A Borboleta Invisível

Talvez você não acredite nesta história que vou narrar. Ela foi contada por meu avô, que ouviu de seu avô, que, por sua vez, escutou de seu nono, que era de uma terra bem distante.

Como todo bom "causo", este começa assim:

Era uma vez uma aldeia, e, próxima a ela, existia uma floresta cortada por um rio cujas águas cristalinas nasciam numa distante montanha. A terra ficava perdida num planalto central deste mundão de Deus. Dentro desta floresta densa, habitava um ser angelical, de cuja existência poucos se davam conta. Naquela mata de vegetação cerrada, havia uma linda borboleta.

Você pode até dizer: "Mas que novidade é esta? Borboletas existem aos montes pelo planeta afora!"

É verdade. Mas esta era especial. Muito especial mesmo, pois era uma Borboleta Invisível.

Poucos, muito poucos, podiam enxergá-la naquela floresta densa de tons de verde que pareciam ter nascido da paleta de um artista. As borboletas que havia naquela mata eram conhecidas por suas belezas e variedade de cores, mas se os habitantes daquela terra pudessem enxergar a Borboleta Invisível, aaah… Certamente a elegeriam como o ser mais belo deste planeta. Mas ninguém, ninguém mesmo, conseguia vê-la para apreciar tanta formosura.

Suas asas lembravam rendas que pareciam criadas por alguma mão de fada que, certamente, habitava aquela mata. Cada pedacinho de seu corpo delgado era de uma perfeição que só mesmo a Mãe Natureza seria capaz de gerar.

Mas, apesar de tudo isso, o povo daquela terra não conseguia vê-la pousada nos largos e extensos troncos das árvores que circundavam a floresta, o que não deixava de ser uma pena, porque tanta beleza não deveria ser apreciada apenas por alguns.

Sua transparência era motivo de tristeza para a Borboleta Invisível. Ela queria muito ser vista, apreciada e amada, mas ninguém tinha enxergado suas asas bordadas, suas antenas delicadas e seu voar angelical.

Triste é a sina de quem não consegue ser vista pelo outro. Dá um pesar danado no coração de quem se torna invisível para o mundo, principalmente quando tudo o que se almeja é ser admirado, é fazer brotar no peito de alguém um sentimento que acalente as entranhas como se fosse um colo quente e reconfortante.

A Borboleta Invisível se sentia assim, entristecida em sua invisibilidade, embora conformada com seu destino.

Se você pensa, contudo, que a história termina por aqui, está enganado. Esqueci de contar que naquela aldeia havia um menino, um moleque destes bem levados, que vivia de calça curta e joelho ralado, curioso por natureza, de olhar esperto e vivaz e cuja íris mais parecia um céu azul em dia ensolarado sem nenhuma nuvem.

Um garoto capaz de enxergar coisas a que os outros não dariam a mínima atenção. Um bichinho do mato que gostava de colecionar pedras pequenas, que colhia, escondido do pai, alface na horta e fruta no pomar para dar aos passarinhos, ou a qualquer criatura da natureza que sentisse fome de corpo e de atenção.

Mas o garoto não era santo não! Adorava subir em árvores, dar susto nas beatas que passavam pela calçada em direção à igreja e que o desconjuravam, rogando pragas do inferno, dizendo que sua alma queimaria lá em baixo, com o Belzebu, só porque ele teimava em jogar pererecas sempre no momento em que elas passavam. Uma grande injustiça com o pobre do garoto, essas beatas faziam. Afinal, até que se prove o contrário, só se é menino uma única vez na vida.

Era, pelo menos, o que o padre jurava em suas missas matinais de domingo! O garoto sempre desconfiou do pároco com suas mãos melecadas de gordura de frango assado, que comia duas vezes ao dia, mas como ninguém tinha se manifestado, não seria ele a fazê-lo.

Afinal, era apenas um menino, e criança não tinha querer, tampouco podia dar pitaco em conversa de adulto. Se fizesse isso, sua mãe lhe puxaria as orelhas, e adeus sobremesa, durante uma semana inteirinha, inteirinha. Melhor ficar quieto.

Certa vez, num dia radioso de primavera, quando a Mãe Natureza mostrava todo o seu esplendor e glória desde os primeiros minutos do amanhecer, o menino saiu cedinho da cama, o galo mal havia cantado. Pegou um pedaço de broa que estava em cima da mesa da cozinha e se esgueirou de fininho pela porta dos fundos, em direção à floresta.

