro jeito, Ana e a cama tiveram que confessar à mãe a verdadeira razão de todos os fatos.
E, para tanto, a menina convocou a mãe a ir ao seu quarto para uma reunião de emergência.
Sentou-se na cama e contou tudo.Quer dizer, as duas contaram tudo.Ana e a cama. Tudo? Tudinho!
E a mãe?
A mãe desmaiou, oras...mas isso é uma outra estória...
autoria de Lídia e Mariana-9anos