O GUARDA-CHUVA AZUL

Florisbela não gostava de céu cinzento, nem de dormir cedo, mas ela gostava de muita espuma no banho e comia todos os legumes na hora do almoço. Era bom para crescer, sua mãe sempre dizia. Nos alto dos seus cinco anos, a menina ainda não conhecia as complicações da vida. Para ela, a ansiedade pela chegada do final de semana era o pior dos castigos. Ora, ela queria correr pelos campos com a bicicleta nova de cestinha colorida e rodinhas de apoio que acabara de ganhar. Abraçada à Mimi, a vaquinha de pelúcia que lhe protegia durante à noite, ela custou a pegar no sono...

Florisbela acordou com um barulho diferente, era um plic-plic-plic que não parava de jeito nenhum. Esfregando os olhos, ela levantou e foi olhar pela janela...

- Ah, não! – Disse ela, ao perceber que o ruído era causado pelas pesadas gotas de chuva que caíam, sem cerimônias, do céu fechado e se chocavam contra o telhadinho sobre a sacada do seu quarto.

- E agora? – Perguntou para sim mesma, já sabendo a resposta.

Com uma chuva daquelas não daria para passear de bicicleta, como tanto desejara. Por que o sol resolvera esconder seu brilho justamente no sábado? Sem conseguir esconder a decepção em forma de tristeza, Florisbela desceu para a refeição matinal com seus pais. Porém, naquela manhã, ela não quis provar nem mesmo as panquecas com geléia...

Com os olhos úmidos como a terra do jardim, a menina permaneceu durante horas na varanda, observando, de forma desolada, a chuva forte. A menina achava que nada poderia quebrar a monotonia daquele cenário, mas Florisbela estava errada. Mais uma vez ela teve de esfregar os olhos, mas não por causa do sono, e sim para ter certeza de que seus olhinhos não lhe pregavam uma peça. Não! Não pregavam!

Era realmente um sapo que navegava num dos inúmeros fios d`água formados pela chuva. O bichinho verde usava uma folha como barco e um graveto como remo. Ainda sem acreditar, porém maravilhada com o que via, Florisbela se deitou nas tábuas envernizadas da varanda e fez sinal para o pequeno navegante.

- Ei, senhor Sapo, ei, aqui! Saia dessa chuva. Venha para cá!

A folha, como uma fragata em alto mar, descreveu uma manobra improvável e deslizou suavemente até o local onde a menininha estava.

- Ora, ora, qual o motivo de tanta preocupação num dia tão bonito, senhorita?

- Humpf – resmungou a pequena – Meu nome é Florisbela, o dia está horrível e eu não estou preocupada, estou aborrecida, é bem diferente.

- Entendo. E qual é a razão para tanto aborrecimento, senhorita Florisbela?

- Ora, eu queria muito sair e brincar no quintal, mas como isso é possível com essa chuva ingrata, senhor Sapo? Eu não gosto de dias chuvosos, eles só me trazem tristeza. Eu gosto da alegria do sol brilhando, da terra fofa e dos pássaros cantando.

- Sei como é. Vamos fazer o seguinte, então. Por que você não abre o guarda-chuva?

- Como assim, senhor Sapo? Não é a mesma coisa brincar desse jeito e, além do mais, não tem nenhum guarda-chuva aqui fora e...

Florisbela tomou um susto ao girar a cabeça a fim de olhar para onde o bicho apontava. Pois, encostado na pilastra, estava um guarda-chuva grande e azul, o qual não estava lá há poucos instantes.

A menina estava tão intrigada com o surgimento do objeto, que não se importou muito em saber como o dito cujo fora parar lá. Na verdade, ela estava mais preocupada em tocá-lo, a fim de se certificar de que ele era real. E era.

- Abra-o, senhorita! Vamos!

As mãozinhas seguraram o corpo esguio do guarda-chuva. Com o polegar, ela acionou um pequeno gancho, então ouviu um clique. Em seguida, uma enorme lona azul se abriu sobre sua cabeça.

- Muito bem, senhorita Florisbela. Muito bem.

- Eu não vou sair nessa chuva, senhor Sapo. Não mesmo.

- Não, não, não, não, senhorita. Não mesmo. Apenas te peço que me ouça. Erga bem o guarda-chuva, olhe para ele... isso mesmo. Agora, gire-o, gire-o, gire-o...

Florisbela fez como o navegador-verde pediu. A princípio, ela nada viu, além do grande borrão formado pela lona azul em movimento. Porém, aos poucos, bem aos poucos, ela teve a impressão de que algo diferente acontecia sobre sua cabeça. Era como se uma imagem se formasse, onde um céu de azul profundo dominava o cenário, um azul tão magnífico que só poderia existir em seus bastões de cera.