Se a mãe ou o pai lhe visse, a aventura estaria perdida. Logo, logo, lhe incumbiriam de alguma tarefa: debulhar milho, varrer o quintal, ou mesmo tomar conta do gato da vizinha, que vivia querendo fazer do canário do seu avô a refeição principal do dia.

Então o menino, depois de ter tomado uma distância considerável da porta da cozinha, e já confiante de que não poderia mais ser visto pelos pais, saiu em disparada, como se fosse um corisco, em direção à floresta que, na sua visão de moleque, era um local mágico e cheio de mistérios. Volta e meia, ele se refugiava ali, quando, é claro, conseguia se desvencilhar dos olhares materno e paterno. Nem sempre era fácil; porém, possível.

O garoto, ao chegar à mata, foi logo envolvido por diferentes sons, que nunca o deixavam de encantar. As folhas das árvores ainda carregavam o orvalho da madrugada ainda não completamente evaporado. Molhadas, brilhantes, resplandeciam parecendo esmeraldas ao sol.

De repente, um balé de borboletas passou em sua frente. Extasiado, olhava-as dançando como se namorassem. O menino ria vendo tanta beleza. As cores das borboletas pareciam terem sido tiradas do arco-íris. Uma variedade caleidoscópica que fazia o garoto arregalar os olhos e buscar identificar cada uma. Mas o dançar era rápido demais e, muitas vezes, ele não sabia onde começava uma cor e terminava outra.

A visão durou poucos segundos, tempo suficiente para que o menino se apaixonasse pelas borboletas e resolvesse daquele momento em diante, vir sempre à mata admirá-las. Nascido e criado naquelas bandas, constantemente vinha à floresta, mas era a primeira vez que conseguia presenciar o dançar das borboletas.

Ficou tão impressionado com o que viu, que saiu correndo, deixando de lado a intenção primeira de ficar explorando o local, em direção à casa para falar com o seu avô.

Seu nono – era assim que ele chamava o pai de sua mãe – era um homem muito sábio. Para o menino, ele era o homem mais sábio do mundo, pois tudo o que perguntava o avô sabia, e, quando não sabia, os dois juntos iam procurar num livro grande de capa preta que o nono havia apelidado de "Pai do Conhecimento".

A curiosidade era tanta, mas tanta, que, quando o moleque conseguiu achar o avô, que estava debaixo de uma árvore frondosa, agachado, plantando margaridas, o coração parecia querer sair pela boca, e as palavras se embaralhavam com o ar, produzindo sons estranhos e desengonçados.

O avô, conhecido por sua serenidade e jeito calmo no falar, sorriu e esperou, pacientemente, o neto se recuperar, para, então, entender o que ele tanto queria.

Demorou uma eternidade para que isso acontecesse. Um minuto inteirinho de aflição do garoto querendo perguntar, e não conseguindo se fazer entender. O avô, sorrindo, pediu que ele respirasse fundo, profundamente, várias vezes, até que as palavras foram se tornando compreensíveis, e ele entendeu o que o neto tanto ansiava: queria saber tudo sobre as borboletas.

O velho senhor sentou-se num banco que ficava debaixo de um caramanchão florido e contou tudo o que sabia. A cada relato, o menino fazia novas perguntas, e a prosa durou horas seguidas, sem que ambos notassem o tempo passar. No final, a mãe do garoto teve que os chamar várias vezes para irem almoçar, pois a comida esfriaria.

O estômago dos dois já dava mostras de impaciência e a comida da mãe cheirava até alcançar o outro lado da cerca, mas, antes de se levantar, o avô lhe contou a lenda de que havia naquela floresta um ser muito especial: uma Borboleta Invisível. Quem a visse ficaria batizado pela sorte e, enquanto vivesse, teria em seu poder um tesouro de valor inestimável.

Foram almoçar. A comida estava boa, mas, a cada garfada que o menino colocava na boca, tudo em que pensava era como faria para conseguir ver a Borboleta Invisível e, assim, ser o dono do tesouro que ela traria. O moleque, como todo garoto que se preza, sempre quis ser pirata. Mesmo nunca tendo visto o mar de perto, seu avô lhe dizia da imensidão e da profundidade inigualáveis do oceano. Seu sonho era conhecer as terras distantes que seu nono vivia a lhe contar. Terras onde existissem neve e montanhas tão altas que não daria para ver o topo escondido lá em cima, entre as nuvens.

