LIZA E BIDINBEL

Num universo de pouquíssimas certezas como o nosso, eis uma delas: cedo ou tarde você vai se encontrar com Bidinbel. Você é uma rã? Um dinossauro? Um vírus? Um cachalote? Um falcão? Vai se encontrar com Bidinbel.

Você é um homem? Um catador de conchas do Sri Lanka? Um general do Leste Europeu? Um reles professor de Matemática do Brasil? Um monge budista de Shizuoka, no Japão? Vai se encontrar com Bidinbel.

Mesmo se você for uma estrela, um quasar, a galáxia de Andrômeda, Bidinbel te espera.

E se você for um méson pi desgarrado, ou um bóson de Higgs flutuando perto de um buraco negro? Pode esperar, que ela vai aparecer.

Com a nossa heroína Liza, não foi diferente.

Alguns dizem que Bidinbel é a deusa da morte. Mas ela é muito mais que isso. Deuses não são nada para ela. Palavras não são nada para Bidinbel. Quando ela acorda sempre é cedo. Lava o rosto, escova os dentes, se veste, faz o café, verifica a agenda do dia. Não costuma ler jornais ou ver televisão. Na sua casa, que fica à mesma distância de todos os pontos do cosmos, a única diversão são histórias em quadrinhos antigas. Bidinbel adora ler Krazy Kat.

Três dias atrás, Bidinbel teve que ir a uma festa. Separou um belo vestido vermelho, uma sandália dourada, usou batom cinza azulado. Tomou um banho rápido.

--------------------------------------E olhou-se no espelho--------------------------------------

Bidinbel, o que você viu ao olhar-se no espelho?

O Espelho de Bidinbel.

De onde ela vem?

De uma terra chamada...

Bidinbel, seus olhos são cor de neve e sua pele, fria.

Todos conhecerão Bidinbel.

Ela vai te dar um presente.

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O céu, naquela noite, estava triste. As cruzes das catedrais acumulavam eletricidade estática. Todos na aldeia já dormiam, menos as crianças e os animais, que tinham pesadelos. O vento circulava formando túneis, as nuvens porejavam a luz da lua nova e estrelinhas apareciam sobre o lago. Lá em cima, no castelo, a orquestra animada produzia uma música sonolenta, solitária.

Liza, nossa imperatriz, sentada sozinha em uma mesa de canto, observava os duques e barões dançando com as criadas do castelo. Na sacada, Boiuiun dormia.

-Divertindo-se, senhora?

-Barão von Scheisse! Aprecio as suas sutilezas.

-Sutilezas...é como chamam as verdades, hoje em dia?

-Bem, de certo modo.

-Preocupo-me com sua segurança, senhora.

-Não tema. Alguma notícia de Céceros?

-Infelizmente, não.

-Barão, mande preparar minha carruagem, sim?

-Sim, senhora.

Ao deixar a mesa, o barão von Scheisse sentiu um calafrio inexplicável. Antes de sair, buscou com os olhos algum perigo no local. E se foi.

Boiuiun olhou para Liza. E suspirou, voltando a dormir.

A orquestra parou. De súbito, os pelos dos braços da imperatriz se ergueram. Seu vestido azul enrijeceu e ela não conseguia sair dali.

-Saindo mais cedo, Liza? , disse Bidinbel.

-Eu sei quem você é.

-Sim? E o que eu sou?

-...

-Não chame o cachorro.

-...

-Que belo reino você tem aqui.

-Não entendo a sua vinda, Bidinbel.

-Todo mundo diz isso. Mas é simples, eu vim te trazer um presente.

-Sim, como nos livros infantis.

-Que livros? Ah, aquele...

------------------------------------------------que livro infantil fala de Bidinbel?-------------------

-não sei.----------------------------------------------------------------------------------------------

-aquele, que tem uma musiquinha!-------------------------------------------------------------

qual?

Bidinbel Bidinbel

Te dá um presente,

Por um presente.

Bidinbel, Bidinbel,

É linda e cruel.

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-O que eu tenho para te dar?

-Ora, Liza... espere! Eu quero ela.

-Minha sombra? Para quê?

-Nunca faça esta pergunta para mim!!

-Sua megera. Ainda vou descobrir um jeito. Está ouvindo?

-Jeito? De acabar comigo, é isso? Não creio. Isto, Liza, não está nos contos de fada.

A sombra de Liza foi, aos poucos, deixando-a. Primeiro, destacou-se dos pés. Depois, das pernas, do tronco, e, finalmente da cabeça. Foi quando um brilho imenso tomou conta do castelo, e depois da montanha onde ele estava, e, depois, de toda a aldeia. Em poucos minutos todo o reino tinha sumido.

Bidinbel sempre deixa um presente. Uma pequena galinha de porcelana. Ninguém sabe a razão.

Ao chegar a sua casa, Bidinbel deitou-se e dormiu. Em seus sonhos, crianças olhavam para ela, desconfiadamente.

Filicio Albara
Enviado por Filicio Albara em 24/08/2010
Código do texto: T2456257
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