Medo de escuro
Quando criança tinha medo do escuro. Ao dormir deixava sempre a luz acessa. Minha mãe às vezes tentava me convencer que apagar a luz para dormir, facilitaria o sono e propiciaria uma longa noite de descanso.
O medo de escuro era tamanho que sonhava acordando no meio da noite com a luz do quarto apagando, um silêncio ensurdecedor, uma falta de ar sufocante que parecia não ter fim, intercalado com gritos desesperados de socorro ora inteligíveis ora não:
- Aaaaarn, arnnnnn, socorro mãe ascende à vela, a lanterna, pelo amor de Deus.
Minha mãe chegava rapidamente ao quarto e lá estava eu, a luz acesa, acordado de pé em cima da cama, assustado, assanhado, amedrontado e meio sem jeito, por ter feito todo aquele espetáculo, acordado minha mãe, pai e irmãos. Não era nada, só mais um pesadelo.
Passado o susto, meus irmãos afirmavam, aos risos para minha mãe que o barulho que eu fizera durante o pesadelo no quarto bem perto deles era tão assustador, que eles chegavam a pensar que eu estava em luta corporal com algum monstro, fantasma, bicho papão do outro mundo.
Não tinha jeito, sendo eu, o irmão mais velho dos quatro, isso sempre servia de motivo para gargalhadas e piadas dos meus primos, vizinhos e irmãos que se divertiam com meu medo particular.
Certa noite a luz elétrica faltou em nossa cidade, como sempre ocorria quando chovia e ventava forte. Acordei quando dei falta do barulho do ventilador soprando sobre mim.
Pulei de pé em cima da cama como de costume, em pânico, uma falta de ar sufocava meio peito, mal conseguia respirar e com o travesseiro batia em todas as paredes, armários e objetos mais próximos com gritos de agonia e pavor temeroso de ver algum daqueles monstros da TV ou de algum fantasma desalmado típico das lendas contadas pelo nosso avô.
Antes que minha mãe me socorresse, a luz retornou e vi todos os meus irmãos, minha mãe, meu pai, todos em volta da cama. E para minha vergonha maior, a visita do final de semana, a prima mais linda e inteligente de todas, a Fernandinha, que viera passar alguns dias de férias com a gente.
Não sabia aonde enfiar a minha cara de timidez, minha maior virtude.
Todos na porta do quarto me olhando. Uns com aquela cara de horror e pesar simultaneamente, outros desconfiados, loucos para rirem de mim, mas por receio do que meu pai pudesse dizer, continham seus risos para depois, por trás das coisas quem sabe.
Para mim a situação era constrangedora. Por mais que eles disfarçassem o riso gozador, eu os percebia e sentia uma vergonha do tamanho do universo no dia da criação, um sentimento gigantesco de fragilidade, afinal de contas na adolescência tudo é especial, fantástico, magnânimo, mas também qualquer coisa pode ser trágico, humilhante e inibidor.
Mas minha prima não. Ela era diferente dos meus irmãos.
Correu em minha direção e com um abraço falou baixinho ao meu ouvido:
- a escuridão é como se fechássemos os olhos, logo, fica tudo escuro, mas não se vê nada, nem as coisas de casa, nem os monstros da TV, muito menos os fantasmas das lendas contadas pelo vovô e quando abrimos novamente os olhos, tudo está lá no mesmo lugar e nada nos aconteceu, é tudo fruto de nossa fértil imaginação.
Daquele dia em diante, nunca mais tive medo do escuro. Nem do que poderia ver, afinal de contas na escuridão não dá pra vê nada mesmo! A única coisa que dá pra fazer é acender um avelã ou espera a luz elétrica voltar.