O garoto sonhava em fazer uma longa viagem, tendo sempre a tiracolo o avô, sua coleção de pedrinhas e mais meia dúzia de bugigangas que ele considerava essenciais para a sua vida. Coisas que qualquer menino carregaria para onde quer que fosse.

E ele pensou, pensou, pensou... passou a tarde inteira na porta da cozinha, sentado nos degraus, atinando uma maneira de conseguir ver a Borboleta Invisível.

A mãe logo foi ver se ele tinha febre ou algo parecido. Sim, porque, espevitado do jeito que era, só se estivesse muito doente é que ficaria quieto, num canto qualquer.

Mas ele não tinha febre. Não a febre que a mãe pensava, mas sim um desejo intenso de ver a Borboleta Invisível!

A noite chegou e as estrelas surgiram lá no alto, as luzes da casa foram se acendendo e o menino continuava na porta da cozinha, pensando num jeito, tentando atinar uma maneira de conseguir realizar o seu desejo.

A mãe o chamou, o pai também, mas ele só entrou depois que o avô sentou-se na porta junto com ele, aconselhando-o que fosse jantar e depois dormisse, pois saco vazio não para em pé e nada melhor do que uma boa noite de sono para "desanuviar" as idéias.

Como tudo o que o nono falava dava certo, o moleque seguiu seu conselho. No dia seguinte, o guri levantou novamente cedo, mais cedo ainda, junto com o galo, e novamente passou na cozinha, pegou um pedaço de pão recém-feito, e saiu em disparada na direção da mata. Não chegou sequer a tomar o seu café com leite, pois queria chegar cedo à floresta. Vai que a Borboleta Invisível madrugasse também! Se ele chegasse tarde, ela poderia já ter ido para outros lados, sabe-se lá!

Chegando à mata, o menino ficou pesquisando cada pedacinho do terreno coberto de árvores, folhas caídas e flores silvestres. Encontrou os mais diferentes pássaros, com plumagens ricas e variadas. Borboleta, então?! Nem se fala! Cada uma mais linda e delicada que a outra, mas nada, nada mesmo, da Borboleta Invisível.

O ser que lhe traria um tesouro de valor inestimável, conforme o avô lhe havia contado. Sentou-se na raiz de uma árvore e ficou pensando como seria encontrar um baú contendo um tesouro. Cheio de pedras coloridas, pérolas como as que sua mãe usava e que foram compradas na quitanda do "seu Juca", só que essas teriam valor!

O garoto não era ambicioso… Quer dizer, só um pouquinho. A descoberta do baú com o tesouro (porque todo tesouro que se preza tem que vir dentro de um baú), sim, lhe abriria as portas para conhecer outras terras, viajar. A mãe sempre dizia que não podia ir para a capital porque não tinha dinheiro, que o pai precisava juntar para comprar semente boa para a próxima estação.

Os anos se passavam, e o menino, que sempre acalentou o desejo de ir para a capital ver o mar, não conseguia realizar seu sonho. "Afinal, já estou ficando velho", pensava, "Daqui a pouco, faço dez anos e não vivi a vida", argumentava consigo mesmo!

Por isso lhe era tão importante encontrar a Borboleta Invisível e ser bafejado pela sorte. O tesouro de valor inestimável lhe abriria as portas para ver o mar e viajar nele por horas e horas. Seu nono lhe disse que o oceano era grande, mas tão grande, que se poderia navegar nele por meses antes de encontrar outro país, sim, senhor!

Mas como encontrar a Borboleta Invisível? Se ela morava naquela mata, em qual toca dormia? Aliás, borboleta dorme? Borboleta mora em toca como os coelhos? Tantas perguntas... E nem seu avô nem o "Pai do Conhecimento" estava por perto para lhe dar a resposta a tantas indagações. Era muita falta de sorte! Mas o menino não desistiu e continuou ali na floresta, tentando enxergar a Borboleta Invisível.

As horas foram passando, a "noite foi chegando devagarzinho com seu manto negro, salpicado de estrelas", e antes que sua mãe brigasse e o deixasse de castigo por chegar atrasado ao jantar, o menino resolveu ir embora. Contudo, ele se prometeu continuar na manhã seguinte à procura do ser que lhe bafejaria com a sorte.

Chegando à casa, o neto foi procurar o avô para esclarecer várias questões que lhe surgiram enquanto estava na floresta. A conversa foi longa.

