O Livro (parte I) *
Era uma vez um menino pobre que um dia aprendeu a ler. E lia sempre na mesma cartilha, único espaço de leitura que ele conhecia. Espaço de palavra havia muitos: nas placas, nas faixas, nos muros, na frente das lojas. Essas palavras formavam frases que, por sua vez, formavam avisos, advertências, críticas, informações. Mas leitura mesmo, daquelas que aguçam a imaginação, o menino só conhecia as da cartilha.
Um dia, porém, andando pela rua, viu jogado no chão um livro grosso, aberto com as páginas ao vento. O menino parou diante dele e ficou a observar o veloz passar de páginas provocado pelo vento, voraz leitor. Acompanhá-lo naquela leitura seria impossível, então, escapando à recomendação da mãe de não apanhar objetos da rua, tomou o livro em suas mãos, sentou-se no meio fio e ali mesmo iniciou sua leitura.
Era a primeira vez que o menino lia uma história longa e que não fazia parte da cartilha. O livro que ele encontrara não tinha mais a capa, faltavam algumas páginas, outras estavam rasgadas e sujas, mas ainda assim o menino se sentiu fascinado pela sua leitura, o apertou contra o peito e, levando-o para casa, o guardou num lugar secreto como seu maior tesouro. Adultos não podiam saber que o livro estava ali, pois poderiam querer lançá-lo fora novamente, já que eles não sabem reconhecer o verdadeiro valor dos objetos.
Assim, quando não havia ninguém por perto, ele retirava o livro do esconderijo e adentrava as suas páginas como se fizesse parte da aventura que ali estava narrada. Era só uma história infantil num livro velho e rasgado que foi lançado fora como um objeto inútil. Nas mãos de uma criança, porém, se tornou um tesouro a ser preservado e as páginas que faltavam eram um convite à participação ativa na criação daquela maravilhosa narrativa.
* Kelly Vyanna.
Membro da ACEIB/DF.
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