Histórias de amizade III
Tempos atrás escrevi sobre um caso que achei divertido, envolvendo uma amiga querida.Postei-o aqui com o título de Histórias de amizade I.Agora já estou na terceira história,sempre destacando um(a) amigo (a) querido (a), e deixo claro o respeito e o carinho imenso que tive e tenho por essas pessoinhas que representam para mim um inestimável tesouro.
Dando continuidade a essas reminiscências,hoje quero falar de mim, da menina que fui e da maneira como desde cedo entendo esse precioso sentimento da amizade.
Sempre fui de poucos e seletos amigos. Talvez pelo fato de desde cedo ter demonstrado uma personalidade forte, um jeito meio arredio, desconfiado, tipicamente mineiro.A nossa casa, posto que muito humilde, vivia cheia de gente.Era o quartel-general da garotada.Na hora de ir para a escola, sempre tinha um(a) colega filando a bóia da mamãe.Preferiam deixar a mesa farta de suas casas para compartilhar a comida frugal e saborosa de nossa cozinha.É que lá em casa as pessoas sempre eram bem-vindas.Não havia porta fechada para ninguém.Bem, isso quando eu não estava nos meus dias de mau humor.
Marcinha era a filha do dono da padaria.O pai era italiano e o seu comércio era o lugar mais concorrido da região.A cada fornada de pães, um cheiro delicioso exalava pela rua inteira, invadia as casas, fazia a meninada correr atrás da mãe em busca das moedinhas que fariam a materialização do objeto do desejo: um pão quentinho recém-saído do forno! Ah, como os nossos sonhos eram simples!Pois é! A Marcinha era a menina rica da rua.E a mais atrevida também! Isso, claro, pela minha ótica.
Minha irmã, que sempre foi mansinha e se dava bem com todo mundo, era unha e carne com a Marcinha.Viviam de segredinhos pra lá e pra cá.Enquanto eu raramente saía de casa, ela, a minha irmã, terminava suas obrigações rapidamente e pernas pra que te quero, lá ia ela ao sabor do vento e das calçadas, que a conduziam a várias outras casas da vizinhança, para desespero de nossa mãe que, quando dava pela ausência dela, punha-me a seu encalço.Na maioria das vezes a encontrava na casa da Marcinha.Talvez fosse a casa espaçosa, linda e confortável, aliada a uma cozinha imensa, bem italiana, que exercia um grande fascínio em minha irmã.Até televisão tinha! E olha que era a única no bairro todo que possuía essa caixa mágica e sedutora.
Estou aqui a falar da Marcinha, que era amiga de minha irmã, pois a gente nunca se deu bem.A minha esquisitice parece que vem de outras épocas ou encarnações.Já perdi a conta de quantas vezes me antipatizei com alguém que era considerada uma pessoa encantadora.E sei que não era inveja.É como se eu conseguisse ver além. Ler nas entrelinhas, o interdito.Eu via todo mundo bajulando a menina e não percebia nela nada mais do que empáfia e vaidade.Ela conseguia o que desejava de seus bajuladores, menos de mim.Às vezes ela me provocava na rua, me desprezava e eu, apesar de não brigar ( coisa proibida pela mamãe) a advertia: Se você for lá em casa, você me paga! Mas ela se importava? Que nada! Quando a noite chegava, por volta das sete horas, a amiguinha da minha irmã dava o ar de sua graça como se nada tivesse acontecido.
Lembro-me de uma vez que não me contive.O nosso último entrevero tinha sido por demais humilhante.Ela arranjou um jingle falando dos meus cabelos (que por serem bem anelados lembravam uma esponja de aço, para ela, a danada!) e passou a cantarolar a musiquinha sempre que eu passava por ela, perto de todo mundo! Aquilo não podia ficar barato.Assim que ela entrou em casa, eu já estava a postos atrás da porta com um porrete ( que servia de tranca ) nas mãos e, num ímpeto de raiva e coragem ,saí correndo atrás dela aos gritos: Eu não disse que te pegava? Pode correr sua metida que vou te quebrar todinha!
Ela correu, e muito.Mas.... Minha mãe acabou com todo o meu “heroísmo” na hora.Tomou-me o porrete ainda no ar, deu-me uns safanões e me botou de castigo.Chorei de raiva, de muita raiva! Mas passou.E mesmo não batendo na vizinha, senti que ela passou a me respeitar.Creio que mais pela atitude de minha mãe do que pelo meu destempero.Ela também não queria correr o risco de não entrar mais em nossa casa.Afinal era lá o “point” da galera.