Só houve uma parada durante o jantar, pois o pai sempre insistiu que a hora de comer era sagrada e que todos deveriam se concentrar no alimento, agradecendo ao Pai Maior. Nunca o silêncio à mesa incomodou tanto o guri. O avô, que sempre foi de comer compassadamente, saboreando a gostosa sopa que a filha havia feito, parecia mais lento do que os dias normais. Mas até que a refeição acabasse e o garoto pudesse continuar a prosa com o querido senhor de cabelos brancos penteados para trás, que tinha os olhos dos mesmos tons que os seus, pareceu uma eternidade.

O nono lhe explicou que era difícil conseguir enxergar a Borboleta Invisível, porque ela era muito arisca e nem todo mundo conseguia vê-la; que só aparecia para alguns privilegiados que conquistassem sua confiança; que o neto deveria ter paciência e ganhar sua amizade, para que ela se sentisse segura ao seu lado. "Para se confiar numa pessoa, é preciso comer um quilo de sal com ela. Todo dia um pouquinho", sentenciou o sábio ancião.

O garoto ficou pensando no que o avô disse. No dia seguinte, quando retornou à floresta, já foi sabendo que era preciso praticar a paciência, e que seu tesouro não seria encontrado rapidamente.

Cheio de coragem e confiante de que conquistaria a Borboleta Invisível, o moleque saiu naquele dia de casa assim que o sol raiou munido, do firme propósito de fazer dela sua amiga. Como a mãe sempre disse que a melhor maneira de se chegar ao coração de um homem era cativando seu estômago, o menino resolveu levar uma porção extra de broa.

É bem verdade que a Borboleta Invisível não era homem, mas se funcionava para um, porque não funcionaria para outro, né? "Não é tudo filho de Deus?!", atinava o garoto esperto.

E o guri passou o dia inteiro na floresta estudando seus barulhos. Viu um montão de pássaros, joaninhas, formigas, besouros, bichinho bem pititico, outros nem tanto. Naquele silêncio todo, o menino conseguiu escutar as vozes das águas que passavam por entre as pedras do rio. Um monte de passarinho comeu os farelos da broa que ele levou para conquistar a Borboleta Invisível.

Ela não apareceu, pelo menos não que ele conseguisse ver, mas sua manhã não foi perdida porque, se não conseguiu conquistar a amizade da Borboleta Invisível, pelo menos ele semeou confiança nos vários passarinhos e formigas que vieram comer da iguaria de sua mãe.

O guri não foi embora triste, quando retornou para casa no final da tarde. Ele tinha a certeza de que se conseguiu iniciar uma amizade com os amiguinhos da floresta, também conquistaria a da Borboleta Invisível.

E, assim, a cada amanhecer, o menino voltava à mata e aprendia um pouco mais daquele ambiente que pouco a pouco se ia revelando. Um novo mundo se abriu para ele. O guri começou a conhecer cada flor, cada folha, cada curva do rio que atravessava a densa floresta e agora não estava apaixonado apenas pelas borboletas, mas por todo aquele universo verde que tinha perto de casa.

O interesse era tanto, mas tanto, que o avô, sempre ele, encomendou da capital – onde havia o mar que o menino queria conhecer com o tesouro que a Borboleta lhe traria – um livro grande, grosso, de capa dura e marrom, contendo os desenhos de várias borboletas. Parecia que todas as borboletas que existiam no mundo estavam ali retratadas. Menos uma, é claro. Como seu avô tinha lhe explicado desde o início, poucos, bem poucos conseguiam enxergar a Borboleta Invisível.

No final, de tanto lidar com o livro, o menino já sabia distinguir cada uma das borboletas que lhe apareciam pela frente, quando sentava no meio da floresta e admirava o ambiente. O avô, incentivando o interesse do neto, resolveu encomendar dois novos livros da capital: um sobre as árvores e outro sobre os pássaros. Os dois tinham capa dura também, só que eram verdes e um pouco mais pesados do que o primeiro.

A mãe do menino bem que quis ensaiar um protesto contra a ausência dele em casa e nos pequenos afazeres domésticos, mas o sábio avô lhe disse: "Deixe estar. Ele está aprendendo a amar a natureza". Como boa filha , a mãe do guri acabou obedecendo ao velho pai. Livre da implicância materna, o menino agora se sentia alforriado para passar a maior parte do tempo na sua floresta particular.

