A menina que roubava Lixos (parte II) *

Quando você ouve falar de alguém que rouba lixos, você logo imagina que isso não pode ser sério, afinal, pensamos que o lixo é algo completamente descartável e, portanto, não pertence a ninguém. Para essa menina, no entanto, o lixo é uma caixa de possibilidades.

Ela vê o lixo, mas enxerga um mundo de criações advindas a partir dele. Mas esse não é o único motivo por que ela rouba lixos. O que move essa criança a cometer esse delito é o fato de que, para melhor estimular a sua imaginação, ela precisa de aventura.

Quanta aventura pode ter uma menina que nasceu e vive dentro de um apartamento? Talvez, fuçar o lixo dos vizinhos e transformá-los em artefatos seja algo realmente estimulante. Então, se você perceber que seu lixo anda sendo bolinado, pode ter sido um cão faminto, um gato ou um cavalo. Dependendo do que estiver faltando em sua lixeira, não caberá mais nenhuma dúvida, a menina que roubava lixos ataca outra vez.

Um esclarecimento final: a cada vez que a menina ataca uma lixeira ela pensa que aquela será a última vez, então ela logo se torna uma menina que roubava lixos. No entanto, essa sua decisão dura apenas o tempo de encontrar numa lixeira um objeto qualquer que aguce a sua criatividade. E, a partir daí, começa tudo outra vez.

Um dia ela se tornará de verdade a menina que roubava lixos e contará essa história, um pouco constrangida, talvez até usando um nome falso para disfarçar sua inclinação para mexer em coisas velhas e transformá-las em novas.

Mas se você encontrar por aí uma mulher com seus trinta anos, olhando de soslaio com um estranho interesse para lixeiras comuns, talvez você possa estar diante da menina que roubava lixos. Como se transformava o lixo que ela roubava, transformam-se agora as pessoas que ela encontra, das quais, por vezes ela rouba o coração.

* Kelly Vyanna. Membro da ACEIB/DF. Disponível em: www.aceib-gremioliterario-df.blogspot.com ou http://kelly-literatura.blogspot.com/