O pequeno feiticeiro
O pequeno feiticeiro
Dentro da mata virgem, ouve-se um rumor de passos agoniados: um menino aparece com um cãozinho nos braços. Os passos em tlum, tlum a acordar o vento que dorme nas calçadas dos matos.
Os bracinhos pequenos, com todo cuidado, armados num suporte de cama macia, sem medo do peso que carrega. De onde lhe vem tanta força? Onde se escondem os segredos das crianças? Nos fôlegos misteriosos do coração?
O pequeno, duns oito anos, rosto vivo, muito embora aflito, tem os pensamentos no pobre animal. E assenta o bichinho numas ramas de salsa à beira de um riacho. Olha em redor, conhecendo cheiros e sons... Colhe algumas ervas silvestres... Um ar de quem entende do mundo. Depois vai até a água e banha delicadamente os galhinhos tenros... Ergue os olhos aos céus, deita-os em seguida sobre o amigo e vai fazendo o sinal da cruz, estendendo as ervas, ao longo do corpinho do animal:
Com fé no Pai Eterno
E estas folhas de arruda em minha mão
Rezo em cruz para te curar, meu cachorrinho!...
De todos os males desta vida
Valei-o... Oh, São Francisco, dá-lhe socorro!
Este animal tem uma pata ferida!
Terminada a benzedura, a criança colhe ainda umas folhas de crista-de-galo, envolve-as no pano branco que trazia aos ombros e soca o conteúdo com uma pedra até obter uma substância pastosa. Em seguida, deposita a pasta verde sobre a ferida do animal, cobrindo a região afetada com uma larga folha de salsa. Então aguarda.
Observa os sons da mata. Os sentidos, no que tem de belo ao seu redor. Procura afugentar os medos do coração. Uma paz o envolve. Emaranha-se nos cantos dos pássaros. No frescor das plantas dentro do dia que nasce.
A terra tem ainda o cheiro da chuva de outrora. No chão, ao lado dos pés do menino, estão as marcas da enxurrada. A natureza se renovara com o banho das águas - criara novo vigor. E os olhos do pequeno mergulham no frágil cachorrinho, em busca de um sinal de melhora.
Não pode se contar. Repentinamente, sinais de vida brotam nas faces caninas. O menino sente o brilho dos olhos, o balançar do rabinho: au, au!... Um desejo de sair correndo por dentro da mata e cumprimentar a vida, avermelha-se no semblante da criança. Toc, toc, toc palpita-lhe a felicidade.
Então, com o cãozinho a lhe lamber o colorido do rosto, o menino percorre de volta pisada por pisada, esvoaçando sorrisos no vento...