Várias vezes, o avô lhe acompanhou na empreitada, sentando com o garoto no meio da mata para contar coisas que sabia sobre aquele universo verde, lembrar de quando tinha a idade do menino e corria pela estrada afora, sempre em companhia de seu nono também. Quando o menino ouvia aquilo, ficava espantado! Para o moleque, o avô já tinha nascido com aquela idade, de cabelos brancos.

Mas seu nono contava as histórias, e isso sempre acalentava o seu coração. A voz pausada e suave encantava não apenas o neto, mas também os bichos que povoavam aquela floresta. O guri notou que, enquanto o sábio ancião contava as histórias, os pássaros, formigas, joaninhas e bichinhos de diferentes portes se avizinhavam atentamente.

Aquilo deu uma idéia ao garoto. Se uma legião vinha escutar seu avô, quem sabe ele não poderia fazer o mesmo com a Borboleta Invisível? Durante aquele tempo, o menino ficou tão entretido em ler os livros presenteados pelo avô, que esqueceu, temporariamente, de seu maior objetivo em estar na floresta: conquistar a confiança e a amizade da Borboleta Invisível.

No dia seguinte, o guri levou um dos livros de capa verde e começou a ler com a voz pausada, semelhante à que o nono usava quando lia histórias para ele dormir. Sua voz parecia ecoar na clareira. No silêncio suave da mata, a voz do garoto se assemelhava ao vento que corta as folhas das árvores. Os animais começaram a se aproximar para escutá-lo.

Os dias foram passando, e o menino fez da leitura em voz alta um hábito. Ele notava que os seres da floresta gostavam mais quando lia as aventuras dos piratas de terras distantes.

As borboletas ora voavam ao seu redor, ora pousavam nas pedras ou nos troncos das árvores que circundavam o local onde o guri tradicionalmente sentava para ler suas histórias.

Mas o moleque não ficava apenas ali lendo, lendo, lendo… Não! Com o passar do tempo, cada pedacinho daquela mata era conhecido por ele. Não havia um tiquinho de terra, um cantinho qualquer que o garoto não conhecesse, de que não tivesse ciência. O menino conhecia todos os bichinhos, e os novos que nasciam já se tornavam seus amigos. Mas a Borboleta Invisível, nada. Nadica de nada!

O verão chegou, depois surgiu o outono. No inverno, o garoto pegou uma gripe braba e teve que ficar de molho na cama, tomando caldo de galinha feito pela mãe e usando emplastro de angu no peito. Com isso, suas visitas à mata tiveram que ser adiadas. O menino ficou muito triste com isso, mas o avô lhe mostrou que ele poderia usar este tempo que estava de molho na cama para estudar mais sobre a natureza e, assim, mandou trazer da capital mais três livros grossos, desta vez dois azuis e um vermelho escuro.

O menino acordava bem cedo e ficava até a noitinha devorando o presente do nono. Ele estava ansioso para sarar logo e poder ir à floresta comprovar tudo o que aqueles livros diziam. Seu amor pela natureza crescia a cada dia mais e, quanto mais lia, mais tinha curiosidade para saber e saber.

Sua fome era tanta, que o moleque só tinha um assunto nas conversas: era natureza pra cá, natureza pra lá, porque a natureza… Os pais, os empregados do sítio, até os amiguinhos da escola se cansaram de ouvir suas histórias e saberes. Apenas o avô, que tinha paciência de Jó, ouvia e o incentivava mais e mais. O velho ancião também era um apaixonado pela natureza. Sua maior paixão, contudo, eram as flores, principalmente as margaridas. O senhor de cabelos alvos sabia tudo a respeito de flores, e era um grande estudioso de margaridas.

O convívio diário do menino com a floresta teve seus resultados. Durante todo o tempo, a Borboleta Invisível ficou por ali rondando, escutando sua voz, as histórias que contava sobre piratas de uma terra distante e foi aos poucos tomando confiança no moleque.

Ela, que sempre foi desconfiada, começou a acreditar que o guri não era perigoso, e, quando viu, já ansiava por sua presença na mata, que era sua casa.

O ser angelical queria muito que as pessoas a enxergassem, ansiava verdadeiramente por isso, mas, no fundo do seu coração de renda, ela temia ser machucada. Temia que os seres humanos a prendessem e a colocassem dentro de um vidro, dependurada num quadro na parede. Volta e meia surgia alguém que aprisionava assim uma porção de primas suas e as levava para outro mundo, sabe lá Deus para onde.

