Quebradeira de tucum

Uma chuva fina no telhado de palhas de carnaúba... plic, ploc, plic, ploc... Os pingos no chão do terreiro.

Uma mulher de uns trinta anos acorda, vai até o fogão à lenha e varre as cinzas do fogo de outrora.

Coloca algumas lascas de madeira, que o filho mais velho trouxera do mato, dentro do fogão arrumando-as e acende o fogo avivando este com um abano de palhas de carnaúba.

Em cima da chapa já está a lata de óleo que usa como chaleira. Tem um arame que a sustenta no teto da casa. É com essa vasilha que sempre mantém água quente para um chazinho de erva cidreira de que tanto gosta ao fim da tarde.

Pega em um pote de barro um litro de água; talha uma rapadura de cana-de-açúcar numa tábua de madeira com o velho facão do marido e deita os pedaços dentro da chaleira com a água; ajeita-a na boca do fogão.

Uma das crianças acorda e ainda com um lençol de tecido de saco de açúcar lavado e costurado pelas mãos maternas, procura se aquecer nas laterais do fogão de tijolos junto dos pedaços de madeira. Sente o calor das chamas e fica olhando a madeira queimar.

A mãe faz-lhe um carinho nos cabelos e ela sorri. É uma menina de uns cinco anos.

Seu rostinho arredondado ganha um colorido nas faces em parte pelo calor do fogo, outra pelo coração que se embriaga de ternura com o gesto da senhora que agora faz uma espécie de grolado com a borra da goma de mandioca numa panela posta na outra boca do fogo.

A bacia de alumínio pousada num girau de paus na janela anuncia que a chuva passou. E os pensamentos da mulher começam a viajar...

A mão erguendo a pedra para voltar forte e quebrar o tucum... Trac!... E a amêndoa vem ao chão. Os dedos ferindo-se ao recolhê-lo entre as cascas secas do fruto. Após, coloca-a numa vasilha para à noite ser pesada numa balança de dois pratos e assim poder voltar para casa com algumas colheres de café, meio quilo de açúcar e uns pães para as crianças.

Involuntariamente passa as mãos nas costas. Ela bem sabe da dor de ficar sentada num pedaço de madeira que usa como banquinho o dia todo na quebra do tucum. As pernas ficam dormentes... Que coisa sem sentido de pensar quase na hora do trabalho, meu Deus! A panela no fogo... Faz um som na boca como se quisesse falar a ela mesma e sacode a cabeça da direita para a esquerda se repreendendo por divagar ante o cuidado nas panelas... Então sorri com o canto dos olhos.

A menina fica a olhar a mãe mexer com uma colher de pau dentro da panela preta de ferro. Mas tem medo do que vem depois do café da manhã em dias da semana como hoje. O coraçãozinho pequeno com um aperto antecipado. Enrola-se no lençol ainda que não esteja mais com frio. Envolve-se em si mesma, em seus pensamentos. Tem medo de falar. Sabe da resposta. Já vai chorar, hem menina? As fagulhas da lenha subindo no ar... Um dia vai crescer... soluça por dentro, como uma lágrima descendo devagar numa face que não pode ser tocada... Ela queria soluçar! Mas não,a mãe já pega o pano que usa na cabeça quando vai sair...

Há uma pedra de ardósia servindo de batente na entrada da casa.

A menina sente um friozinho na barriga ao ver a mãe botar os pés lá. Sabe que ficará só com os irmãos por todo o restante do dia. Ah, meu Deus, não deixa minha mãe machucar os dedinhos ao quebrar os benditos tucuns do dono da quitanda onde nos fornecemos!

E na soleira da porta, a menina olha a mãe se ir ao trabalho com uma lágrima quente nos olhos...

A mulher não se vira para dar um último aceno... Pois com a barra da blusa de algodão ela limpa os olhos marejados.

Na terra sedenta, some-se a água da chuva mansa de janeiro, enquanto a menina fica de cócoras na pedra embrulhada com seu lençol a ver a mãe até onde seus olhos conseguem seguir o vulto amado.

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 31/01/2010
Código do texto: T2061809
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