O Ás do volante
- Venha cá menino, toma aqui esse dinheiro. Vá lá à padaria de Otávio comprar o pão. E vê se não demora. Vou cuspir no chão e se este cuspe secar antes de você chegar... Ah... Vai ter! – falou imperativamente a mãe.
O filho recebeu o dinheiro das mãos da mãe e, como costumeiramente fazia, foi até a cozinha, apanhou o bornal pendurado na parede e o colocou a tiracolo. Pegou uma tampa de caldeirão, dirigiu-se à porta da rua, sondou o ambiente para ver se o trânsito estava livre e tomou posição ereta com os braços estendidos à frente do corpo segurando a tampa como se fosse o volante de um veículo. Simulou ligar a chave de partida, executou duas violentas sopradas... Vruuuuun!...Vruuuuun!...
Ajustou a máquina, deixando-a nos trinques. Engatou a primeira e arrancou. Mais adiante engrenou a segunda, depois a terceira e seguiu desembestado rua acima, rua abaixo. Ao se aproximar da padaria já havia engatado a “prize” e a máquina, àquela altura, como havia alcançado o ápice de velocidade, causou uma espalhafatosa brecada na chegada ao destino.
- Freeeeeeeeeeeeen! - Os clientes pularam assustados para não ser atropelados.
- Menino-diabo! - bradou o sisudo dono da panificadora. Você quer atropelar os meus clientes?
- Qual nada “seu” Otávio, tenha medo não. O carro está com o freio muito bom e no motorista aqui o senhor pode “botá fé”, porque é nota dez.
- Sei não... - zombou o comerciante.
- “Seu” Otávio me dê aí oito “pão” de sal. O comerciante recebeu o dinheiro, conferiu e enfiou na gaveta. Colocou os oito pães no bornal do garoto e devolveu.
Jajá, como carinhosamente era conhecido o pimpolho, recolocou o bornal a tiracolo, ajeitou-se todo e como fizera na saída de casa foi até a porta da padaria, tomou posição ereta, empunhou novamente a tampa como se fosse o volante de um carro, esticou bem os braços para frente e simulou dar partida à máquina, executando as costumeiras sopradas: ...vruuuuun! ... Vruuuuun!
Quando ia arrancar, Otávio interrompeu e, em tom de galhofa, falou:
- Menino-diabo, a fumaça da descarga desse carro está poluindo minha padaria!
Os clientes presentes no estabelecimento comercial riram a valer e não mediram esforços em incentivar o pequeno Ás do Volante a cumprir sua jornada de volta para casa. Desta feita com o veículo conduzindo um carregamento de pães.
Preocupado com a recomendação da mãe, o garoto arrancou tão celeremente, que a cerca de 100 metros dali já havia engatado a quarta marcha. Desembestou-se rua acima, rua abaixo e, perto de casa, executou uma reduzida para a terceira. Em seguida uma segunda marcha, a primeira, freando suavemente o “carro” e entregando em tempo hábil a mercadoria a sua mãe.
Como recompensa à presteza, o pimpolho foi degustar um delicioso café.
Para ele aquele seria o combustível da sua máquina envenenada no cumprimento de outras tantas tarefas que, por certo, surgiriam ao longo do dia.
Ossos do ofício de ser criança.