A Borboleta Invisível tinha medo, mas esse sentimento se misturava com o desejo de ser vista e amada. É bem verdade que ela não tinha certeza nenhuma de que, ao ser vista, seria automaticamente amada. Não havia garantia, como nada na vida.

Mas a Borboleta Invisível tinha o desejo de tentar, de se arriscar, de dar o primeiro passo na direção dos seres humanos. E, numa linda manhã de verão, quando as flores e árvores com seus frutos mostravam todo seu esplendor, a Borboleta Invisível tomou a firme resolução de se mostrar para o menino.

É bem verdade que ela não sabia se ele conseguiria enxergá-la. Afinal, ele não era o primeiro com quem ela tentava se comunicar, mas poucos, bem poucos conseguiram enxergá-la, mesmo quando ela aceitava ser vista. Não são todos que têm a capacidade de enxergar o que é realmente belo. Muita gente não consegue ver coisas que estão debaixo do nariz.

Mas se a Borboleta não tentasse, como conseguiria saber o resultado, né?

Então, num dia em que o menino estava sentado no tronco e quando parecia que a floresta inteira tinha parado para o escutar, pois ele lia a história de um anjo que havia visitado um casal de irmãos, a Borboleta tomou coragem, respirou fundo umas três vezes – Funnn, Funnnnnn, Funnnnnnnnn! – e pousou na ponta do nariz do menino de olhos da cor do céu.

O menino ficou vesgo ao notar aquele ser angelical parado no seu pequeno nariz de sardas espalhadas. O guri arregalou os olhos, abriu a boca e ficou paralisado porque soube no mesmo instante que aquela era a Borboleta Invisível que lhe daria um tesouro inestimável.

Mexer?!

Nem pensar!

Respirar, então?!

Impossível!

Uma luz emanava daquele ser tão especial. Ela não era um pirilampo, é bom que se diga. Mas sua beleza era tão radiosa e exuberante, que parecia emanar uma luz própria dos céus, encontrada somente nos seres angelicais.

A Borboleta Invisível era muito mais bonita do que seu nono falara. Muito mais! Suas asas pareciam bordadas, seu corpo delgado parecia ter sido esculpido por algum anjo marceneiro e seu voo encantava até o mais duro coração de pedra ou gelo.

Do nariz, a Borboleta foi pousar na mão que segurava o livro de história. Em seguida, na coxa, e, por último, na ponta de sua botina. Depois, saiu voando, num bailado de fada, arrebatando o menino com sua beleza, levando-o ao êxtase por apreciar tanta formosura assim na vida!

A Borboleta começou a voar, e o menino no mesmo instante correu atrás do ser angelical, temendo perdê-la para sempre. Mas, do mesmo jeito que surgiu, a Borboleta desapareceu num piscar de olhos, e o garoto ficou temeroso de que tudo não tivesse passado de um belíssimo sonho.

Assim que teve consciência de que a Borboleta tinha realmente ido embora, o guri saiu numa disparada só, correndo pela floresta e depois pela estrada até chegar a casa com o coração saindo pela boca.

Ele queria encontrar o avô e contar as novidades todinhas, todinhas, sem esquecer nenhum pequeno detalhe do encontro com a Borboleta Invisível. Assim que avistou a figura do ancião, que estava dando de comer ao canário, o garoto correu em sua direção.

Como sempre acontecia depois de toda disparada, o menino não conseguia articular uma só palavra. Só saíam sons esquisitos de sua garganta. O nono, já sabendo que demoraria alguns minutos até a respiração do neto voltar ao normal, calmamente limpou a gaiola do passarinho, e, como sempre, deixou a portinha aberta para que o canário tivesse a liberdade de ir e voltar para casa no momento que quisesse.

O canário de seu avô adorava a residência, mas também amava poder voar em liberdade e comer no pé das árvores as frutas maduras do pomar. Como era feliz, nunca deixou de voltar para a gaiola que era sua casa.

Quando o menino conseguiu falar, contou os mínimos detalhes do encontro com o ser angelical. O avô ouvia atentamente, e seus olhos brilhavam cheios de entusiasmo, com o mesmo sentimento que se via nos olhos do neto. Realmente, encontrar a Borboleta Invisível e conseguir enxergá-la era um privilégio para poucos. Contudo, no final do relato, o menino explicou que a Borboleta apareceu, mas não lhe deu nenhum tesouro de valor inestimável.

