SONHOS SONHANDO

Já havia acordado muitas vezes naquela noite. O ruído sempre fazendo com que pulasse de susto. Procurou o causador do barulho que vinha debaixo da cama sem sucesso. Sempre que botava a cabeça lá embaixo para espiar, o barulho cessava e durante toda a noite foi assim.

Sentiu-se muito cansada no dia seguinte, mas tudo não passara de um sonho. Um sonho que importunava justamente para que não dormisse. Um sonho que não queria ser sonhado? Sim, já que para sonhar é necessário estar dormindo! — ela concluía. Estranho.

Na noite seguinte, já imaginando que não conseguiria dormir, pediu para que a mãe contasse uma história.

A mãe começou a narrar, mas os fatos não formavam uma história e os príncipes se casavam com a bruxa e as princesas tornavam-se rãs que nenhum príncipe queria beijar já que estavam mais interessados nas bruxas no seu sonho.

A mãe não tinha oportunidade de concluir a história e esta ficava incompleta, pronta para que a menina continuasse sonhando daquela forma estranha.

Uma vez que as princesas tornavam-se rãs por feitiço das bruxas que sabiam que não teria quem as despertasse para um final feliz, também os outros personagens foram seguindo rumos pouco convencionais. Os porquinhos engordaram tanto por não ter quem os fizesse correr em fuga que optaram por se internarem num SPA para controlar a obesidade. O lobo fundara uma ONG para proteger seus direitos como espécie ameaçada de extinção e de seus demais parentes perseguidos em todas as histórias infantis. Chapeuzinho Vermelho achara muito entediante o caminho no bosque sem nenhum perigo à espreita que resolvera mudar o visual, enrolar os cabelos e procurar emoções em outras bandas. Chapeuzinho brigava agora com Cachinhos Dourados para ver quem ocupava a casa dos ursos e... A história parou de ser contada. As duas meninas olhavam interrogativas para aquela que sonhava sem compreenderem que barulho era aquele.

— Que barulho é esse?— se perguntou a menina que tinha novamente seu sono interrompido.

Debruçou-se corajosa para, de uma vez por todas, descobrir o causador de tanto barulho.

Devagarzinho e sem acender luz alguma foi abaixando a cabeça para espiar o que havia sob a cama.

Foi com surpresa que se deparou com uma menina. E não era Chapeuzinho Vermelho nem Cachinhos Dourados, tampouco se tratava de alguma das princesas que desoladas fugiam como rãs dos feitiços das bruxas. A menina estava defronte de uma menina como ela.

A menina exibia olheiras profundas de quem não dormia há muito tempo. Também uma expressão de cansaço que a outra menina tentava compreender a razão.

A menina que estava debaixo da cama não disse coisa alguma e a outra também não ousava perguntar.

Ambas tinham sono. Ambas precisavam dormir. Mas as meninas não dormiam.

Talvez até houvesse necessidade de que alguém viesse dizer que elas precisavam dormir. E quem diria? Quem sabia o por quê?

— Eu sei o por quê!— gritou uma voz debaixo da cama.

Era a mãe da menina quem gritava. Como ela sabia? Tinha cara de mãe . Mãe de menina que fica acordada até tarde, que quer ser gente grande.

— Por sua causa ela não dorme! Fica acordada a noite toda prestando atenção às suas estórias e não dorme!

A menina não sabia o que dizer. Como era possível existir uma menina morando debaixo de sua cama e que não dormia por que prestava atenção a seus sonhos.

— Mas eu nem sei quem vocês são!—protestou a menina.

— Nem minha filha sabia quem era você, até que você começasse com esses barulhos que não a deixam dormir!

— Eu que não consigo dormir com os barulhos que ela faz debaixo da minha cama!

— Mas quem está debaixo da cama dela é você!

— Não senhora! Olha só, veja, eu estou de cabeça para baixo conversando com a senhora que está debaixo da minha cama!

— Você está confusa, menina! Você é que está debaixo da cama da minha filha! Olhe ao redor!

A menina levantou a cabeça, acendeu a luz e começou a observar ao redor. Para sua surpresa, tudo estava invertido. Era realmente possível que fosse ela a estranha, a intrusa que se alojara debaixo da cama da menina?

Subitamente, alguém puxou os seus pés.

Sem mais nem menos, o grande urso a segurava de cabeça para baixo. Não houve tempo para entender, um príncipe abria a porta e a beijava na testa e ela deixava de ser uma rã coaxando sob a cama e minutos depois acordava com a voz da mãe que chamava para ir para a escola.

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 08/02/2010
Código do texto: T2076207
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.