Um baú de histórias
A chama do candeeiro arde sem forças; as horas do relógio na parede contam os minutos para a casa toda escurecer. E a menina no tic, tac sem vontade de dormir... O quarto triste com ar de solidão.
Pediram-lhe que dormisse cedo, de um modo tão carregado de ternura, que lhe abate a alma não obedecer. E senta-se na beirada da rede e coloca as mãozinhas em oração, num gesto de tanto amor...
Os grilos pararam a cantoria na parede. E num movimento involuntário, os olhos fogem-lhe da razão e vão bulinar num velho baú... Ainda balança a cabeça, querendo deixar o corpo no lugar, mas uma coisa estranha a leva a se levantar...
Era como se um pássaro voasse em seu pés... abrindo asas de boquinha aberta de tanta curiosidade!... Senta-se no chão, à meia-luz da lamparina, e ergue a tampa do velho baú de sua avó...
E os olhos se enchem de fantasia. Uma bailarina numa caixinha de música... tropeçando no tapete do quarto, os pezinhos delicados cheios de espanto de tudo, mas sem medo. E há chapéus... moças numa praça, fugindo do sol, de roupas de pregas, segurando as saias fugindo do vento. Outra caixinha pequena toda estampada de flores... uma espécie de melancolia grudou na menina: De quem era aquele anel pequenino? Por que o mar era tão azul numa pedra sem vida? E vê peixinhos esverdeados...Ou eram dourados?
Estende as pernas no chão, com as mãos cheias de botões... Agulhas a correr nos furinhos, sobre rendas, atravessando sedas, algodões branquinhos, tecendo bordados... Os olhinhos de uma boneca de pano, olhando para todos os lados, com expressão de quem tudo sabia... “Tão bonita! Tão desejada!”
Um lencinho cor-de-rosa! Tinha o nome da avó escrito em letras miudinhas... com um floreado. Não sabe dizer uma história... Ergue com mansidão o lenço e o cheira... fechando os olhos. “Era da avó... quando menina!” Só então nota: Crianças com suas risadas brincando num jardim de céu anil, flores amarelas de sol, um carrinho de pipocas... na porta da igreja com homens e santos...
Uma menina subindo e descendo os degraus da igreja... “Oh! A lua a se esconder!”
Levanta-se apressada! Os objetos caem-lhe para qualquer lado. “Não foi nada, não foi nada...”, alguns quiseram dizer...
E então, lembra-se da hora de dormir. Guarda tudo no baú encantado. E como o candeeiro estava quase apagando, deita-se na rede com ar de quem tem um baú cheio de histórias.