O sábio ancião pediu que o jovem tivesse paciência e fosse persistente. Ele lembrou ao neto que todas as lendas têm um fundo de verdade e que uma história tão antiga como a da Borboleta Invisível não teria passado de geração em geração à toa. "É preciso também saber se você está pronto para receber tal riqueza", argumentou o pai da mãe do garoto.

O menino foi dormir com aquilo na cabeça. Ficou pensando que talvez não merecesse mesmo o tesouro. "Mas se é assim", ele atinava, "a Borboleta não teria aparecido depois de tanto tempo!"

E, desse modo, cheio de esperança, entregou-se aos braços de Morfeu. Ao raiar de um novo dia (aproveitando que estava de férias do colégio), o guri, cheio de entusiasmo, correu outra vez para a floresta, carregando três livros: um era o mesmo que havia lido no dia anterior; o outro tinha a história de um pirata; e, por último, colocou na algibeira uma obra que falava sobre as florestas.

Como ele não sabia qual era o gosto da Borboleta Invisível, resolveu dar várias opções para que ela escolhesse o tipo de leitura que queria ouvir.

Chegando à floresta, sentou-se no mesmo lugar e começou a ler em voz alta, sempre atento, procurando ver de rabo de olho se a Borboleta Invisível apareceria novamente. O ser angelical não se fez de rogado e, mais uma vez, pousou na ponta do seu nariz.

Novamente, o garoto ficou vesgo e também surpreso com o aparecimento. Mas uma alegria imensa surgiu em seu coração quando se deu conta de que ela estava ali na sua frente, em carne e osso (quer dizer, o guri sabia que borboleta não tinha osso, era apenas um modo de dizer...).

Mais uma vez ele se admirava ao ver o ser angelical que durante tanto tempo em seus sonhos bailou. Do mesmo jeito que no dia anterior, a Borboleta, depois de ficar no nariz do moleque, foi para sua mão. Lentamente, para não espantar o bichinho, o guri abriu a palma, e, obediente, a Borboleta Invisível ficou ali pousada por minutos que pareceram uma eternidade.

O menino não cansava de admirar tanta beleza, tanta formosura, tanta delicadeza. Ele nunca imaginou, em toda sua longa existência de guri, que pudesse existir uma borboleta tão bela, um ser tão irremediavelmente encantador. E aquele ser estava pousado na palma de sua mão, ao alcance de sua respiração.

O garoto, temendo que ela fugisse, prendeu a respiração o mais que pôde, até começar a ficar vermelho. Quando não agüentou mais, começou a soltar devagarzinho o ar dos pulmões, morrendo de medo que a Borboleta fugisse.

Mas ela não foi embora, ficou ali numa camaradagem que dava gosto de ver. Ela e o garoto como se fossem velhos amigos, de longas datas. Depois de um tempo, ela abriu as asas e voou floresta afora.

Só que, daquela vez, o menino não ficou temeroso de que nunca mais a visse. Nasceu no seu peito de moleque a certeza de que havia sido plantada ali uma bela amizade, e que esta duraria enquanto os dois vivessem.

Ele sabia no seu íntimo que aquela Borboleta Invisível voltaria sempre para lhe fazer companhia. O garoto não ficaria mais sozinho na floresta. Teria sempre o amparo daquele ser angelical.

Os dias foram se passando, e mesmo aos sábados e domingos o menino não deixava de ir se encontrar com os amigos da mata. Contudo, o momento de maior alegria era quando a Borboleta Invisível, que não era mais invisível para ele, aparecia e pousava em seu nariz.

Tudo levava a crer que ela gostava das sardas que povoavam o nariz do moleque, e ele não ligava. Afinal, eram amigos, e como tais tinham liberdade para brincar um com o outro.

Porém, apesar de a amizade estar se firmando a cada nascer do sol, a Borboleta nunca havia lhe mostrado o tesouro relatado pelo avô. Uma parte do guri ficava imensamente feliz de só ter a presença angelical da amiga, mas outra parte se questionava o porquê de ela não ter lhe presenteado com o tesouro de valor inestimável. Ele ficava triste quando pensava que talvez fosse porque não merecesse tal preciosidade.

Porém, nunca abriu a boca para reclamar de nadica de nada com a fraterna amiga. Sim, porque não havia dúvida de que de eles conversavam entre si. Ela respondia sempre com um bailado que aos olhos dos outros poderia ser incompreensível, mas que o garoto entendia perfeitamente, tim-tim por tim-tim.

