Escola Rural

O terreiro era grande, sombreado por velhas mangueiras, varrido com vassoura de alecrim, todas as manhãs, por volta das cinco horas. Naquele dia, era preciso deixá-lo todo arrumado e cheiroso para receber os meninos. Olhou as flores do campo peto da casa, sem nome, sem perfumes, simples; mas belas e atentas, lavadas pelo sereno da noite. Então, com um sorriso no pensamento, saiu varrendo cada palmo de terra começando da entrada da casa. Mastigava no pensamento o último dia de aula do ano passado. Uma lágrima veio molhar seu rosto mansamente como veio de riacho que nasce só para refrescar os pés.

Pôs os olhos na memória e recebeu os causos vividos em gotas de tinta campestre como se fosse pintar um quadro do caminho da escola. Ali perto o velho riacho a murmurar nas primeiras águas de fevereiro. A mestra suspirou. Encostou a vassoura num tronco de mangueira e observou a manhã. Pássaros canoros cumprimentavam o dia de cima dos galhos em gorjeios ritmados; o vento com longas pernas a brincar nas árvores subindo pelo caule até as folhas; e, no semblante da professora, silencioso, um dos casos caminhando nos pensamentos.

Por um instante seu Francisco teve medo. O riacho tocava uma canção desconhecida. Parecia o galo do terreiro em crista revolucionária tomando conta do terreiro; e o riacho, tal ele, ganhando águas, dono de todo o chão. Colocou as mãos na cabeça, numa aflição, tentando pensar rápido, embora receasse que a chuva que caía lhe levasse todas as ideias. Não seria vencido assim tão facilmente. O que é do homem o bicho não come; dizia seu pai. Coçou o queixo. Ora, ora por que não pensara nisso antes? Reparou nos animais amarrados numa faveira próxima. Era sem estudos, meu Deus, mas os filhos não seriam não. E seu Francisco rumou para um dos jumentos em passadas largas debaixo da chuva.

Regressou, olhou em volta e se agachou para pegar uma pedra de bom tamanho. Colocou-a na palma da mão, jogou para cima, recebeu-a sacudindo como quem avalia o peso. Nem se permitiu raciocinar no corpo molhado, no frio que sentia. Era um bom pai e sabia que os filhos do outro lado do riacho esperavam por uma solução da parte dele. Arra! Seu cérebro sabia pensar! Não entendia das letras dos meninos, era um analfabeto, mas podia cuidar deles; isso, sim, senhor!

Olhou as pontas da corda, analisou e amarrou numa delas a pedra. Neste instante fez gestos para os filhos que se encontravam do outro lado do riacho sob os cuidados da professora. O velho Rabugento abanava o rabo curiando tudo, procurando entender aquilo. Era um velho vira-lata. Costumava brincar com os meninos no recreio e espantar os passarinhos que vinham comer dos farelos da merenda. Quem disse que bicho não compreende os homens? O cão deu de ré com medo da pedra quando seu Francisco a lançou ao largo do riacho. Se não entendia, mesmo assim fez festa correndo em círculos por entre as pernas de Dona Maria do Carmo.

Segurando firme na outra extremidade da corda, viu seus meninos uma a um, atravessarem as águas, mãozinhas presas logo acima da pedra, num sorriso de aventura, olhinhos no pai . Agora era irem para casa no lombo do jumento e comer da canjica que estava quentinha em cima da chapa do fogão a lenha. Às vezes, a esposa fazia uma canja e tinha sempre um sabor de quero mais. Ah, se hoje fosse dia! Os meninos e ele bem que necessitavam! Uma mãe tinha de suas sabedorias... era como se ela acalorasse a vida.

_ Vem, Rabugento, vem! Hoje é o primeiro dia de aula do ano As horas caminham rápido quando os meninos chegam com suas algazarras e conversas das férias. Vamos nos aprontar para recebê-los!

Entrou na casa e se pôs a abrir as janelas da sala de aula multisseriada. Havia mesas pequenas com tamboretes, algumas carteiras, um quadro de giz de madeira, uma mesa e uma cadeira para a mestra e potes de barro com água fresca bem cobertos com um guardanapo de algodão branco bordado assentados num banco num dos cantos das paredes.

Mas o espaço naquele mundo é infinito... em cima da mesa há um copo com água para receber flores e a mestra está na porta de entrada com um vestido azul, fivelas de estrelas nos cabelos e o peito saltitando para ver o riso das crianças na hora do recreio.

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 25/04/2010
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