A gente tinha a nossa riqueza, com certeza!.
Apesar de nossas incompatibilidades, nunca tivemos mais do que rusgas infantis.Nunca chegamos às vias de fato ou deixamos de nos freqüentar.A amizade dela era com a mana, isso era real, mas rimos juntas e trocamos alguns afagos também.É que eu era meio irascível, perscrutadora, esquisita mesmo.Algumas pessoas me deixavam com o pé atrás, pouco à vontade.É como se o meu anjo da guarda ficasse sempre de plantão e me cochichava algo quando havia caroço debaixo do angu.Então eu me afastava, ficava mais retraída do que já era, como a analisar a pessoa em questão.Isso me fez seletiva em minhas amizades, solitária em minha adolescência, intimista em minha juventude.
Quer dizer então que tudo foi muito ruim? Enfadonho? Triste? De jeito nenhum.Dentro desse estilo caipira de ser consegui amigos definitivos, vivi situações divertidas e memoráveis e cada vez mais coloco a verdadeira amizade como o sentimento mais humano, mais despreendido e indispensável em nossas vidas.
A Marcinha ficou lá no interior, em nossa primeira infância.De lá pra cá até hoje algumas outras aparecem, me olham com um olhar meio zombeteiro, meio Capitu.Mas não fujo mais, nem procuro o porrete mais próximo.Deixo que as emoções aconteçam.E já tive gratas surpresas de ter como bons amigos pessoas que não me despertaram nada de bom nos primeiros contatos.A vida vai nos ensinando a arte da convivência, felizmente.
Mas continuo acreditando que o nosso arcabouço, o que nos define verdadeiramente é a soma de nossas primeiras experiências, nossas relações infantis.Então ,se sou seletiva hoje ,é porque o fui outrora e é graças ao aprendizado de afeto, de simplicidade e de sociabilidade que tive, que sou o que sou agora e não me transformei “num bichinho do mato”.
Qualquer dia desses volto com uma outra história do meu universo particular.
Tempos atrás escrevi sobre um caso que achei divertido, envolvendo uma amiga querida.Postei-o aqui com o título de Histórias de amizade I.Agora já estou na terceira história,sempre destacando um(a) amigo (a) querido (a), e deixo claro o respeito e o carinho imenso que tive e tenho por essas pessoinhas que representam para mim um inestimável tesouro.
Dando continuidade a essas reminiscências,hoje quero falar de mim, da menina que fui e da maneira como desde cedo entendo esse precioso sentimento da amizade.
Sempre fui de poucos e seletos amigos. Talvez pelo fato de desde cedo ter demonstrado uma personalidade forte, um jeito meio arredio, desconfiado, tipicamente mineiro.A nossa casa, posto que muito humilde, vivia cheia de gente.Era o quartel-general da garotada.Na hora de ir para a escola, sempre tinha um(a) colega filando a bóia da mamãe.Preferiam deixar a mesa farta de suas casas para compartilhar a comida frugal e saborosa de nossa cozinha.É que lá em casa as pessoas sempre eram bem-vindas.Não havia porta fechada para ninguém.Bem, isso quando eu não estava nos meus dias de mau humor.
Marcinha era a filha do dono da padaria.O pai era italiano e o seu comércio era o lugar mais concorrido da região.A cada fornada de pães, um cheiro delicioso exalava pela rua inteira, invadia as casas, fazia a meninada correr atrás da mãe em busca das moedinhas que fariam a materialização do objeto do desejo: um pão quentinho recém-saído do forno! Ah, como os nossos sonhos eram simples!Pois é! A Marcinha era a menina rica da rua.E a mais atrevida também! Isso, claro, pela minha ótica.
Minha irmã, que sempre foi mansinha e se dava bem com todo mundo, era unha e carne com a Marcinha.Viviam de segredinhos pra lá e pra cá.Enquanto eu raramente saía de casa, ela, a minha irmã, terminava suas obrigações rapidamente e pernas pra que te quero, lá ia ela ao sabor do vento e das calçadas, que a conduziam a várias outras casas da vizinhança, para desespero de nossa mãe que, quando dava pela ausência dela, punha-me a seu encalço.Na maioria das vezes a encontrava na casa da Marcinha.Talvez fosse a casa espaçosa, linda e confortável, aliada a uma cozinha imensa, bem italiana, que exercia um grande fascínio em minha irmã.Até televisão tinha! E olha que era a única no bairro todo que possuía essa caixa mágica e sedutora.
