O SONHO EM QUE O BARÃO MORTO...

O sonho em que o Barão Morto conversa com Bidinbel, a deusa da morte.

É sabido que os magos têm muitos deuses, a quem recorrem para por em prática suas tarefas mágicas. Muitos desses deuses caminharam sobre a Terra, como feiticeiros e feiticeiras, mais tarde obtendo a imortalidade e, com isso, a devoção dos outros peregrinos do Caminho. A grande Hécuba é um exemplo disso. Outros deuses representam os poderes da Natureza, o Sol, a Lua, o Vento, o Raio, o Trovão. São os mais antigos e instáveis, e invocados por meio de amuletos especiais que passam de geração em geração em segredo. Quem encontrar um desses, mesmo nunca tendo qualquer pendor para a feitiçaria, torna-se um poderoso bruxo. Outros, ainda, são divindades celestes ou infernais convocadas com auxílio de círculos e espelhos e cristais energizados com a força dos deuses da Natureza, por exemplo os anjos Ituriel e Zefon, e os demônios Floron e Ambellu.

Porém, fora desta classificação está Bidinbel, a deusa, por assim dizer, da morte. “Por assim dizer” porque suas atribuições se aproximam daquilo que esperaríamos de uma deusa...da morte. Dizem os magos que você morre, e Bidinbel aparece; depois de uma breve entrevista, ela te propõe um enigma. Decifrando-o, ela te conduz de volta à vida. Do contrário, ela simplesmente te deixa esperando na escuridão. A partir daí, ninguém sabe. Mas as lendas são muitas entre os feiticeiros. Ou tu és abrasado por uma luz do céu, ou esmagado pelos tentáculos de um monstro abissal, ou trespassado por mil lâminas, ou requentado num caldeirão de fogo, ou condenado a só ver a si mesmo em um espelho, ou transformado num espantalho submetido à rapina dos corvos, ou trancafiado numa masmorra com muros de vidro. O belicoso Barão von Scheisse, recém-morto, recebeu a visita de Bidinbel. Para ele, ela apareceu vestida como cigana, um dos seus múltiplos disfarces, ou melhor, personas. Os dois entraram numa carruagem azul, puxada por filhotes de hipogrifo, e se puseram a vaguear pelo mundo, voando.

-Então, Kumpel, meu garoto. Não pensou que me encontraria tão cedo, não é?

-Não, mãe... talvez, sim, mas em batalhas, ou em duelos.

-O que posso dizer? Se você tivesse seguido, como seu pai, um destino de sabedoria, talvez durasse mais um pouco...

-Quem sabe? Mas eu sempre fui assim, mãe.

-Tiveste uma morte valorosa, defendendo um mago.

Só então von Scheisse se lembrou de que era uma cabeça sem corpo.

-Que mais eu poderia fazer?...

-A questão é: você salvou a vida de um mago, e isto te dá certos privilégios.

-Que tipo de privilégios, mãe?

-Não sei. Você escolhe.

-Posso voltar à vida?

-Não neste corpo, dilapidado. Não em um corpo humano, infelizmente.

-Queria rever meus amigos, Bosco, Cavalletta...

-Isto eu posso oferecer, mas sob aquela condição, Kumpel.

-Eu aceito.

-Então, não vou propor enigmas desta vez.

A carruagem pára, e Bidinbel põe a cabeça do Barão bem no meio de uma escuridão terrível.

-Até logo, Kumpel. Boa viagem.

-...

E ela e a carruagem desaparecem. Von Scheisse procura sondar o negror em redor, e não consegue. Chora alto. Mas, depois de instantes, ri como uma criança...

Fim do sonho.

-É um bonito sonho!, disse Bosco, meu mestre, depois que terminei de contá-lo.

-Sim, eu estava tirando o pó do Ossuário, quando minha vista começou a turvar e a turvar... acho que adormeci. Agora que acordei, tenho mais medo. Devo ter permanecido lá umas duas horas até o senhor me encontrar.

-Não se preocupe, isto é normal. Os mortos nos convocam às terras do sono, ao país de Nod.

-Nod?

-É o rei dos sonhos, filho. Uma espécie de peregrino que conduz nossas mentes através do oblívio.

-Hu...hum. O senhor acha que o que eu sonhei é verdade? Que o Barão voltará , algum dia?

-Quem pode afirmar? Quem sabe?

-...Mestre?

-Sim, meu filho?

-O senhor já esteve com Bidinbel?

-Já, uma vez.

-Mas o senhor é imortal!

-Mesmo assim.

-Hã?

-Vamos estudar mais um pouco?

-Certo.

03.01.2001

( DO MEU LIVRO NOITE NA ALDEIA)

Filicio Albara
Enviado por Filicio Albara em 04/11/2010
Código do texto: T2596118
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