Certa noite, depois do jantar, o garoto sentou-se à porta da sala e olhou para o céu estrelado. Seu silêncio chamou a atenção do avô, que se aproximou devagarzinho e sentou do ladinho do neto. O ancião perguntou por que ele estava tão concentrado, e o guri explicou que pensava qual seria o motivo de a amiga Borboleta não lhe dar o tesouro.

Ele queria tanto conhecer outros lugares, ver o mar, visitar outras terras, fazer amizades com pessoas e saber como era a neve! O sábio nono ficou primeiro em silêncio, e depois começou a falar com aquela voz mansa, pausada, que demonstrava toda a sabedoria acumulada ao longo dos anos.

"Preste atenção: às vezes, a resposta pode estar dentro de você. Precisa só abrir o seu coração. A resposta virá de uma forma ou de outra", aconselhou.

O garoto acreditou. Ele sempre acreditava no que o avô falava, pois tudo o que dizia dava certo. "Mas como ler o próprio coração?", se perguntava.

Afinal, na escola ninguém era alfabetizado neste quesito. A professora Glorinha nunca lhe ensinou o abc do coração. Eles aprendiam a ler, escrever, fazer contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir. Mas nunca, nunca mesmo, ninguém do colégio disse que o coração fala, que tem uma linguagem. Mas se o nono falou, deve existir mesmo, porque ele nunca mentiu para o neto.

Mais uma vez, o garoto foi para a floresta encontrar sua amiga, aceitando que talvez ela nunca lhe desse o tesouro por que tanto ansiava. Ao chegar à mata, logo encontrou a Borboleta. Contudo, em seguida, uma multidão de outras borboletas, primas de sua amiga, apareceram, e todos juntos começaram a brincar de pique-esconde. O menino ria feliz.

Ele sentia o seu coração se expandir ao ter tantas amigas brincando com ele. Uma chuva fininha, destas que caem do céu para fazer orvalho nas folhas brilhantes das árvores, surgiu, e o guri gargalhava feliz, feliz como nunca foi na vida. É bem verdade que o moleque era feliz em sua casa, na sua escola, tendo seus pais e o avô a lhe amparar sempre. Porém aquela felicidade era diferente. Era como se um sol brilhasse dentro do peito. O mesmo Astro Rei que irradiava do lado de fora, apesar da chuva fininha que despencava. Uma chuva própria para se fazer arco-íris.

E foi ali, naquela mata perdida neste mundão de meu Deus, no meio do planalto central, que o moleque foi agraciado com um verdadeiro tesouro. Ele se lembrou de uma história que seu nono volta e meia lhe contava.

Era uma história de um menino que vivia num mundo muito pequeno e que ouvira certa vez de uma raposa:

"Somente com o coração enxergamos com clareza, porque o essencial é invisível aos olhos."

Ele havia encontrado seu tesouro e nem se dera conta disso. A amizade com a fraterna Borboleta, que não lhe era mais invisível, o amor pela floresta e pelos bichinhos que ali habitavam, tudo isso era um tesouro que ele carregaria por toda a vida. Ao se dar conta disso, o moleque ria feliz debaixo da chuva fininha, tendo o sol e os amigos daquela mata por testemunhas.

Não é uma linda história? Pois é… Eu também gostei de contar.

Ah, você quer saber o que aconteceu com o menino? Tudo bem, eu conto: o garoto cresceu, virou homem. Ficou tão alto e sábio como o avô. Seu amor pela natureza, e principalmente pelas borboletas, levou-o a conhecer outras terras, muitas pessoas e até sentir na pele como era a neve. Ele virou doutor, com diploma na parede e tudo mais: o orgulho dos pais e da família inteira. Mas o guri não ficou besta, não.

Apesar do sucesso, dos títulos e dos livros que escreveu, ele continua gostando de ir às matas e florestas deste mundo inteiro para encontrar outros bichinhos e fazer novos amigos.

Hoje, ele já não é um menino, destes que correm pelas ruas assustando beatas. Transformou-se num senhor de cabelos brancos, e todos os que olham a fotografia do avô pensam que ele é vestido com roupas do passado. Hoje, ele tem quatro netos: dois meninos e duas meninas. Todos com olhos azuis e sardas no nariz. A cada período de férias, eles vão à floresta procurar também a sua Borboleta Invisível.

E você? Já encontrou a sua?

Carla Giffoni
Enviado por Carla Giffoni em 06/11/2010
Reeditado em 24/03/2013
Código do texto: T2601013
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