A LIÇÃO DA CORUJA

O menino devia ter mais ou menos onze anos de idade. Estava voltando da escola, com seu passinho miúdo, sem pressa, chutando pedrinhas e gravetos que encontrava pelo caminho, quando viu um ninho caído no chão. Sentiu vontade de chutar, mas preferiu parar, se agachou repararando mais perto o ninho onde havia um filhotinho morto. E, olhando ao redor, viu mais dois corpinhos.

O ninho caiu da árvore por causa da ventania, pedaços de galhos e folhas estavam espalhados pela estrada. Olhando para o alto da árvore, o menino viu um passarinho pousado e pensou que seria a mãe dos filhotinhos mortos. Sentiu enorme piedade e, ao mesmo tempo, se assustou com esse sentimento novo. Não sabia explicar o que sentia diante do ninho derrubado pelo vento porque nunca tinha ficado triste quando costumava matar passarinho com pedradas.

Cavou um buraco para enterrar os bichinhos e ao colocar o último punhado de areia escutou o passarinho pousado no alto da árvore falar:

- Obrigado menino, por cuidar dos meus filhinhos.

Ele olhou para cima, o passarinho soltou um triste piado e saiu voando.

Ainda confuso com a compaixão, sentimento que jamais sentira, sentou-se numa pedra a lembrar de como foi mau, tempo atrás, por matar passarinhos com seu estilingue e sentiu extrema dor ao recordar estas mortes inúteis. Pensou em fazer alguma coisa para se redimir e decidiu que soltaria todos os pássaros engaiolados que encontrasse pela frente a partir daquele dia.

Voltou para casa, comeu seu almoço e saiu para procurar gaiolas na vizinhança.

Entrou na casa de Dona Josefa, comadre de sua mãe, onde havia uma gaiola, abriu a portinha, porém o canarinho se recusou a sair.

- Vamos, voe para a liberdade. Disse o menino.

O passarinho respondeu:

- Pra quê? Aqui eu tenho água, comida e gaiola limpa. Prefiro ficar preso a ter de procurar alimento e abrigo!

O menino disse:

- Então continue preso. Você é um preguiçoso!

O menino foi para a casa de outro vizinho, o Seu Silva, amigo de seu pai. Abriu a portinhola da gaiola e falou:

- Vamos, voe para a liberdade.

O passarinho não quis abandonar a gaiola dizendo:

- Pra quê sair e me expor aos perigos. Aqui estou seguro, os gatos não me alcançam.

O menino respondeu:

- Então continue preso. Você é um medroso.

Ele continuou a procurar gaiolas e sempre encontrava a recusa dos passarinhos em fugir. Tentou pela última vez abrir a portinha da gaiola do pássaro preto, mantido por Seu Antonio do armazém da esquina.

O pássaro respondeu:

- Prefiro continuar preso na gaiola. Há muito tempo me pegaram na floresta e eu não sei mais voltar e nem sei se ainda tenho parentes por lá.

O menino disse:

- Então continue preso, você é um conformado.

Ele voltava para casa, desistindo do propósito de libertar os pássaros, sem entender porque eles preferiam continuar presos em suas gaiolas, quando encontrou uma coruja pousada no portão.

A coruja falou:

- Menino, sua intenção é boa, todavia, os pássaros engaiolados já estão acostumados com isso e a liberdade para eles significa risco e morte. Não se trata de preguiça, covardia ou conformismo. É da natureza deles porque nunca aprenderam a se virar sozinhos; desde que saíram dos ovos foram criados em gaiolas. São aves domesticadas que não sobreviveriam fora delas. Porém, existe coisa muito pior para as aves que vivem em liberdade nos campos e nas matas.

O menino ficou curioso e a coruja explicou.

- Existe o tráfico e contrabando de aves, principalmente as belas ou raras com risco de extinção. Pessoas gananciosas retiram da mata os filhotinhos para vender aos contrabandistas. Esse é o grande perigo.

A coruja se despediu e saiu voando para o telhado da casa.

O menino ficou impressionado com o que ouviu da coruja e prometeu que, ao se tornar um adulto, faria alguma coisa para protegê-las,

Anos mais tarde, diplomado em Engenharia Florestal, herdou do padrinho uma fazenda enorme transformando-a em reserva para abrigar os pássaros e outros animais silvestres apreendidos pela Polícia Florestal.

Assim ele se sentiu perdoado pelo mal causado aos passarinhos quando era menino.