P A L A V R A S
A velha cambona, outrora de boa serventia, permanece no canto escuro da despensa, abandonada. Antes era de grande utilidade: viajava à noite, caçava, pescava, pegava frango no quintal, atendia as visitas que chegavam de viagem, iluminava o caminho da estrada. Consumia bastante querosene e seu lume tinha enorme raio de ação.
As lamparinas tão cobiçadas pelas mãos, motivo de entrevero e discórdia, ficavam longe das crianças. O dono da fazenda sempre com a melhor delas, quando na sala perto do rádio ouvia suas músicas, notícias e modas do mundo. Quando isto não fazia, proseava e contava causos com os filhos, netos e amigos visitantes.
No rego do munho, debaixo do bambuzal, construiu-se a usina, e num repartimento do munho num repartimento instalou-se o dínamo. E sempre nas tardezinhas os netos da dona Ester – Mmamaú e Pilão ou outro – estão lá tirando ciscos da grade e colocando a água para represar. Até no momento em que ela transborda nas margens do rego atingindo a trilha. E então é hora de tirar a tábua que represa a água e deixar encher a caixa que irá movimentar a turbina hidráulica. Logo depois, os meninos voltam correndo para casa, ouvindo o zunzum do motor. Lá dentro as lâmpadas novas em folha clareiam todos os quartos. Logo que adquiram o dínamo pensar em comprar uma televisão. No dia em que isto aconteceu, todos ficaram deslumbrados. O novo meio de comunicação atraiu todos: vizinhos de longe, curiosos, todos os amigos e até mesmo os inimigos disfarçados. Os trabalhadores e os de casa ficam até tarde da noite assistindo às novelas e aos seriados.
O quarto do fundo é dormitório dos meninos, é quando lá se recolhem, ficam de olhos acesos tentando descobrir as palavras que foram colhidas e coladas com grude, de jornais e revistas, na janela fechada, pelo tio irreverente, excêntrico e arrivista. É o tio Lolival, e não podia ser outro.
– Feche a janela pra mim poder ver e enxergar e encontrar as palavras! – Exigiu Gugulim, deitado em sua cama.
Tarde da noite, um ou outro adulto ia tirar à água da usina e desviá-la, a partir daquele instante, para mover o munho. A fazenda inteira fica no escuro.
Os meninos, debaixo das mantas de dormir, tentavam descobrir as palavras, disputando para ver quem as encontram mais rápido. Num canto do quarto do fundo uma cama está sempre pronta à espera do tio Lolival, que também gosta de brincar de encontrar as palavras. Cada hora era um que escolhia a palavra que deveria ser descoberta. O primeiro a encontrá-la era quem procurava a próxima palavra que todos os outros deveriam procurar no mosaico estampado na janela, e assim por diante. Gugulim com seus olhos arregalados não perdia tempo, e logo apontava com o dedo o achado: a palavra. A luz da lâmpada ia se apagando lentamente e as palavras não mais eram vislumbradas, mesmo com as vistas apertadas dos meninos tentando descobri-las. Nas camas, sonolentos, todos adormeceram no escuro.