Estou aqui a falar da Marcinha, que era amiga de minha irmã, pois a gente nunca se deu bem.A minha esquisitice parece que vem de outras épocas ou encarnações.Já perdi a conta de quantas vezes me antipatizei com alguém que era considerada uma pessoa encantadora.E sei que não era inveja.É como se eu conseguisse ver além. Ler nas entrelinhas, o interdito.Eu via todo mundo bajulando a menina e não percebia nela nada mais do que empáfia e vaidade.Ela conseguia o que desejava de seus bajuladores, menos de mim.Às vezes ela me provocava na rua, me desprezava e eu, apesar de não brigar ( coisa proibida pela mamãe) a advertia: Se você for lá em casa, você me paga! Mas ela se importava? Que nada! Quando a noite chegava, por volta das sete horas, a amiguinha da minha irmã dava o ar de sua graça como se nada tivesse acontecido.
Lembro-me de uma vez que não me contive.O nosso último entrevero tinha sido por demais humilhante.Ela arranjou um jingle falando dos meus cabelos (que por serem bem anelados lembravam uma esponja de aço, para ela, a danada!) e passou a cantarolar a musiquinha sempre que eu passava por ela, perto de todo mundo! Aquilo não podia ficar barato.Assim que ela entrou em casa, eu já estava a postos atrás da porta com um porrete ( que servia de tranca ) nas mãos e, num ímpeto de raiva e coragem ,saí correndo atrás dela aos gritos: Eu não disse que te pegava? Pode correr sua metida que vou te quebrar todinha!
Ela correu, e muito.Mas.... Minha mãe acabou com todo o meu “heroísmo” na hora.Tomou-me o porrete ainda no ar, deu-me uns safanões e me botou de castigo.Chorei de raiva, de muita raiva! Mas passou.E mesmo não batendo na vizinha, senti que ela passou a me respeitar.Creio que mais pela atitude de minha mãe do que pelo meu destempero.Ela também não queria correr o risco de não entrar mais em nossa casa.Afinal era lá o “point” da galera.
A gente tinha a nossa riqueza, com certeza!.
Apesar de nossas incompatibilidades, nunca tivemos mais do que rusgas infantis.Nunca chegamos às vias de fato ou deixamos de nos freqüentar.A amizade dela era com a mana, isso era real, mas rimos juntas e trocamos alguns afagos também.É que eu era meio irascível, perscrutadora, esquisita mesmo.Algumas pessoas me deixavam com o pé atrás, pouco à vontade.É como se o meu anjo da guarda ficasse sempre de plantão e me cochichava algo quando havia caroço debaixo do angu.Então eu me afastava, ficava mais retraída do que já era, como a analisar a pessoa em questão.Isso me fez seletiva em minhas amizades, solitária em minha adolescência, intimista em minha juventude.
Quer dizer então que tudo foi muito ruim? Enfadonho? Triste? De jeito nenhum.Dentro desse estilo caipira de ser consegui amigos definitivos, vivi situações divertidas e memoráveis e cada vez mais coloco a verdadeira amizade como o sentimento mais humano, mais despreendido e indispensável em nossas vidas.
A Marcinha ficou lá no interior, em nossa primeira infância.De lá pra cá até hoje algumas outras aparecem, me olham com um olhar meio zombeteiro, meio Capitu.Mas não fujo mais, nem procuro o porrete mais próximo.Deixo que as emoções aconteçam.E já tive gratas surpresas de ter como bons amigos pessoas que não me despertaram nada de bom nos primeiros contatos.A vida vai nos ensinando a arte da convivência, felizmente.
Mas continuo acreditando que o nosso arcabouço, o que nos define verdadeiramente é a soma de nossas primeiras experiências, nossas relações infantis.Então ,se sou seletiva hoje ,é porque o fui outrora e é graças ao aprendizado de afeto, de simplicidade e de sociabilidade que tive, que sou o que sou agora e não me transformei “num bichinho do mato”.
Qualquer dia desses volto com uma outra história do meu universo particular.