Um sorriso franco iluminou seu rosto quando ela viu nuvens brancas como os pêlos de um coelhinho, ou como o algodão-doce do circo, deslizando pelo céu do guarda-chuva. Não tardou para que os contornos do sol radiante também aparecessem. Florisbela estava maravilhada como o que via...

- Senhor Sapo! Veja, senhor Sapo! Senhor Sapo?

Ao se virar para encará-lo, a menina tomou um baita susto...

- Senhor Sapo, como o senhor ficou tão grande? – Disse ela, sem perceber o óbvio.

- Olhe ao seu redor, senhorita. Olhe ao seu redor.

Por mais incrível que pudesse parecer, naquele momento, a estatura da garota não passava de um palmo.

- Venha, senhorita Florisbela. Suba a bordo!

Dividida entre a euforia e o receio, ela tomou assento ao lado do capitão. Sob o guarda-chuva azul, brilhava um céu claro de um dia de verão, e ao redor da pequena folha-barco, a chuva continuava a cair.

- Segure-se, senhorita. Vamos descer o rio!

A menininha manteve uma das mãos firmes no cabo do guarda-chuva, e a outra na borda esverdeada da folha. O barco descia em alta velocidade pela corredeira em pleno jardim. Ele subia e descia. Contornava pedras. Ziguezagueava pelas curvas do quintal.

- Veja, senhorita! Está vendo como a chuva umedece a terra? O barro ficará maleável, de forma que o passarinho conseguirá moldar sua casa no alto daquela árvore.

- Ele é um pássaro bem esperto, não é mesmo senhor Sapo?

- Sem dúvidas, senhorita. Sem dúvidas. A mesma água aumentará o nível dos rios, fazendo com que os peixes possam se encontrar e, assim, também possam formar novas famílias, com muitos peixinhos. Você gosta de peixes dourados, senhorita Florisbela?

- Sim. Eu tenho muitos peixes coloridos no meu aquário.

A folha percorreu uma longa distância até o outro lado do quintal. O barquinho atravessou um túnel por entre uma cerca viva, chegando até os limites da casa vizinha, onde uma pequena horta, cultivada com esmero pelos amigos dos pais de Florisbela, se encontrava.

- Veja, minha amiguinha. A chuva vai fazer com que as pequenas hortaliças cresçam e se tornem nutritivas.

- A mamãe sempre diz que as verduras fazem bem.

- Muito sábia a sua mãe. Muito sábia. Ela cuida muito bem da sua alimentação. Sem a chuva, não há comida na floresta. Imagine como as mães dos bichinhos fariam para dar comida para eles?

- Mas senhor Sapo, às vezes quando chove muito falta luz. Eu não gosto do escuro, eu não gosto.

- Mas você sabia que a chuva é importante para as hidrelétricas?

- Hidro o quê?

- É um lugar que produz a energia elétrica. Faz com que a luz chegue a sua casa.

- É mesmo?

- Pode acreditar!

A folha ganhou velocidade quando voltou para o quintal de Florisbela. As guinadas do barco arrancavam gargalhadas da menina. Seus olhos não vertiam mais lágrimas, pois a tristeza havia secado em seu coração.

- Mas você precisa entender uma coisa, senhorita.

- O que, senhor Sapo?

- Acabar com o leito dos rios, construir nas encostas dos morros, não respeitar os limites naturais, jogar lixo no chão, entupindo os bueiros. Essas atitudes podem causar problemas para as pessoas. A chuva também pede espaço, portanto fique atenta para isso.

- Pode deixar.

O barco-folha atracou na entrada da varanda.

- Veja, senhor Sapo. Não é lindo esse jardim?

- É belíssimo. Multicolorido. Flores belas iguais a você. Que a chuva faça com que cresçam...

A menina sorriu e abaixou o guarda-chuva, deixando a água lavar seus cabelos encaracolados. De olhos fechados, ela sentiu o toque morno dos céus. Feliz, Florisbela sentiu que crescia, tal qual as flores do campo, quando regadas pela chuva...

- Flor? Flor? Acorde, minha filha! Você dormiu aqui na varanda. Veja, a chuva já passou. Daqui a pouco você pode brincar...

Resignada, Florisbela percebeu que sonhara, pois não havia nenhum guarda-chuva azul ao seu lado. Mas antes de entrar para pegar a bicicleta, ela deu uma olhadinha para o jardim. E, por um momento, ela teve a impressão de que um sapinho que pulava no gramado úmido lhe sorria...

*Um continho infantil para amenizar a tristeza recente causada pelas chuvas...

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 26/01/2011
Código do texto: T2752379
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