ESTAMOS EM UMA DEMOCRACIA
Leandro pediu à Mamãe, como presente de Natal, nada menos do que.... um irmãozinho!
A mãe enrolou:
- Este ano não dá. Talvez no ano que vem. . .
- Eu queria que ele se chamasse Luã.
- Que nome feio! Parece nome de cachorro!
- Então você põe o nome que quiser e eu ponho o apelido de Luã
A mãe foi reticente:
- Vamos ver. . . Um dia... Quem sabe?
O tempo passou.
- Leandro voltou a falar no irmãozinho várias vezes e a mãe sempre desconversando, até que ele acabou entendendo que um irmão não é um brinquedo que se possa ganhar assim, pois uma criança acarreta trabalho, despesa, responsabilidade, muda toda a rotina da família, é complicado.
Esqueceu o assunto.
Um dia, passando por uma loja de venda de pequenos animais viu um cachorrinho lindo em exposição;
Parou e brincou com ele.
O bichinho sacudiu o rabinho e sorriu um sorriso canino que encantou o garoto.
- Você vai ser meu. Vou tirar o dinheiro do meu cofre e comprar você para mim. Vou lhe chamar de Luã. O nome que escolhi para o irmãozinho que nunca veio.
O dono da loja aproximou-se.
Com seu faro comercial, viu no menino bem vestido, parecendo mimado, um provável freguês:
- Compre mesmo. Este cachorro é de uma raça muito rara, tem excelente pedigree, é muito inteligente e amoroso. Você vai gostar muito dele.
- E quanto é que ele custa?
- Mil reais.
- Mil reais? É muito caro! Eu não tenho tanto dinheiro assim no meu cofre.
- Não é caro.. Qualquer brinquedo custa isso. Sem contar que quando ele crescer você pode cruzar e ganhar dinheiro com ele. Peça ao seu pai. Garanto que ele compra para você.
Leandro falou com pai, mas este não se entusiasmou nem um pouco com a idéia de comprar um cachorro.
- Cachorro, a gente ganha, não compra. Tem tanta gente doando filhotes, tanto cãozinho abandonado.
- Mas eu não quero qualquer cachorro, quero o Luã.
A mãe intervem:
- Nada de cachorro! Esses bichos só servem para dar trabalho e criar problemas.
- É Leandro! Antes de arranjar um cachorro. Você precisa convencer sua mãe. . .
O menino começou a passar todos os dias pela loja para ver o cãozinho, brincar um pouco com ele e, às vezes, dar um dedo de prosa com o proprietário, seu Manuel, que cada vez mais o animava a convencer os pais de que sua compra seria um excelente negócio.
Mas o pai continuava irredutível. Se ele dobrasse a mãe, por ele, tudo bem, mas não queria brigar com a mulher por causa disso.
O tempo foi passando, o Luã estava crescendo e o dono foi ficando preocupado porque um cachorro adulto é mais difícil de vender e aquele espécime representava um investimento que precisava desempatar.
Resolveu baixar o preço. Quinhentos reais! Preço de custo, só para não perder tudo.
Quando Leandro viu isso ficou animado. Quem sabe agora, mais barato, o pai resolvia comprar?
Mas não foi feliz na nova investida. Nem o pai queria comprar, nem a mãe concordava em recebê-lo caso ele conseguisse sensibilizar o pai.
Continuou por mais algum tempo a visitá-lo diariamente na loja. Sentia quase como se fosse seu, pois o bichinho já o conhecia e ficava todo agitado quando chegava e assobiava para ele.
Até que, um dia, quando adentrou a loja viu o cercadinho do Luã vazio.
Sentiu um aperto no coração e, antes mesmo que o Seu Manuel contasse, adivinhou o que havia acontecido: Ele fora vendido.
Leandro não conseguiu conter as lágrimas e Seu Manuel ficou muito penalizado, mas, o que podia fazer? Ele era um comerciante e o cachorro estava ali para ser vendido. . .
- Mas, quem foi que comprou?
- Uma mulher, para a filhinha, uma menina loura de cabelos compridos.
Não sabia o nome, muito menos o endereço.
- Por que não perguntou? Se eu soubesse onde ele estava podia passar por lá para vê-lo,nem que fosse só de longe. Mas, como é que vou achar na cidade inteira essa menina loura de cabelos compridos?
- Olhe, eu acho melhor você esquecer isso. Não é bom apegar-se demais a coisas que não são nossas.
Leandro ficou muito tempo tristonho. No fundo de seu coraçãozinho, agigantou-se uma mágoa contra os pais que, achava ele, não gostavam dele, nunca davam nada que ele queria.
Primeiro foi o irmãozinho que nunca chegou e, agora, um simples cachorro que todo mundo tem, só ele não podia ter.
