O PASSARINHO DAS MINHAS SAUDADES.
 
Rolinha juriti,
 
 
As nossas terras, eu quero dizer, as terras de meu pai, eram terras no perímetro urbano, mas pelo tamanho e pelo trabalho que nos davam, bem que poderiam ser consideradas terras rurais. Na verdade, não eram tão grandes assim, mas para os olhos de um menino, que não sabia calcular a extensão em hectares, era na verdade muita terra. Nessas terras, foi onde nós passávamos a grande parte das nossas férias. Nelas, eu sempre encontrava e via belezas que os outros não viam.
Por exemplo, eu admirava e ficava deslumbrado com as palmas de Santa Rita, que brotavam e floresciam numa pequena capoeira ao lado do cemitério. Eu chegava até, às vezes, a imaginar de que assim poderia ser o paraíso, que a Dona Maria Santeira nos ensinava na catequese. Um éden florido, magistralmente encantador e com os sabiás gato cantando, de galho em galho, nas vassouras vermelhas. Aquele clima bucólico me envolvia sobremaneira, para, de vez quando, solitário nos pátios silenciosos do colégio, um antigo internato com os seus rigores, chorar e sentir saudades dos meus locais prediletos e das minhas infantis lembranças.
Vivendo naquele clima pastoril ou silvestre da minha infância, eu tinha um cantinho só meu e muito especial. Era um lugar mágico. Lá nos fundos da nossa propriedade, nesse lugar, havia uma árvore pequena, mas muito espinhosa e de difícil acesso. Talvez fosse uma Faia, pois era naturalmente bem protegida pelos espinhos, mesmo assim, a rolinha juriti, o meu passarinho da infância, mãe zelosa, com a paciência do instinto que a natureza lhe confiou, ali naquele inacessível espinheiro, com cuidados extremos de futura mamãe havia construído o seu ninho. Era um ninho raso, mas confeccionado com raízes, raminhos, muita pluma silvestre, e com muita perseverança e amor, para bem chocar os seus futuros ovinhos.
Quando chegava de viagem, pois vinha para as férias do colégio, a primeira coisa que eu fazia era a de visitar a minha rolinha juriti. Chegava de mansinho, pé ante pé, para não assustá-la. O nosso relacionamento era tão puro e evidente que, ela não voava do ninho, pois ficava quietinha me olhando com aqueles olhinhos brilhantes. Talvez fossem as lágrimas de um passarinho com saudades. Conversávamos por um bom tempo, é lógico que era só eu que lhe falava, e ela, apenas me escutava sossegada em seu ninho. Incrível, mas parece que ela entendia perfeitamente o que eu estava falando.
Falava-lhe das minhas saudades quando estava dela distante, e que não lhe esquecia por um instante. Contava-lhe das minhas aventuras no colégio, das boas notas que conseguia, das brincadeiras, das matinadas no cinema, mas que também não gostava das missas diárias. De vez em quando, ela se movia no ninho toda assanhada, eu entendia que ela queria mostrar-me os seus ovinhos, inclusive, já com alguns filhotinhos crescidos, mas ainda peladinhos.
Todos os dias eu a visitava, quase sempre na mesma hora, pois ela me esperava, sabendo que eu iria chegar a qualquer instante. Conversávamos um pouco, contava-lhe dos meus sonhos e das minhas fantasias, e ela toda exibida, agora me mostrava os seus filhotes devidamente empenados.
Quanto eu tinha de voltar para o colégio, a nossa despedida era de uma tristeza de dá dó. Eu chorava na despedida e ela mantinha os olhinhos cheios de lágrimas. Qual não era o meu espanto, quando em revoadas de mansinho, me acompanhava pelo caminho até perto da minha casa. Depois voltava ao seu ninho e aos seus filhotinhos. No outro dia, eu embarcava no ônibus que me levaria de volta ao colégio. Cheio das dores da saudade que já se avizinhavam, eu pensava ainda ser possível ver a minha rolinha juriti, pois o ônibus passava na estrada por bem perto do seu ninho. Esse passarinho ficou sempre impactado em mim, pois sempre sobrevoou os meus sonhos naquele dormitório frio, distante e cheio de saudades.
Como era grande o nosso amor!
Eu era um menino que amava um passarinho, e ela era uma juriti que amava um menino com o seu amor de passarinho. Até hoje, quando vejo uma rolinha juriti, penso tratar-se daquela da minha infância colegial. Mas, ao calcular as gerações da minha juriti, talvez eu esteja vendo uma bisneta de alguma tataraneta da minha juriti.