A GRANDE LIÇÃO
Era uma vez um gatinho inquieto e buliçoso chamado Lulu, que não dava importância aos estudos, não apreciava o trabalho e desejava tão-somente viver intensamente.
Lulu, que era aventureiro e desejava conhecer o mundo além fronteiras de seu lar, morava com os pais e um irmão de nome Veludo numa grande fazenda da família. Enquanto Veludo, que era trabalhador e ajudava ao pai nas atividades diárias, acordava todos os dias e saía para fazer suas tarefas Lulu ficava imaginando como seria a vida em outros lugares distantes dali.
Certo dia, não suportando mais a força dos sonhos pressionando sua vontade foi à presença do pai e disse:
_ Não quero mais ficar aqui, vou sair em busca de aventuras e novos conhecimentos. A parte da herança a que tenho direito gostaria de receber agora para realizar meus anseios.
Os pais dele se entristeceram com essa inesperada decisão e Veludo protestou furioso diante do impensado gesto do irmão. Mas de nada adiantaram as tristezas e os protestos. Lulu estava realmente decidido a ir embora.
Como as súplicas maternas e os conselhos do pai entravam por um ouvido e saíam pelo outro de Lulu no mesmo instante, e apesar de Veludo chamar a atenção dele para a tolice que estava prestes a cometer, tudo em vão, o gatinho atrevido recebeu o dinheiro a que tinha direito. Arrumou a mala com seus pertences pessoais, despediu-se rapidamente de todos e partiu em busca dos sonhos.
Lulu ainda ouvia à distância os gritos irados de Veludo e guardava na lembrança a angústia e as lágrimas de seus pais quando saiu de casa depois de receber a parte da herança que lhe cabia nos bens da família. Mas a alegria de ter conseguido o que pretendia para realizar suas aspirações logo o fez esquecer tudo isso.
Aspirando enfim o ar da liberdade para fazer o que bem quisesse, sentindo-se dono de si mesmo e aliviado da pressão que, acreditava, a própria vida em família exercia sobre ele, sorriu para a estrada desconhecida à frente. À sua disposição estava todo o dinheiro do mundo para ser feliz, pensava.
Mesmo sem ter qualquer noção de responsabilidade e das coisas que nunca vira, Lulu sempre encontrava quem o ajudasse em suas dificuldades iniciais. Afinal de contas, o dinheiro que levava consigo falava todas as línguas e compreendia todos os gestos.
Hospedou-se nos melhores hotéis das cidades por onde passou, conheceu muita gente diferente disposta a fazer amizade com ele - pois aonde chegava costumava patrocinar festas. Conheceu o jogo, onde perdeu dinheiro, passou noites acordado em diversões nada aconselháveis e esbanjou seus recursos pouco a pouco.
Muito tempo depois, em certo amanhecer num quarto de hotel de luxo, descobriu que todo aquele monte de dinheiro recebido de seu pai tinha acabado. Não havia como pagar as despesas do hotel em que se encontrava. Achando que seria perdoado das dívidas, contou ao gerente sua situação. Enraivecido ao tomar conhecimento do calote dado pelo gato abusado, o gerente, um enorme gatão de extensos bigodes brancos, o levou para sua fazendo e o obrigou a trabalhar o tempo que fosse necessário para saldar o débito. Não sairia de lá enquanto isso não acontecesse, e ficou morando na pocilga da propriedade. Dormia com os porcos e se alimentava dos restos rejeitados pelos animais
A brusca mudança abalou o coração de Lulu. Recordando tudo que fizera ao sair de casa, os gastos desnecessários, o desperdício com inutilidades, desenfreado em suas atitudes impensadas, arrependeu-se da grande tolice cometida. Agora, sozinho, desamparado, sem nenhum centavo no bolso e trabalhando o dia inteiro para saldar a dívida com o hotel chorava sem ter qualquer perspectiva de amanhã. Quando, num futuro qualquer, terminasse sua obrigação ali na fazenda do gerente do hotel não saberia o que fazer, não teria para onde ir, morreria de fome.
Passaram-se os dias, as semanas, os meses e alguns anos, e Lulu estava irreconhecível: magro, raquítico, doente, faminto. A comida dos porcos matava-o pouco a pouco. Todas as noites ele recordava como os empregados da fazenda de seu pai eram bem tratados, recebiam um salário digno e comiam alimentos limpos e saudáveis. Se pudesse voltar atrás e desfazer a bobagem cometida! Se pudesse ao menos ser empregado de sua família! Não precisaria de mais nada. Quando terminasse de pagar até o último centavo do que devia, voltaria, pediria perdão e suplicaria por um emprego. Aprendera a lição.
Finalmente, já quase esvaído totalmente de suas forças Lulu se libertou daquela escravidão e retomou o caminho para a casa que não era mais dele. Maltrapilho, cansado, comendo raízes e frutos encontrados no caminho, depois de alguns dias chegou à porteira da fazenda de seus pais. Sem coragem de entrar, cabisbaixo, arrependido Lulu murmurou numa voz fraca:
_Pai, perdoa-me, fiz o que era mal perante sua autoridade e amor. Aceita-me de volta apenas como seu empregado.
Veludo o avistou e virou as costas, a mãe desabou em lágrimas e o pai, aflito mas feliz e sorridente, gritou para os empregados:
_Depressa, tragam a melhor roupa e as sandálias mais confortáveis, Lulu voltou!
E correu para abraçar o filho que retornava depois de tanto tempo. Veludo surpreendeu-se com a inesperada atitude amorosa do pai ao receber o filho rebelde depois de tudo que ele aprontou. Gritou afobado ao pai correndo de braços abertos:
_Por que essa alegria toda com um filho rebelde que voltou somente por ter gastado toda a herança recebida antes do tempo? Para mim que estou sempre com você e mamãe trabalhando do nascer ao por do sol nunca fizeram festa nem me deram presentes!
E o pai, da altura de sua sabedoria, olhou para Veludo e falou:
_Você está sempre conosco e já é motivo de festa e alegria diária, mas seu irmão estava perdido e foi encontrado. Não é esse um grande motivo para festejar?
Veludo baixou a cabeça e chorou. Lulu foi calorosamente abraçado pelo pai enquanto sua mãe também se dirigia a ele correndo de braços abertos.