Que inveja da menina loura de cabelos compridos! Ela sim tinha uma boa mãe que lhe fazia as vontades.
Por que será que Deus lhe dera pais tão ruins?
Mas, acabou se conformando, como se conformara com a falta do irmãozinho que tanto desejara.
Um dia, porém, ele passava por uma casa quando, de repente, ouviu uns latidos e voltando-se viu o Luã pulando na grade como se quisesse cumprimenta-lo alegremente, como velhos amigos que há tempos não se viam.
Passou a mão pela grade e acariciou a cabeça peluda do animal que carinhosamente passou-lhe a língua no mais autêntico beijo canino.
E então ouviu uma voz irritada:
- Fritz! Já para o fundo, seu bicho danado!
O Luã não deu atenção e o Leandro sorriu para ele:
- Então, você agora se chama Fritz? Não atenda por esse nome. Garanto que gosta mais de Luã que lhe dei quando você era bem pequenino.
D. Estela aproximou-se e, vendo o menino, resolveu desabafar com ele:
- Esse cachorro maldito, me dá um trabalho danado. Arrependi de tê-lo comprado para a Julinha. Ela enjoou dele, não quer mais cuidar e eu é que fiquei com a amolação.
- Eu conheço ele desde pequenino. Pedi tanto para meu pai compra-lo, mas ele acha que cachorro não se compra e minha mãe, também, não me deu força porque não gosta de animais.
- Muito sensatos os seus pais. Eu é que fui uma boba, cedendo ao capricho da Julinha que durou tão pouco, e, além de jogar dinheiro fora ainda fiquei com essa praga aqui dentro.
- Não fale assim, a senhora não sabe que o cachorro é o melhor amigo do homem?
- Do homem, que não faz nada em casa, até pode ser, mas para a mulher que já tem tanto o que fazer, é um inimigo infernal, isso, sim.
Dona Estela arrastou o Luã (ou Fritz) para dentro e o Leandro afastou-se, contente por tê-lo reencontrado, mas preocupado por sentir que ele não era amado por seus novos donos.
- Que decepção, a mãe da Julinha! Pensei que ela fosse melhor que a minha, mas já vi que é a mesma coisa. Bem dizem que as Mães são todas iguais. Só mudam o endereço. . .
Leandro começou a passar pela casa da Julinha todos os dias para ver o Luã.
Era só assobiar, e ele vinha correndo.
Às vezes, brincava um pouco com ele e ia embora sem que ninguém da casa o visse, outras vezes, via a D. Estela e conversava com ela.
O assunto era sempre o Luã e suas travessuras.
Arrebentou um sapato. . . Arrancou uma planta. . . Saiu na rua ...
O Leandro ria:
- A Senhora precisa ter paciência com ele. Os cachorros são como as crianças. Fazem coisas erradas porque ainda não aprenderam a fazer certo. Dão trabalho, mas dão alegria também.
- Crianças e cachorros! Como dão trabalho! Não sei onde está a alegria que dão!
Até que um dia o Leandro encontrou a D. Estela mais furiosa do que de costume e, já rindo por antecedência, perguntou
- Que foi desta vez?
- O seu protegido estraçalhou uma toalha nova que estava no varal! Eu não sei mais o que fazer com ele. Não adianta bater. Só mesmo matando!
- Calma D. Estela. Ele ainda é muito novinho. Quando crescer mais, ele vai criar juízo. A senhora vai ver!
- Antes disso eu vou enlouquecer.
- Que nada! A senhora vai acabar gostando dele. Não é possível que não goste de uma coisinha tão fofa!
- Quer saber de uma coisa? Leve embora esse bicho. Fique com ele para você, já que o acha tão interessante.
- A senhora está me dando o Luã?!! Não posso acreditar!
- Estou sim! E pode dizer para sua mãe que não é nada pessoal. Não tenho nada contra ela. . .
Leandro não podia acreditar no que ouvia. Será que estava sonhando?
A caminho de casa um pensamento meio incômodo turvava sua felicidade. A Mamãe!
Ia ser difícil conseguir seu alvará para o Luã, mas ele estava disposto a comprar a briga.
Contou o ocorrido, primeiro, para o pai e este repetiu o que já dissera várias vezes:
- Por mim, tudo bem, mas não vou brigar com sua mãe por causa disso.
- Não vai precisar brigar. Deixe comigo que já sei como vou fazer.
A mãe o viu chegar com o pai e o cachorro, mas, antes que pudesse dizer alguma coisa o Leandro foi dizendo:
- Sei que você não quer que o Luã fique aqui, mas nós três queremos e numa democracia sempre vence a maioria, não é verdade? Você perdeu por 3 a 1.
- Três?
- Sim! O Papai, Eu e o Luã. O Luã também quer ficar..
A mãe não pode deixar de rir:
- Está bem! Vocês ganharam! O Luã pode ficar.