O PARDAL SEM RABO

Minha casa ficava em São Bernardo, um lugar bem afastado da civilização, mas eu gostava muito de lá.

Nossa escola era pública, aliás a única que existia por ali. Naquele tempo sobravam vagas, e as crianças nunca ficavam sem estudar.

Eu era um menino, desses que se podia classificar como “levado”, talvez porque fosse bastante sonhador e, por isso, sempre estava inventando as mais diferentes brincadeiras.

Eu tinha um amigo que morava no outro quarteirão. Ele se chamava Juquinha. Este era de verdade, mas havia outros invisíveis, os quais não tinham nome, pois eu considerava que eles simplesmente eram.

Todo dia minha mãe me acordava bem cedinho para ir à escola, e quando voltava da mesma, eu almoçava e ia correndo brincar.

De tardinha, quase à noite, meu pai chegava do trabalho e me chamava para estudar. Eu não gostava muito, pois era hora de parar com minhas brincadeiras.

Numa dessas tardes de folguedo, eu estava brincando no quintal quando reparei que um pardal estava em seu ninho, no telhado da casa, mas com o rabo para o lado de fora. Eu, como era um garoto peralta, quis logo arranjar um jeito de capturar aquele arisco passarinho. Para isso, peguei bem depressa uma escada e escalei a mesma até alcançar as penas da exposta cauda. Quando logrei êxito neste intento, puxei para fora do ninho a assustada avezinha que, desesperadamente, começou a bater as asas, na tentativa de escapar daquela desfavorável situação. Todo o esforço despendido fez com que as penas se soltassem, ficando as mesmas em minha mão. Neste momento, fiquei frustrado em meu instinto de caça ao ver aquele serzinho alado, a fim de aliviar um pouco seu cansaço, pousar por uns instantes sobre o muro, olhar para mim e, logo em seguida, alçar voo, desaparecendo no meio da mata.

Durante muito tempo aquele simpático pardalzinho sem rabo apareceu por lá pousando sobre os galhos e entre as folhas das árvores, mas tratou de transferir seu ninho para outro local mais seguro.

Hoje, quase cinquenta anos depois, ainda existe em minha mente, a lembrança daquele personagem. E, numa bonita manhã de sol, perguntei a mim mesmo:

- Onde será que anda o tal pardalzinho sem rabo?

E num repente, olhei pela janela e vi pousado num dos galhos da árvore em frente um belo passarinho sem rabo. E era um pardal!

Bastante surpreso, exclamei:

- Faz muito tempo, não pode ser ele!

Mas na verdade, lá estava. Olhou para mim, soltou um piado característico e voou, desaparecendo em meio aos prédios do bairro.

Meus olhos ficaram tristes com saudade de um tempo em que pássaros logravam voar livremente pelos bosques, onde um dos poucos perigos que podiam encontrar era algum menino travesso a tirar as penas de sua cauda.

Roberto Armorizzi
Enviado por Roberto Armorizzi em 03/10/2010
Reeditado em 24/07/2020
Código do texto: T2535968
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